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DEIXANDO A MÁSCARA CAIR A máscara, um dos utensílios mais usados no carnaval, saiu dos bailes de salão e tomou conta da Rua Marquês de Sapucaí. No ano de 1993, ela foi o fio condutor do enredo de duas escolas nos dois principais grupos do carnaval carioca. Aliás, o ano de 1993 pode ser encarado como um divisor de águas na folia carioca. É sabido que naquele ano a juíza Denise Frossard deixara cair a máscara da contravenção do carnaval, obrigando algumas escolas a saírem à procura de outras fontes de recurso. Essas fontes alternativas acabaram por sacramentar de vez o carnaval S/A, tão bem decantado, de forma saudosista e profética, pelo Império Serrano na década anterior. O carnaval carioca, assim, foi tomado por enredos caça-níqueis, por meio de exaltação de cidades, personalidades, produtos e qualquer proposta financeiramente viável para pagar a permanência, ascensão no grupo ou liderança de escolas no ranking do carnaval. Afinal, como proclamou a São Clemente em 1990, o show tem que continuar... O merchandising está presente, sem disfarces, ano a ano na Sapucaí. Dizem que ele é proibido pelo regulamento do Grupo Especial, mas tal cláusula é letra morta, revelando-se como mais uma máscara do carnaval. Mas voltemos a 1993, ano em que as máscaras reinaram como enredo. No Grupo Especial, ela se materializou pela Unidos da Ponte, que retornava à elite, mostrando um novo disfarce. A escola de São João de Meriti apostara na promessa Roberto Szaniecki, que se revelou em seu vôo solo, mudando a cara da escola, ao apresentar alegorias e fantasias mais elaboradas como de costume. A chuva quebrou carros e prejudicou o desfile da Ponte, mas a escola teria a chance de desmascarar toda a tristeza advinda do rebaixamento, ao ser beneficiada por uma virada de mesa pós-resultado do carnaval. Essa virada de mesa fora arquitetada pela Caprichosos de Pilares, que resolveu desfazer as máscaras dos julgadores, ao revelar uma suposta e não provada manipulação de resultado. Nada comparado ao próprio enredo e desfile da escola de Pilares, que com alegria e descontração, mostrou uma face desconhecida do grande público na eterna segregação existente entre as Zonas Norte-Sul do Rio de Janeiro, ao retratar uma Zona Sul violenta e prostituída em contraponto a uma Zona Norte alegre e festeira. Assim, a Ponte, tomando carona no trem suburbano de Pilares, teve uma sobrevida no Grupo Especial por mais três carnavais (em 1994 seria novamente beneficiada com mais uma virada de mesa). Tal benefício fez com que a Ponte apresentasse um bom desfile em 1995 (dentro de suas possibilidades), ao ponto de o júri do Estandarte de Ouro lhe fazer justiça e premiar sua excelente bateria, que há anos vinha sustentando a escola na sua árdua tarefa de sobreviver no mundo das grandes escolas de samba. Historicamente, creio ter sido uma daquelas exceções bem-vindas no Estandarte de Ouro, haja vista que o nome e o peso da escola acabam mascarando algumas premiações. Por outro lado, num grupo inchado e sem glamour, a Tradição buscara se reerguer com o mesmo tema da Ponte, as máscaras. E se a Ponte foi a última colocada no desfile do Grupo Especial, a Tradição deu a volta por cima, sagrando-se vencedora do Grupo, mesmo com o desfile incontestável do Império Serrano, que lhe antecedera horas antes no desfile. Como consolo, a política segregadora da Liesa ainda não tinha sido de todo implementada, e assim, duas escolas eram promovidas à elite do carnaval. Caso contrário, seria inexplicável sustentar o vice-campeonato do Império Serrano, já que a escola de Madureira mostrou e provou que não perdera a realeza, ao relembrar sua vitoriosa trajetória no carnaval carioca. Mas o que de fato os enredos da Ponte e da Tradição em 1993 procuravam esconder, que anos mais tarde nos revelou? No caso da Unidos da Ponte, foi-nos revelado que ao contrário dos municípios das duas co-irmãs de grupo, Acadêmicos do Grande Rio e Beija-flor de Nilópolis, São João do Meriti não se seduzira por abraçar e patrocinar a trajetória de sua mais representativa escola no desfile no Rio de Janeiro. As sucessivas viradas de mesa em benefício da escola, todas protagonizadas pelo Presidente da Liesa à época, Sr. Paulo Almeida, não foram benéficas à escola. A escola ainda tentou sua última cartada, querendo virar a mesa com o aval da Justiça Brasileira, encontrando falhas nas escolhas dos jurados que a rebaixariam definitivamente em 1996. Mas, mesmo vencedora na disputa judicial, os anos eram outros. A Liesa, num gesto altruísta da
Prefeitura do Rio, assumiu de vez a organização da gestão dos
desfiles em Coincidência ou não, o final dos anos 90 e começo da atual década, a Sapucaí passou a conviver com resultados cada vez mais contestáveis, sob o prisma da emoção, espontaneidade e sedução dos expectadores, mas, a contrario sensu, os desfiles passariam a ter uma nova face, ou disfarce, com o rótulo “tecnicamente perfeito”, que resultou na supremacia incontestável de algumas escolas escolhidos como protagonistas dos desfiles. Uma espécie de “Sou amigo do Rei”, título do enredo do Salgueiro em 1990. Mas voltemos à Ponte. A escola acabou pagando caro a ousadia e hoje desfila na Intendente Magalhães, no Grupo C. E os anos passam e a conclusão que nos fica é uma sensação de que a escola está acomodada. Aliás, a expressão acomodada foi mais uma máscara utilizada pelos dirigentes para “lipoaspirar” o grupo de elite do carnaval carioca, e, de certa forma, afastar qualquer possibilidade de reação de algumas escolas que necessitam de tempo e investimento para poderem voltar a ver brilhar o sol da Marquês de Sapucaí. Mas, com a redução do número de escolas na elite, restou impossível desfilar sob a luz natural. Melhor sorte não socorreu a guerreira de
Campinho. Mesmo com a vitória no carnaval de Nascida como dissidente da Portela e com o lema de preservar a essência das escolas de samba, a Tradição teve uma ascensão meteórica e parecia mesmo que iria resgatar o passado glorioso de uma estagnada Portela. Porém, o que se viu foi que a cada ano a escola se afastava desse propósito. É fato que a Tradição ainda teve fôlego para empolgar a avenida no ano seguinte, 1994, no qual obteve sua melhor colocação na história dos desfiles, e, em 2001, ajudada pela presença e carisma do homenageado Silvio Santos. Mas seu futuro parecia selado a partir do
injusto campeonato de 1997, após mais uma de sua visita ao Grupo
de Acesso. A partir de sua volta ao Especial em É verdade que a escola também teve uma sobrevida no Especial, como a Ponte. Mas não se precisou apelar para viradas de mesa. Bastou-se, oficialmente, mudar o regulamento a partir de 2001. Assim, a escola, com a ajuda dos jurados e com a mudança de regulamento da Liesa, conseguiu revelar-se sem se esconder, e passou a ser desacreditada pela opinião popular. A queda para o Grupo de Acesso A veio somente em 2005, mas tal postergação foi derradeira para definir o rumo da escola. Desacreditada, a escola sofreu mais uma queda em 2007, e, em 2008, no Grupo B, com o afastamento de pessoas que faziam parte da razão de existir da Tradição, faz-nos questionar: na verdade, quem é você, Tradição? Qual será o futuro da escola de Campinho? Muitos podem ter a resposta na ponta da língua. Mas se formos prestar atenção no desfile das escolas de samba, vamos tirar a conclusão de que a máscara não esconde, mas revela. Revela-nos submissão, segregação, desigualdade, poder, omissão, comodismo, mesmice, supremacia, superação. Assim, nosso carnaval carioca continua se valendo de máscaras cotidianas, fazendo-se parecer algo que nem sempre corresponde àquilo que é essencialmente. E por meio dos versos da música Noite dos Mascarados, de Chico Buarque, despeço-me desta primeira coluna, com esperanças de que o próximo carnaval não seja igual ao que passou: “deixa a festa acabar, deixa o barco correr, deixa o dia raiar”. |
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