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FUTEBOL DÁ SAMBA?

FUTEBOL DÁ SAMBA?


22 de outubro de 2023, nº 67

A relação entre futebol e carnaval no Rio de Janeiro sempre foi muito estreita. Embora aqui as escolas de samba de clubes ou torcidas não tenham tanta força como em São Paulo, vários times já foram enredo de agremiações. É o caso do Flamengo, homenageado pela Estácio de Sá em 1995, do Vasco, pela Unidos da Tijuca em 1998 e do Fluminense, pela Acadêmicos da Rocinha, em 2003. As três homenagens se deram em alusão ao centenário dos clubes. No caso do Flu, que havia completado 100 anos em 2002, o carnaval se deu antes do 101⁰ aniversário. Esperava-se que o Botafogo fosse enredo de alguma escola em 2004, mas isso não aconteceu. Em contrapartida, América e Bangu, que também chegavam ao centenário naquele ano, foram enredo de Unidos da Ponte e Unidos de Padre Miguel, respectivamente.

Nenhuma das escolas chegou perto do título. A Estácio, que vivia o período entre o título no Grupo Especial e o rebaixamento, ficou em sétimo lugar, fora do sábado das campeãs. A Tijuca foi rebaixada apesar do grande desfile. Há quem diga que por questões políticas, pois o dirigente vascaíno Eurico Miranda teria peitado a cúpula da LIESA. A Rocinha quase caiu também, num grupo de acesso forte que tinha São Clemente, União da Ilha, Vila Isabel, Tuiuti (com Paulo Barros) e Estácio. A Ponte ficou em quinto lugar no antigo Grupo B, que desfilava no Sambódromo na terça-feira gorda. A Unidos de Padre Miguel foi vice-campeã do Grupo E (última divisão) e começou sua escalada ascendente de retorno ao desfile principal, sonho ainda não realizado.


A camisa do Fluminense em homenagem a Cartola


Mas passemos a falar de outros tipos de homenagens, que vão na contramão das que mencionamos até agora. Como alguns sabem, outros não, sou colecionador de camisas de futebol. A recente homenagem do Fluminense a Estação Primeira de Mangueira, com a bela camisa em alusão a Cartola, me motivou a pesquisar outros casos similares na história.


Bangu e o famoso "castor"


Pois bem. A referência mais antiga que liga uniformes de times de futebol a pavilhões de escolas de samba diz respeito ao castorzinho mascote de Bangu e Mocidade. A menção ao saudoso Castor de Andrade, patrono de ambos, é um caso único no futebol brasileiro. Com o time alvirrubro, Castor sagrou-se campeão carioca em 1966 e vice-campeão brasileiro em 1985, na histórica final contra o Coritiba, decidida nos pênaltis. Além disso, ganhou a Taça Rio de 1987. Cansado de ser roubado no futebol, segundo suas próprias palavras, Castor deixou o Bangu em 1988, após o clube disputar a primeira divisão do campeonato brasileiro pela última vez. Emprestou o time quase inteiro para o Botafogo, que quebraria um jejum de vinte e duas temporadas sem título no ano seguinte. Passou a investir somente na Mocidade, com a qual voltou a ser campeão em 1990, 91 e 96, um ano antes de sua morte.


Duque de Caxias estampando o símbolo da Grande Rio


O primeiro registro propriamente dito de um time de futebol fazendo referência a uma escola de samba data da quarta-feira de cinzas de 2011. Naquela ocasião, o Duque de Caxias enfrentou o Vasco em São Januário, que já foi palco do desfile das escolas de samba. O clube da Baixada estampou em sua camisa o emblema da Grande Rio na derrota por 4x2 para o cruzmaltino. A homenagem se deu em solidariedade ao incêndio que acometeu o barracão da escola na Cidade do Samba e a fez desfilar simbolicamente num ano em que tinha tudo para brigar pelo título.


"O Madura pisou no gramado"


Seis anos depois, em 2017, foi a vez do Madureira, vizinho do Império Serrano e da Portela, produzir uniformes em homenagem às duas escolas. A camisa que fazia referência aos setenta anos do Império foi produzida primeiro e chegou a ser utilizada no jogo do tricolor suburbano contra o Flamengo naquele ano. Se a sorte não sorriu para o time, que perdeu por quatro a zero, o fez para a escola da Serrinha, que ganhou o grupo de acesso. Num ano inesquecível para o bairro de Madureira, a Portela sagrou-se campeã do Grupo Especial e também foi agraciada com uma indumentária do clube, do qual Natal e Carlinhos Maracanã já haviam sido dirigentes. Uma curiosidade: Maracanã, que era amigo de Castor, também foi mecenas do Bangu e até hoje tem uma sala com seu nome em Moça Bonita.


Esporte Clube Nova Cidade teve a Beija-Flor como patrocinadora-master


Um caso inusitado de "patrocínio" de escola de samba a um time de futebol se daria dois anos depois, em 2019. O Esporte Clube Nova Cidade, de Nilópolis, jogou a segunda divisão do campeonato carioca de 2019 com um imenso logotipo da Beija-Flor na camisa. Clube de baixo investimento, o alvirrubro buscou se apoiar na vizinha rica e famosa para voltar a seus dias de glória. Em seu melhor momento, o Nova Cidade chegou a disputar a primeira divisão estadual em 1989 e 1990. Apesar de sofrer uma sonora goleada de 8x1 do Flamengo de Zico, Bebeto e Telê Santana no primeiro ano, o time deu trabalho aos outros grandes. Empatou uma vez com o Fluminense (1x1 em 1989) e duas vezes com o Vasco (2x2 em 1989 e 1x1 em 1990), que naquele período conquistou o bicampeonato brasileiro e era chamado de Selevasco.


Time de futebol da Unidos do Alvorada


Passamos agora a falar de outros casos não menos curiosos: escolas de samba que viraram times de futebol. Se buscarmos na história das primeiras, veremos que algumas delas se originaram dos segundos. O caso da Mocidade, oriunda do Independente Futebol Clube, é o mais famoso, mas existem outros. Quem inverteu a lógica pela primeira vez foi a Unidos do Alvorada, de Manaus, que em 2012 deu origem ao Unidos do Alvorada Esporte Clube. O símbolo da escola de samba e do time é o mesmo, diferenciando-se apenas nas datas de fundação. A escola venceu o carnaval manauara uma única vez, em 2014, quando homenageou o lutador José Aldo. O time profissionalizou-se em 2022 e conquistou a segunda divisão amazonense esse ano, batendo o São Raimundo, semifinalista da Copa Conmebol em 1999, nos pênaltis.


Equipe do Império Serrano


Encerramos essa coluna lembrando o caso mais recente, e frustrado, de uma escola de samba que se aventurou nos gramados. O Império Serrano, do qual falamos há pouco, fundou, em 2020, um clube homônimo. Após estrear na Série C, quinta divisão estadual, em 2021, o time de futebol foi semifinalista da competição por duas vezes. Caiu diante do Paduano, time do Exército Brasileiro, naquele ano, e diante do Rio de Janeiro, de Realengo, em 2022. Com o rebaixamento da escola no carnaval de 2023, a breve história do Império Serrano Esporte Clube teve fim.

Talvez as poucas e infrutíferas tentativas de se mesclar futebol e samba sirvam de alerta para o presente do carnaval carioca, quando vemos uma profusão de escolas de samba esportivas nos grupos inferiores. Aqui no Rio essas duas coisas costumam andar numa boa juntas, mas nada bem misturadas.

Cláudio Carvalho
claudioarnoldi@hotmail.com