Clóvis
Bornay nasceu em Nova Friburgo, na Região Serrana do
estado do Rio, em 10 de janeiro de 1916. Desde 1928, ainda garoto, sempre gostou de
participar dos bailes de carnaval do Fluminense Futebol
Clube, mostrando que tinha habilidade para lidar com o
mundo do samba. Em 1937, com 17 anos, quis ser integrante
Teatro Municipal do Rio de Janeiro e conseguiu, depois de
muita luta, convencer o então diretor do local, Silvio
Piergilli, a criar um baile de gala com fantasias de
luxo. Sua primeira fantasia fora confeccionada pela
italiana Josefina Pampuri e se chamava “O Príncipe
Hindu”. Era de extremo bom gosto, feita com cristais
lapidados. Quando entrou na passarela, logo de cara,
Bornay foi ovacionado, aplaudido euforicamente por toda
platéia. Não foi a toa que se sagrou campeão do
concurso.
Com
passar dos anos, Bornay foi se tornando um dos maiores
nomes da história do carnaval. Suas fantasias eram
sempre belíssimas, assimilando elegância com
criatividade. Era quase unânime em seus concursos do
Teatro Municipal, faturando inúmeras premiações. Entre
seus maiores concorrentes, estavam Evandro de Castro
Lima, Mauro Rosas, Marlene Paiva, Guilherme Guimarães,
Flávio Rocha, entre outros. Mesmo assim, de tantas vezes
vencer, acabou recebendo o prêmio simbólico de “Hors
Concours”, na qual poderia participar de qualquer
concurso de fantasias, que nunca seria julgado com os
demais, pois todos sabiam que Bornay seria sempre
superior.
Depois
do esfuziante “História do carnaval carioca”,
o cenógrafo Fernando Pamplona esteve longe do carnaval
carioca e Clóvis Bornay foi chamado pelo Salgueiro para
fazer o desfile de 1966. A escola sempre teve a
característica de levar nomes importantes do Teatro
Municipal ao mundo do samba. Na verdade, Bornay já teve
certo contato com a agremiação no carnaval anterior, na
qual o baile de gala (criação sua) havia recebido uma
singela homenagem no desfile do Pamplona. Para desfile de
66, o carnavalesco elaborou o enredo Os Amores
Célebres do Brasil, fazendo alusões às paixões
inesquecíveis da história brasileira. Essa chegada de
Clóvis Bornay às escolas de samba marcou a vinda de
fantasias luxuosas em seus destaques. Era algo que ele
sabia fazer muitíssimo bem, como sempre demonstrou em
seus trabalhos no Teatro Municipal. O Salgueiro acabou
por fazer um desfile bonito, com alguns bons momentos,
porém altamente frio e insosso, prejudicado ainda por
uma turbulenta chuva. Não tinha grande comunicação com
o público e se tornou completamente apagado em relação
ao do ano anterior. A escola por pouco não caiu, pois
ficou em 5º lugar e o descenso era só a partir da 7ª
colocação. O bicampeonato era um sonho que não havia
se realizado.
Naquele
mesmo ano, as escolas de samba Aprendizes de Lucas e
Unidos da Capela, duas agremiação tradicionais da
Leopoldina, ficaram em 7º e 8º lugar, respectivamente.
Mas para evitar o rebaixamento, as duas escolas usaram a
esperteza e acabaram se fundindo, surgindo assim a Unidos
de Lucas, muito conhecida também como Galo de Ouro da
Leopoldina, pelas suas cores vermelha e dourada. Ambos os
grêmios fundadores sempre tiveram destaque hegemônico
no Grupo 1 e tinham força suficiente continuar
brilhando, principalmente depois de unirem-se. Clóvis
Bornay havia acabado de sair do Salgueiro (Fernando
Pamplona acabou voltando para a escola da Tijuca) e foi
convidado a fazer o carnaval de 1967 da então
recém-criada Unidos de Lucas. O enredo se chamaria Festas
Tradicionais do Rio de Janeiro, uma exaltação aos
festejos mais marcantes da história do Rio. O desfile
acabou dando certo e a Unidos de Lucas ficou em 5º
lugar, posição quase cativa da agremiação, que viria
até receber mais tarde a intitulação de “quinta
força das escolas de samba”.
Em
1968, Clóvis Bornay decide apostar no enredo História
do Negro no Brasil, hoje muito conhecido como Sublime
Pergaminho graças ao belíssimo samba-enredo de
Nilton Russo, Carlinhos Madrugada e Zeca Melodia. Era um
tema que apelava bastante para o lado emotivo dos foliões,
pois falava do processo de abolição da escravatura do
Brasil imperial. A Unidos de Lucas estava sendo aclamada
já como campeã, pois tinha o “Dream Team” do
ano, tendo um grande número de pontos positivos. A
escola mostrou na avenida um belíssimo conjunto de
fantasias e alegorias, mostrando com elegância a
relação entre as culturas branca e negra. O enredo era
de fácil compreensão e foi muito bem bolado pelo
carnavalesco. Foi um desfile empolgante, muito bem
acabado e, sobretudo, emocionante. Os componentes fizeram
seu desfile sabendo que brigariam pelo campeonato.
Infelizmente, a Unidos de Lucas ficou apenas, como de
praxe, na 5ª colocação.
Para
1969, o Galo da Leopoldina prometeu vingança! O enredo
era intitulado Rapsódia Folclórica, fazendo
alusões às diversas manifestações culturais do
Brasil. Porém Bornay tinha, na verdade, a Portela como
centro das atenções, pois foi convidado pelo presidente
Caetano Piloto para fazer o carnaval de 69 da escola de
Madureira. Na Unidos de Lucas, Bornay havia deixado o
parceiro Fábio Mello como carnavalesco principal. Só
para constar, o Galo da Leopoldina fez um desfile bonito,
porém trágico, cheio de incidentes, como o
desaparecimento completo da bateria da escola quase na
hora da escola desfilar, pelo fato de suas fantasias
ainda não estarem prontas. O diretor de harmonia Marco
Aurélio Jangada foi obrigado a chamar urgentemente
alguns ritmistas de dois blocos carnavalescos para não
desfilar sem bateria. A Unidos de Lucas acabou ficando em
9º lugar, sendo rebaixada.
Na
Portela, o carnavalesco decidiu falar da viagem de Pedro
Álvares Cabral rumo às Índias, onde sua esquadra
descobriu o Brasil. O enredo se chamaria Prosocopédias
cabralinas, mas Bornay acabou escolhendo um nome mais
simples e passou a ser então Treze Naus. A
Portela investiu muito nesse desfile. Via-se uma
seqüência de fantasias e alegorias extremamente bem
feitas, com um excelente acabamento do início ao fim.
Não faltaram caravelas, estandartes e brasões da corte
portuguesa. Foi um desfile extremamente animado, com o
público cantando o samba com empolgação, mas a escola
acabou sofrendo com um problema desesperador. Os carros
eram altos demais e vários deles acabaram prendendo-se
sob uma das pontes da região da Candelária. Houve até
certos momentos em que alguns deles tiveram que ser
quebrados para finalmente passar. Mesmo assim, o
entusiasmo era grande demais e esse foi o ponto decisivo
do sucesso do desfile. A Portela acabou ficando em 3º
lugar.
Em
1970, Bornay planejou o desfile da Portela com o
fantástico enredo Lendas e Mistérios da Amazônia.
O desfile foi aguardado com muita expectativa, pois o
samba da escola para aquele ano, de autoria de Catoni,
Jabolô e Valtenir, é considerado por muitos como o
melhor da história da Portela. Eram 3.000 componentes e
desde o início do desfile, já era possível ouvir os
gritos de “já ganhou!” vindo do público. As
fantasias, adereços de mão e principalmente as
alegorias estavam impecáveis, resultado do belíssimo
acabamento que Bornay dedicou a cada uma delas. A Portela
tinha uma comunicação incrível com os expectadores.
Todo aquele ano de trabalho teve o resultado esperado,
que era a fortíssima aceitação do público. A
tradicional águia, trazendo o nome da escola em seus
pés, era de extremo bom gosto e emocionava todos que a
viam. As alas, riquissimamente fantasiadas, representavam
índios, bandeirantes e seres místicos da floreta
amazônica. Um dos pontos altos daquele desfile foi o
segundo carro que representava as religiões indígenas,
tendo uma escultura do deus Tupã com três metros de
altura. Já o terceiro, fazia alusões à lenda de
Jaçanã, que havia se transformada pela ira do Pajé.
Era uma alegoria com um fantástico impacto visual, com
direito até à figura do saci-pererê. E por último,
veio o quarto carro, lembrando as mulheres guerreiras
amazonas, montadas em cavalos, ao lado da imagem das icambiabas,
as mulheres sem marido. A Portela havia acabado de
realizar um momento único no carnaval carioca. Terminou
seu desfile deixando um ar claro de campeonato vindo. E
não deu outra: Portela conseguira seu 19º título no
carnaval! Foi um desfile extraordinário e Clóvis Bornay
levou seu primeiro e único campeonato, o último sozinho
da agremiação.
Em
1971, Clóvis Bornay saiu da escola de Oswaldo Cruz,
substituído pelo carnavalesco Arnaldo Pederneiras, que
deu o vice à escola com o enredo A Lapa dos três
tempos. Naquele ano, Bornay não fez carnaval. Em
1972, o carnavalesco foi chamado para trabalhar na
Mocidade Independente de Padre Miguel. Escolheu o enredo Rainha
mestiça no templo do lundu, fez um desfile
simpático e conseguiu um agradável 6º lugar. No ano
seguinte, o carnavalesco fez o desfile da escola com o
enredo Rio – Zé Pereira
e conseguiu uma modesta 7ª colocação. Naquele mesmo
ano, o bicheiro Castor de Andrade passa a bancar a escola
da Vila Vintém e Clóvis Bornay é substituído por
Arlindo Rodrigues, que em 1974, viria a fazer um desfile
antológico e tornar a Mocidade uma das mais influentes
escolas de samba da história. Já o Bornay, abandonou a
confecção dos desfiles de escola de samba, deixando de
ser assim a profissão de carnavalesco.
Mesmo
sem fazer mais desfiles, Bornay foi durante décadas
destaque de diversas escolas de samba, sempre com
fantasias incrivelmente elegantes. Entre seus grandes
momentos como destaque no carnaval, fantasiou-se várias
vezes de Estácio de Sá, fundador da cidade do Rio de
Janeiro. Nunca abandonou o mundo do samba e sempre lutou
em benefício do carnaval, como, por exemplo, as
inúmeras tentativas de tornar os desfiles de escolas de
samba algo gratuito, pois achava que o carnaval era a
“festa do povo” e tinha que ser degustado pelo
próprio povo. As suas variadas fantasias são
constantemente expostas em desfiles no exterior e algumas
delas podem ser encontradas em acervos nos Estados Unidos
e Europa. Em 1996, o carnavalesco recebe da Assembléia
Legislativa do Rio a medalha Tiradentes, dada sempre a
personalidades que tenham relevância cultural em grandes
serviços prestados ao Brasil. Em outubro de 2005,
Clóvis Bornay vem a falecer depois de uma parada
cardiorrespiratória em decorrência a uma desidratação
e a uma infecção intestinal. Clóvis Bornay marcou para
sempre o carnaval pela sua extravagância e originalidade
e seus trabalhos nas escolas de samba ficaram fortemente
imortalizados.
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