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E ASSIM SE PASSARAM VINTE ANOS... 5 de março de 2023, nº 64 Os
leitores que me acompanham nesse espaço podem, de início,
estranhar o porquê desse texto ser escrito agora e não em
2020, por exemplo. Ocorre que, como verão a seguir, comecei a
acompanhar in loco o desfile das escolas de samba em 2003, daí o
recorte temporal.
Pois bem. Aquele ano começou com a posse de Luis Inácio Lula da Silva como presidente da republica, assim como viria a acontecer vinte anos depois. Também foi um ano marcado por guerras. Os Estados Unidos de George W. Bush invadiram o Iraque, como segue fazendo a Rússia de Wladimir Putin na Ucrânia. Dias antes do carnaval, na emissora de Roberto Marinho, que faleceria naquele ano, estreava a novela Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos, que bateria recordes de audiência. No dia 1º de março, Vasco e Flamengo decidiam a Taça Guanabara, conquistada pelo cruzmaltino, que levaria o carioca daquele ano. O jogo, marcado pelas inusitadas presenças de Petkovic no time vascaíno e Felipe no rubro-negro, terminou empatado em 1x1, com gols de Wellington Monteiro, pelo Vasco, e Zé Carlos pelo Flamengo.
Naquele dia, um sábado de carnaval, saí do Maracanã com faixa de campeão rumo a Marquês de Sapucaí para assistir a um desfile pela primeira vez. O ingresso, comprado na mão do cambista, me custou trinta reais, algo entre 100 e 150 pratas hoje em dia, se levarmos em conta a inflação dos últimos vinte anos. Na minha inocência, eu acreditava que era só chegar ao Sambódromo na hora do desfile, comprar ingresso e entrar. Se tivesse me informado antes, teria pago um terço desse valor. Levei um tempo até entender que a entrada do Setor 3 era pelo lado do Balança Mas Não Cai, e não do prédio dos Correios. Naquela altura, a São Clemente, primeira escola a desfilar, esquentava ao som de Cidade Maravilhosa, em homenagem ao 438⁰ aniversário do Rio de Janeiro. Quando finalmente consegui entrar, peguei a bateria saindo do recuo. O que senti ali, ao ter meu primeiro contato com uma escola de samba ao vivo na avenida, me marcaria pelas duas décadas seguintes. E me fez pensar, depois do último carnaval, em fazer uma viagem no tempo com cada escola, uma por uma, desde aquele dia até hoje. Vamos falar, portanto, de São Clemente, Vila Isabel, Cubango, Inocentes, Tuiuti, Ponte, Rocinha, Leão de Nova Iguaçu, Boi da Ilha, Estácio, União de Jacarepaguá e União da Ilha, as escolas que desfilaram, nessa ordem, no antigo Grupo A, o acesso carioca naquele ano. Garanto que muitas surpresas nos acompanharão pelo caminho. Partiu? São Clemente - Primeira escola a desfilar e campeã com 10 de ponta a ponta, naquela polêmica apuração marcada por impropérios e frases de efeito, a escola de Botafogo bateu e voltou no Grupo Especial, ao qual retornou em 2008 e 2011. Devido ao incêndio na Cidade do Samba (inaugurada em 2005) não houve rebaixamento naquele ano, o que beneficiou a escola, que permaneceu na divisão principal até 2022, quando homenageou o humorista Paulo Gustavo, recém falecido devido a COVID. Durante esses onze anos, a escola fez belas apresentações, como em 2012, 2015 (homenagem a Fernando Pamplona) e 2019, quando reeditou o samba de 1990. Em 2023, a escola voltou a desfilar no acesso, mas, ao contrário de vinte anos atrás, passou longe da briga pelo título. Vila Isabel - Rebaixada no carnaval temático do ano 2000, a Vila passou quatro temporadas no calvário do grupo de acesso. Em 2003, a escola homenageou o arquiteto Oscar Niemeyer, tendo Jorge Tropical, que durante anos fez dueto com Gera, cantando o samba sozinho, já que seu antigo parceiro estava na Portela. O resultado da apuração deixou o povo de Noel irado, sobretudo o então presidente Evandro Bocão, que desfiou um rosário de palavrões ao ser entrevistado pela repórter da CNT. Frases como "A Vila Isabel não tem nem o que falar" e " Aí vem um filho da puta desse" acabariam rendendo memes na internet contemporânea. No ano seguinte, com o estreante Tinga à frente do carro de som, a Vila homenageou Paraty e retornou ao Grupo Especial, onde conquistou os campeonatos de 2006 e 2013, e bateu na trave outras vezes, firmando-se de vez entre as grandes escolas do carnaval carioca. O susto ficou por conta do desfile de 2014, quando, defendendo o título, a escola se apresentou com várias alas sem fantasia e por pouco não foi rebaixada. No último carnaval, a escola ficou num honroso terceiro lugar, mas poderia, sem nenhum exagero, ter conquistado seu quarto título. Cubango - A escola de Niterói, que em 2003 voltava ao grupo de acesso como campeã do antigo Grupo B, homenageou a Universidade Cândido Mendes e quase caiu de novo. No ano seguinte, alcançou um honroso quinto lugar, e se firmou no grupo até 2008, quando sofreu nova queda. Em 2009, reeditou o samba-enredo Afoxé, com o qual havia se sagrado pentacampeã no carnaval de Niterói trinta anos antes, e subiu junto com a Unidos de Padre Miguel, que já começava a mostrar seu poderio financeiro. Apesar da concorrência da Viradouro entre 2011 e 2018, e da Porto da Pedra, a partir de 2013, a Cubango esteve muito perto de realizar seu sonho de debutar no desfile principal do Rio de Janeiro, quando se sagrou vice-campeã do acesso em 2019, no desfile assinado por Leonardo Bora e Gabriel Haddad. Após o inexplicável rebaixamento de 2022, a escola reeditou esse ano o samba de 2005, mas fez um desfile desastroso na Nova Intendente Magalhães e, por pouco, não foi parar na Série Bronze. Foi salva pela Academicos da Diversidade na última nota do último quesito. Inocentes - Ainda usando o sobrenome "da Baixada", com o objetivo de angariar mais simpatizantes, a escola falou sobre desejos num carnaval onde despontou a figura de Bruno Ribas, que algum tempo depois faria sucesso nas escolas do Grupo Especial do Rio e de São Paulo, sobretudo na Unidos da Tijuca, onde se sagrou campeão em 2010 e 2012. Nesses anos, a Inocentes, novamente "de Belford Roxo", conquistou, respectivamente, o segundo e o primeiro lugar no grupo de acesso, esse último homenageando a cidade sul-mato-grossense de Corumbá. O título foi muito contestado devido ao belo desfile que o Império Serrano fez, em homenagem a Dona Ivone Lara, e pelo fato de Reginaldo Gomes, presidente da Inocentes, ser o homem forte da LESGA, entidade que organizava os desfiles do grupo, e que seria dissolvida no ano seguinte, quando a escola abriu o desfile principal num enredo sobre a Coreia do Sul e acabou rebaixada. Desde então, a Inocentes se consolidou no acesso e obteve boas colocações nos últimos desfiles, como os quartos lugares em 2020 e 2022 e o terceiro lugar esse ano. Tuiuti - Surpresa daquela noite, a escola de São Cristóvão, que havia tido uma passagem relâmpago pelo Grupo Especial dois anos antes, revelou para o mundo do samba e do carnaval ninguém menos do que Paulo Barros. O desfile, em homenagem a Portinari, ficou marcado pela criatividade, sobretudo do abre-alas, cuja coroa, símbolo da escola, era feita de latas de tinta. Rebaixada dois anos depois, a Tuiuti levou um tempo para se firmar novamente no acesso, até subir pro Especial em 2016, ser beneficiada por uma virada de mesa no ano seguinte e, mais uma vez, surpreender a todos com um inédito vice-campeonato em 2018, quando desfilou com o antológico samba-enredo "Meu Deus, meu Deus: está extinta a escravidão?" e acertou na veia na critica social. Desde então, a escola, sempre presidida por Renato Thor, luta para se manter na primeira divisão, o que fez em 2023 com um digno oitavo lugar, a frente de Tijuca, Portela, Mocidade, e da rebaixada Imperio Serrano. Recentemente, a Tuiuti adquiriu um terreno na Avenida Brasil, próximo a Barreira do Vasco e ao Estádio São Januário, onde pretende construir sua nova quadra. Unidos da Ponte - Escola que já vinha mal das pernas, a azul e branca de São João de Meriti foi rebaixada naquele ano. O samba-enredo, que falava sobre a telefonia, trazia uma inusitada homenagem a Eduardo Cunha no CD. Em 2006, a Ponte caiu para o Grupo C, permanecendo na Intendente Magalhães por longos 12 anos, até se sagrar campeã da Série B (terceiro grupo) em 2018 e retornar a Sapucaí no ano seguinte, quando reeditou Oferendas, samba de 1984, o maior de sua história. Desde então, a escola luta para permanecer na Série Ouro. Rocinha - Homenageando o Fluminense, a escola da Zona Sul por pouco não teve destino parecido com o do clube das Laranjeiras, que, cinco anos antes, havia caído para a terceira divisão. Depois disso, o aporte financeiro do empresário Mauricio Matos levou a Rocinha ao Grupo Especial em 2006, mas o forte temporal, que caiu apenas durante o desfile da escola, a trouxe de volta ao acesso. Com a saída do mecenas e a consequente perda de dinheiro, a Flor do Amanhã deixou de fazer desfiles competitivos, e atualmente encontra-se na Série Prata, de onde quase saiu de volta para a Sapucaí em 2022. Leão de Nova Iguaçu - Com enredo sobre a beleza, a escola que já revelou Neguinho da Beija-Flor, Nêgo e Dedé da Portela, apresentou mais um grande intérprete: Pixulé. Rebaixada no ano seguinte, a Leão caiu novamente em 2005 e chegou a desfilar na última divisão do carnaval carioca em 2010, quando homenageou o próprio Neguinho e se sagrou campeã. Um retorno ao desfile principal, por onde passou em 1992, ou mesmo ao acesso e a Sapucaí, seguem como sonhos distantes. Boi da Ilha - Estandarte de Ouro de melhor samba do Grupo A em 2001, o Boi foi rebaixado em 2003 após uma mal-sucedida homenagem à cidade litorânea de Cabo Frio, mas mostrou-se uma escola consistente no antigo Grupo B, que desfilava na terça-feira de carnaval na Sapucaí. Brigas internas e dissidências políticas, no entanto, fizeram com que a escola perdesse o rumo a partir de 2010, e perambulasse por grupos e ligas da Intendente Magalhães, onde se encontra até hoje. Estácio de Sá - Homenageando a cidade fluminense de Cachoeiras de Macacu e sendo premiada com o Troféu Sambanet de melhor comunicação com o público em 2003, a vermelho e branca, que havia sido campeã do Grupo Especial 11 anos antes, caiu para o Grupo B em 2004. Com a chegada de Carlinhos Maracanã, oriundo da Portela, a escola subiu de grupo duas vezes seguidas e retornou ao desfile principal dez anos após sua primeira queda com o nome atual. Com mais uma reedição, a Estácio não conseguiu se manter no grupo. A escola ainda voltou ao Grupo Especial em 2015 e 2019, num patamar similar ao da antiga Unidos de São Carlos: uma instituição grande demais para o acesso, mas ainda sem condições de se firmar na primeira divisão. União de Jacarepaguá - Em seu segundo ano no grupo, a escola fez um desfile digno com o enredo "O do cupim é do capim", sobre o gado de corte brasileiro oriundo da Índia. O samba foi cantado por Rixxa, que permaneceu na escola até 2009, quando ela já estava no Grupo B (caiu em 2005 com o interminável samba sobre Araruama). Após retornar ao grupo de acesso com a adoção do formato atual de dois dias, em 2013, a União caiu no ano seguinte e, devido à disputa entre entidades carnavalescas que organizavam os desfiles da Intendente, esteve perto de enrolar bandeira. Em 2022, porém, voltou a Sapucaí, mas não conseguiu se manter e voltará a desfilar na avenida onde fica sua quadra, e que ela mesma homenageou em 2006. União da Ilha - Escola que encerrou o desfile daquele ano, a Ilha, que havia deixado o desfile principal dois anos antes (pela primeira vez desde que subiu, em 1975) falou de Maria Clara Machado e deixou a avenida com pinta de campeã. Foram necessarios, porém, seis anos para que a escola soltasse esse grito da garganta e voltasse ao Grupo Especial, onde permaneceu de 2010 a 2020, chegando a desfilar no sábado das campeãs em 2014, após um honroso quarto lugar. Mesmo fazendo belos desfiles, a Ilha sequer beliscou o acesso em 2022 e 2023, deixando em seus torcedores uma sensação muito parecida com a de vinte anos atrás. Talvez o golpe mais duro para a escola, no entanto, tenha sido a saída de Ito Melodia, filho do grande Aroldo Melodia, em 2022, após vinte anos ininterruptos à frente do carro de som. A pergunta "como será o amanhã?" voltou a dar o tom pelas bandas insulanas. O que mais nos chama a atenção nesse período é o disparate entre os destinos de agremiações que, há vinte anos, desfilavam no mesmo grupo. Temos desde campeãs do Grupo Especial até escolas que foram parar na última divisão e, por muito pouco, não penduraram as baquetas. Isso porque não falamos de escolas que surgiram no cenário durante o período, como a Renascer de Jacarepaguá, que desfilou no Grupo Especial em 2012 e hoje está na Intendente. As únicas escolas que desfilaram no grupo, com suas diferentes denominações, em 2003 e 2023, foram São Clemente, Inocentes, Ponte, Estácio, União de Jacarepaguá e União da Ilha, alternando-se, como já visto, entre subidas e descidas. Além delas, desfilaram em 2023, as seguintes agremiações: Arranco do Engenho de Dentro, Lins Imperial, Acadêmicos de Vigário Geral, Unidos de Padre Miguel (que já poderia ter subido pelos menos duas vezes), Acadêmicos de Niterói (que herdou a vaga da conterrânea Acadêmicos do Sossego, alguns dizem que é a mesma escola, com outro nome), Unidos de Bangu (que desenrolou bandeira em 2012), Em Cima da Hora, a campeã Porto da Pedra (que voltará ao desfile principal em 2024, após 12 anos) e Império da Tijuca (que em 2003 estava no Grupo B e, dez anos depois, sagrou-se campeã do acesso). O desfile da atual Série Ouro tem sido muito criticado, seja pelo enfadonho formato de dois dias, seja pelos resultados dos últimos anos, sobretudo de 2022, com os rebaixamentos de Cubango e Santa Cruz, que em 2003 estava no Grupo Especial, após vencer uma batalha jurídica contra a Vila no ano anterior para decidir quem iria subir. O que está reservado para os próximos vinte anos, só o tempo irá dizer, e esperamos estar aqui, do alto de nossos 62 anos, para contar. Nos próximos textos, falaremos sobre como estão as 14 escolas que desfilaram no Grupo Especial daquele já saudoso terceiro ano do século XXI, quando o Sambario ainda era um projeto, e nossa rede social era o fórum Espaço Aberto, do site Galeria do Samba. Um abraço e até lá, então.
Cláudio
Carvalho
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