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Coluna do Cláudio Carvalho

TRISTEZA NÃO TEM FIM, FELICIDADE...

Niterói, sábado. 26 de agosto de 2005. Num dos raros finais de semana em que estou na Cidade Sorriso e resolvo ir a quadra da Viradouro, não sabia que iria presenciar um dos momentos mais tristes da história do samba.

Cheguei ao Barreto por volta das onze horas, e fiquei assistindo um pouco do desfile da escola esse ano, e logo a seguir, o desastre da Portela. Foi bom porque, até então, eu só havia assistido toda aquela confusão ao vivo na avenida, e mesmo assim no Setor 13. Eu não acreditava que os carnavalescos haviam deixado para montar a águia na hora da escola entrar na Sapucaí, e só depois de ver o videoteipe é que pude constatar a dura e patética realidade. A alegação dos ''gênios'' foi a de que utilizariam o espaço destinado a um carro da Viradouro que eventualmente quebrasse, para encaixar as asas no tempo entre a entrada e saída do último componente viradourense no desfile, ou seja, aproximadamente vinte e cinco minutos. Contavam, obviamente, com que nenhuma alegoria da vermelho e branco sofresse avaria, o que, como se sabe, não aconteceu. Jogaram com a sorte, e o espaço foi devidamente ocupado pela alegoria niteroiense que não entrou no Sambódromo, sobrando para a Portela o tempo destinado a concentração da escola para que seu símbolo mor fosse montado. Resultado: deu no que deu. A águia entrou sem asas, a escola desfilou gigantesca e a VG foi impedida de desfilar.

Desgraça pouca é bobagem. O pior daquela noite de sábado ainda estava por vir. O Ciça, que estava numa das barraquinhas próximas a minha, resolveu ir para a quadra. Perguntei a ele: já vai cumpadi? Ao que ele respendeu: já, ta na hora! Marquei mais um tempo, mas logo a seguir fiz o mesmo. O samba começou animado, uns três ou quatro concorrentes se apresentaram, e eu já estava lá pela terceira ou quarta latinha de Brahma (a Viradouro é uma das poucas escolas a comercializar a minha cerveja preferida), quando começou aquele furdúncio no meio da quadra. Era um entra e sai de gente do cacete, uma correria pra lá e pra cá, e eu pensei comigo mesmo: deu merda! Já tinha reparado na roupa da harmonia que a coroa símbolo da escola estava ornamentada com um M de Monassa, e fui juntando uma coisa a outra. Pensei comigo mesmo: o sujeito já devia estar mal, e eles resolveram fazer essa homenagem porque sabiam que ele não ia durar muito. Após o tumulto cessar um pouco, pensei que talvez eu estivesse delirando, e resolvi jogar o restante da minha latinha fora. O locutor oficial da escola anunciou cinco minutos de ''show'' da bateria, e tome de bate cabate, bate cabate, até que novamente ele voltou ao microfone e soltou a bomba: - ''Nessa mesma quadra onde já vivemos muitas alegrias, hoje vivemos uma grande tristeza. Esse é o pior momento da vida de um comunicador. A trajetória da Unidos do Viradouro muda a partir de hoje. Nosso patrono, José Carlos Monassa Bessil, acaba de partir para o andar de cima. Hoje o samba não continua''. Silêncio na quadra, por um minuto. A seguir, choro, gritos, desmaios. Um comboio de táxis adentra a quadra para levar as senhoras que passavam mal ao pronto-socorro. A bateria dá a tradicional rufada, e a seguir, os surdos se calam. Em respeito, bati palmas. Os componentes, um a um, de olhos marejados, vão recolhendo as peças e caminhando na direção do stand da bateria. Era o fim de uma noite de samba. O fim de uma era no carnaval de Niterói. O velho Monassa foi o ló, vitima da uma úlcera gástrica decorrente de complicações do diabetes. O enterro foi ao som de ''Orfeu, o negro do carnaval'', seu samba predileto, cujos versos curiosamente dizem: ''Tristeza não tem fim, felicidade sim''. E será que a felicidade da Viradouro vai ter fim?

A escola, que ao contrário do que muitos pensam, é antiga, nasceu em 1946. O dia oficial de fundação é 24 de junho, mesmo dia em que se comemora a festa de São João Baptista, padroeiro de Niterói. Desde então, o santo também foi adotado pela escola como seu padroeiro. Nossa Senhora Auxiliadora foi adotada como par, porque no bairro de Santa Rosa, ao lado do Viradouro, foi erguida uma basílica, e, em suas proximidades, no Morro do Atalaia, um monumento a Santa. A força da fé na padroeira era tão grande que influenciou nas cores da escola, que antes de se tornar vermelho e branca foi rosa e azul, numa alusão as roupas usadas pela Virgem. As cores só mudaram porque a empresa Matarazzo, de São Paulo, que fabricava o cetim na tonalidade rosa, foi à falência. Faltava apenas um batismo digno, e, para tal, a Portela foi escolhida como madrinha. Isso pode ser verificado no samba ''Na terra de Antônio Maris, só não viu quem não quis'', de 1985, onde a azul e branco de Oswaldo Cruz e sua afilhada de Nilópolis são reverenciadas. A escola sagrou-se campeã do carnaval de Niterói em 49, 50, 52, 53, 56, 57, 58, 59 (tetracampeã), 62, 63, 64 (tricampeã), 71, 73, 74, 80, 81, 82, 83 e 84 (pentacampeã).

O bairro do Viradouro, nascedouro da escola, tem esse nome por causa da antiga linha de bondes que levava passageiros da estação das barcas, na Praça Araribóia, para o bairro de Santa Rosa. Ao chegar em seu ponto final, o bonde tinha que manobrar em trilhos curvos e dar meia volta, até ficar pronto para voltar às barcas pela mesma linha. A localidade só virou bairro em 1986. Hoje, poucas pessoas da comunidade do morro da Estrada da Garganta participam da escola. Muitos não tem sequer o dinheiro da passagem do ônibus para ir até a quadra no Barreto.

86, aliás, foi o ano em que a vermelho e branco desfilou pela última vez em Niterói. No mesmo ano, desfilou como Hours Concours no Rio, por onde já havia passado em 64 e 65. A partir de 87, juntamente com sua co-irmã Cubango, também várias vezes campeã na cidade de Araribóia, começou a participar do concurso carioca, mas não sendo feliz, pois obteve apenas uma quinta colocação no grupo mais inferior. Mas, em 1988, fez um bom desfile, e ao conquistar o segundo lugar, garantiu o direito de subir de grupo. Em 89, apresenta um carnaval de grande efeito, tirando o primeiro lugar. No ano de 90, desfila no Grupo 1, e sagra-se campeã.

Daí em diante, todos conhecem a trajetória desta gloriosa agremiação. O que muitos querem saber é o que vai acontecer daqui pra frente. Alguns dias após a morte de Monassa, Jorge Albano assumiu a presidência da escola, para logo depois entregar o cargo. Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães, presidente da Liga Independente das Escolas de Samba - LIESA, e segundo as más linguas, um dos credores da escola, está organizando o processo eleitoral, e as inscrições para voto já estão abertas. Para isso, basta ter participado ativamente do carnaval da escola.

Apesar de não ter nenhuma raiz na agremiação, e de, em muitos momentos, ter descido a lenha nela, quero me solidarizar a essa comunidade da cidade que faz parte da minha vida, e onde sou sempre bem acolhido. Que a tristeza em Niterói tenha fim, e a felicidade não. E que seus componentes possam encher o peito de orgulho e dizer: na Viradouro, eu levo fé!

Fontes:

- Jornal O FLUMINENSE, 06 e 07 de fevereiro de 2005
- Carnaval, seis milênios de história, de Hiram Araújo
- Site oficial da escola -
www.unidosdoviradouro.com

Cláudio Carvalho

claudioarnoldi@ig.com.br