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Coluna do Cláudio Portela

O BERÇO DO SAMBA

Explicação

Antes de começar a adentrar o assunto dessa coluna, acredito ser necessária uma explicação. Há muito vinha pensando em escrever a respeito da origem das escolas de samba, mas sem cair na mesmice. Como fazê-lo? Pesquisei um bocado, e ao que encontrei pude acrescentar experiências vividas por mim ou por pessoas ligadas ao mundo do samba, e principalmente ao G.R.E.S Estácio de Sá, escola que freqüento e na qual tenho amigos como Thiago Daniel (compositor e membro do Dep. Cultural da agremiação), que muito me ajudou na elaboração desse texto. Espero sinceramente que meu objetivo tenha sido atingido, e que os leitores possam conhecer um pouco mais sobre o nascedouro do samba e sobre a vermelho e branco da Rua Salvador de Sá 206, Cidade Nova.

Tudo começou com a Deixa Falar...

Na Pequena África (da Pedra do Sal, no Morro da Conceição, até a Cidade Nova) nasceu a mistura que veio a dar origem ao samba carioca. E esse samba só começou a adquirir os contornos da forma atual ao chegar ao Estácio, Oswaldo Cruz e aos morros para onde foi empurrada a população de baixa renda quando o Rio começou a urbanizar-se. A primeira escola de samba que nasceu no Estácio - portanto no asfalto, não no morro - fez a sua primeira aparição oficial no desfile da Praça Onze em 1929, chamava-se Deixa falar e surgiu como um "ato de malandragem". O Estácio, tradicional bairro de bambas, boêmios e tipos perigosos - o índice de vadiagem na região era grande devido ao excesso de mão de obra e a escassez da oferta de trabalho - situava-se geograficamente perto do morro de São Carlos e também da Praça Onze, o que facilitava a troca cultural. Esses ''bambas'', como eram conhecidos na época os líderes dessa massa de desocupados ou trabalhadores precários, eram, pois, os mais visados no caso de qualquer ação policial. Assim, não é de estranhar que tenha partido de um grupo desses representantes típicos das camadas mais baixas da época - Ismael Silva, Rubens e Alcebíades Barcellos, Sílvio Fernandes, o Brancura, e Edgar Marcelino dos Santos - a idéia de criar uma agremiação carnavalesca capaz de gozar da mesma proteção policial conferida aos ranchos e às chamadas grandes Sociedades, no desfile pela Avenida, na terça-feira gorda.


Ismael Silva

A Deixa Falar, na verdade, nunca foi uma escola de samba, mas sim um bloco carnavalesco (e, mais tarde, um rancho), que, por ter sido fundado pelos sambistas considerados professores do novo tipo de samba (bumbum paticumbum prugurundum), ganhou o título de escola de samba. Além disso, a sede do bloco (Rua do Estácio, 27, quase na esquina da Rua Maia Lacerda) situava-se nas proximidades da escola normal do Largo do Estácio, daí o apelido. O nome da agremiação era uma forma de se impor aos grupos rivais de outros bairros e as cores (vermelho e branco) homenageavam o América Futebol Clube, cuja sede ficava nas proximidades do Estácio.
 
Passou pelo Cada Ano, Paraíso das Morenas, hoje é Estácio de Sá.
   
Em meados dos anos 30, nasceriam mais três escolas de samba no Estácio: a Paraíso das Morenas, a Recreio de São Carlos (antiga Vê Se Pode) e a Cada Ano Sai Melhor. Mas foi só a partir dos anos 50 que as favelas do Estácio (São Carlos, Mineira, Zinco, Larguinho, Querosene, Fogueteiro, Coroa, Turano, Fallet, Prazeres e Escondidinho), juntariam forças definitivamente com a criação da Unidos de São Carlos.


A antiga quadra no morro

A São Carlos nasceu grande, mas não acompanhou a profissionalização das escolas de samba e, aos poucos, foi perdendo força no carnaval carioca. Conhecida como escola iô-iô - caindo seguidas vezes para o segundo e terceiro grupos – mudaria de nome para Estácio de Sá, em 1983. O objetivo da mudança seria novamente unir os moradores das favelas próximas.           


São Carlos em desfile

A partir daí, a agremiação apresentou um crescimento vertiginoso, que veio culminar no título de 1992, o único no Grupo Especial.

Após esse período, porém, começaram os dias difíceis; Problemas financeiros,a perda da quadra para construção do Teleporto e o rebaixamento para o Grupo de Acesso em 1997 foram alguns dos transtornos enfrentados pela Estácio, mas o pior ainda estaria por vir. Nos anos seguintes, a escola realizou desfiles melancólicos no Acesso e esteve a beira de mais uma queda. Em 2002, após a morte do presidente Acyr Pereira Alves, uma nova diretoria tomou posse e as mudanças começaram a surtir efeito no belo desfile de 2003, em que a Estácio homenageou a cidade de Cachoeiras de Macacú. Esse ano, no entanto, a vermelho e branco foi prejudicada pelos jurados e vai desfilar em 2005 no Grupo B, a terceira divisão do samba. A reedição do enredo ''Arte Negra na Legendária Bahia'' promete emocionar toda a comunidade dessa agremiação que, como diz o samba de 2000: ''enverga, mas não quebra''. E para quem pensa que vai ficar por aí, os diretores garantem que haverão surpresas, e das boas. É esperar para ver.


Estácio hoje: Bateria Medalha de Ouro
 
Epílogo

Herdeira daquela que foi considerada pioneira no mundo do samba, a Estácio é uma escola fantástica. Um caso raro (talvez único) de escola que muda de nome, sede (já ensaiou no Morro de São Carlos, São Cristóvão F.R. e até na Av. Marquês de Sapucaí, onde hoje fica o Sambódromo) e de cor (a São Carlos nasceu azul e branca), mas não muda de identidade. Sua história é feita de muita luta, garra e defesa das nossas raízes sócio-culturais. Ir à quadra dessa escola é certeza de se emocionar com uma bateria que parece um coração a pulsar e com uma safra de sambas-enredo que não deixa espaço para que hinos de co-irmãs possam ser cantados nos ensaios. Um programa obrigatório para todo e qualquer cidadão que goste de samba. A Estácio não é escola do Grupo B. Está ali por incompetência ou má intenção de algumas pessoas, provavelmente as mesmas que insistem em dizer que o berço do samba fica em outro lugar. Mas isso não há de ser nada. O leão ferido em sua honra torna-se muito mais assustador. Tá dado o recado!

Um abraço e até a próxima
 

Cláudio Portela

claudioarnoldi@ig.com.br