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Coluna do Cláudio Carvalho

E AGORA, (SÃO) JOSÉ?

Quadra de ensaios Eloy Antero Dias, fevereiro de 1982: um entra e sai sem fim de gente denuncia que algum burburinho está se dando no bairro que respira samba, e que naquele dia vivia um dos momentos mais importantes de sua história. No local onde funcionava o antigo Mercado de Madureira, centenas de pessoas se espremem para reverenciar o grande campeão do carnaval daquele ano, o glorioso GRES Império Serrano, que com seu ‘’Bumbumpaticumbumprugurundum’’ dá um tapa com luva de pelica nas chamadas Super Escolas de Samba S/A, que estavam (e estão) em voga. Ali perto, na quadra da Portela, o movimento não foi tão intenso, mas também houve comemoração pelo vice–campeonato, e pela dobradinha que as duas escolas do bairro onde nasceu o biscoito goiabinha fizeram naquele ano. Era um momento mágico. As co-irmãs, que andavam meio combalidas, voltavam a dar o ar da graça. A Portela havia sido campeã dois anos antes, mas junto com Imperatriz e Beija–Flor. O que seus componentes queriam na verdade era um título nos moldes de 1970 (algo que nunca mais voltou a se repetir). O Império Serrano vinha de um rebaixamento em 78 e de uma última colocação em 1981; e Mestre Fuleiro chegara a dizer em tom profético: é o inicio do fim de uma grande escola. Havia, portanto, um clima de preocupação no ar, mas o resultado do ultimo carnaval servira para lavar a alma de Madureira. No ano seguinte, as escolas quase repetiram a dose, com Portela em 2o e Império em 3o. A capital do samba estava de novo no ‘’pódio’’. Em 1984, mais alegria. As duas co–irmãs dão show no primeiro dia de desfile e abocanham as primeiras colocações. Tudo parecia que ia bem, obrigado, mas é ai que quebra a rocha.

Após o término do carnaval, uma incompatibilidade entre o presidente da Portela, Carlinhos Maracanã, e alguns diretores, dentre eles Nésio do Nascimento, filho de Natal, dá origem ao GRES Portela Tradição, fundado pelo último em Campinho, bairro vizinho. A escola, que foi obrigada pela justiça a mudar de nome, teve ascensão meteórica. Foi campeã dos Grupos II–B e II–A em seus dois primeiros desfiles, e em 1987 sagrou–se vice–campeã do Grupo I–B, chegando ao desfile principal com apenas três anos de vida. Um recorde inigualável até hoje. Como se não bastasse, levou o Estandarte de Ouro de melhor escola logo em sua primeira apresentação entre as grandes. A ducha de água fria viria um ano depois. Penalizada com a perda de pontos por ter exibido imagens religiosas em seu desfile, a escola desceu de grupo e só saiu de lá em 1991, ano em que o Império voltou a cair. No ano seguinte, a escola da Serrinha não subiu, e a Tradição foi novamente rebaixada. Madureira só voltaria a sorrir em 93, quando em mais uma dobradinha, o condor e a coroa imperial falaram mais alto no desfile do Grupo de Acesso.

Àquela altura, a Portela ficara em 10o lugar e já não era mais a mesma, enfraquecida que estava pela perda de espaço na mídia e pela rivalidade com uma escola do mesmo bairro. Uma intempérie parecida com as que a escola enfrentou quando da fundação de Império Serrano e Quilombo, por exemplo. Isso prova que a águia é como fênix: mesmo ferida, renasce das cinzas. E foi o que aconteceu em 1995, com a volta dos filhos pródigos Paulinho da Viola e João Nogueira (autor dos primeiros e históricos hinos da escola de Campinho), a Majestade do Samba. Num desfile memorável, a escola voltou as origens e foi aclamada em coro como a grande campeã daquele ano. Quis o destino (?), porém, que meio ponto nos tirasse um título esperado, naquela época, há onze anos, e hoje, há vinte e um. Aquele ano, para mim, foi um divisor de águas: venceu o desfile tecnicamente perfeito, em detrimento ao resgate de um patrimônio cultural. 1995 fez escola para o mal, e lamentavelmente, isso dura até hoje.

Motivo para comemorar, o bairro que já teve um dos mais tradicionais carnavais de rua do Brasil só viria a ter um ano depois. Num desfile emocionante, que falava sobre desigualdade social e contou com a presença de Betinho, o Império sacudiu a avenida e obteve um honroso 6o lugar. Não foi grande coisa, mas se levarmos em conta que a escola havia ficado na última colocação em 94, havia do que se vangloriar. Em contrapartida, a Tradição, que parecia dar sinais de recuperação e havia alcançado também o 6o lugar (sua melhor colocação até hoje no Especial) dois anos antes, foi novamente desclassificada. Um ano depois, a escola estava de volta, mas ai quem caiu foi o Império. E na Portela, a fila só aumentava...

Até que veio 1998. Um dos anos mais badalados da história do carnaval foi de muitas alegrias na terra do samba. Como em tempos idos, Portela e Império voltavam a ter do que se orgulhar. A primeira, numa apresentação empolgante, alcançou a 4º colocação no Grupo Especial, voltando ao desfile das campeãs pela última vez até agora. No acesso, o Império venceu dando olé.

Mas a festa só durou um ano, pois, em 99, lá estava a escola da Serrinha sendo rebaixada de novo. Depois da tempestade, porém, veio a bonança. Após um pleito pra lá de complicado, foi eleita presidente da escola a enfermeira Neide Coimbra, que começou a escrever uma nova página na história arroz com couve. Já no primeiro ano sob o comando da ‘’Cigana Guerreira’’, o Menino de 47 voltaria a se sagrar campeão do Grupo A. Novamente, e por muito tempo, Madureira voltaria a ter três escolas na elite do samba.

Nos anos que se seguiram, as co–irmãs até fizeram bons desfiles, como a Tradição em 2001 e Império e Portela no ano seguinte, mas nada que chamasse muita atenção. Apenas em 2004 é que o clima esquentou no bairro da Zona Norte do Rio

Naquele ano, foram liberadas as reedições. As escolas poderiam escolher um samba antigo para se apresentarem na avenida, e o trio de ferro não se fez de rogado. A Portela veio de "Lendas e Mistérios da Amazônia" e foi eleita pelo júri popular a melhor escola, como em 2002. O Império, após enfrentar uma guerra de liminares e até o bloqueio da verba destinada ao desfile, devido a brigas políticas, faturou cinco Estandartes de Ouro, dentre eles o de melhor escola. A Tradição não foi tão bem, mas a reedição de ‘’Contos de Areia’’, que deu a Portela seu último título, serviu para reaproximar o pessoal de Campinho e Madureira, pondo fim à briga. Cogitou–se até uma fusão das duas escolas, mas, após a posse de uma nova diretoria na Portela, a idéia esfriou.

E foi justamente esse o estopim de mais uma briga que a maior detentora de títulos na história do carnaval viria a enfrentar. Após a derrota no pleito que elegeu Nilo Mendes Figueiredo presidente, Carlinhos Maracanã se desligou da escola que comandava há décadas e, junto a seu diretor de carnaval Marco Aurélio Fernandes, aportou no Estácio de Sá. Mesmo com as duas escolas em grupos diferentes, criou–se um baita disse-me-disse, uma verdadeira "guerra fria" no samba, mas quem acabou dançando foi a Portela. Num dos desfiles mais melancólicos, se não o mais melancólico de sua história, a escola enfrentou uma série de problemas com seus carros alegóricos e o excesso de contingente. Resultado: a águia desfilou sem asas, e a velha guarda foi impedida de entrar na avenida para não estourar o cronômetro. Os dois maiores símbolos da azul e branco foram atingidos, e a ela só não desceu porque outra escola de Madureira, a Tradição, injustamente pagou o pato. E o Império Serrano, apesar do desfile correto, ficou em 12º lugar.

Acaba que, nesse ano, tivemos um carnaval em que as três escolas de Madureira ficaram com as últimas posições. Madureira chorou, e dessa vez não foi pela perda de um título, mas sim por uma situação vexatória nunca antes imaginada. O bairro que contabiliza 30 títulos no Grupo Especial, cinco títulos no Acesso, um no II–A, outro no II–B e um sem fim de premiações, chorou de vergonha. O lugar onde mais se respiram ares de samba agoniza ano após ano, e o que se pode esperar? Do alto do morro, na capela que leva seu nome e pertence à Paróquia de São Brás, São José, o padroeiro do bairro, assiste preocupado às suas escolas passarem no tempo.

Minha geração, por exemplo, desconhece a grandeza do Império e da Portela. É obvio que vivemos num país de gente alienada, que só vive o momento, mas quem vive de passado é museu, e Madureira não pode virar museu. O povo quer ver a terra do samba voltar a seus dias de glória. A maior prova disso é que mesmo tendo ficado em penúltimo lugar, a Portela foi eleita a ‘’melhor escola’’. Precisa dizer mais o que?

Só que a gente não pode viver de nome. A exemplo do Santos Futebol Clube e da Ferrari, temos de voltar a ser o que éramos. Não podemos deixar que co–irmãs de localidades que nunca tiveram vocação para o samba tomem um lugar que um dia já foi nosso. É preciso, urgentemente, investir no social, e mais do que isso, ter um olhar diferenciado para a juventude do bairro, que sempre teve vocação musical, mas há anos não revela um talento. Precisamos de renovação em nossos quadros, porque sempre fomos referência nesse sentido. Hoje em dia, não dá pra desfilar como há vinte, trinta anos atrás. Vem uma escolinha bem armada, que desfila certinho e passa por cima da gente feito um trator. O que é que há? Não adianta, por exemplo, o Nêgo dizer "Olha aqui, é o Império!", porque o que se viu na avenida esse ano foi um "lango–lango" no abre-alas e uma banheira cheia d’água no meio da avenida. O símbolo maior da escola veio escondidinho, no final do desfile. Pô, fala sério! Menos mal que a nova diretoria  contratou o Paulo Menezes, um belo carnavalesco, que tem a cara da escola. Já a Portela parece que vai montar uma comissão com Amarildo Melo, Ilvamar Magalhães e Mário Borrielo, justamente os três piores colocados do último carnaval. Preocupante... Da Tradição não tenho tido notícias, mas vou torcer para que a escola se recupere, pois como disse, não achei que ela merecia cair. Mas pode ser que esse susto sirva para dar uma sacudida em sua diretoria, que andava meio acomodada.

Enfim, vamos torcer para que o bairro que melhor representa o samba carioca volte às boas, e eu convido a todos para fazerem a sua parte. Na última quinta–feira, dia 16, começaram os ensaios de bateria na quadra do Império, sob o comando de Mestre Átila. A escola também abriu inscrições para seu quadro social, bastando para isso pagar uma pequena quantia de inscrição e mensalidade. A Portela realiza, todo primeiro sábado do mês, uma feijoada em sua quadra. É uma excelente oportunidade de apreciar os dotes culinários das tias e ouvir as jóias raras que são os sambas de terreiro da Velha Guarda. E se você quer vestir a fantasia de uma escola de Madureira sem gastar muito, não custa lembrar que a Tradição vai estar no Grupo A, onde você vai poder sambar no pé à vontade, na maioria das vezes pela metade do preço do Especial. Tá chegando a hora, minha gente, de passar uma borracha no passado. Você pode achar que não está a seu alcance fazer nada, mas o pouco, num momento como esse, já representa muito. Em tempo de guerra, tartaruga é broa.

Pra terminar, gostaria de lembrar uma história do Betinho (ele mesmo) que dizia mais ou menos assim: "Certa vez, houve um incêndio na floresta e todos os animais fugiam, quando o leão passou e viu um bem–te–vi indo e voltando ao lago, para pegar água com o bico e tentar apagar o fogo. Atormentado, o rei dos animais perguntou: -  O que você está fazendo, ficou louco? Acha que vai conseguir apagar esse incêndio sozinho? Ao que o passarinho respondeu: - Sei que jamais vou conseguir isso, mas estou apenas fazendo a minha parte". Tem gente que só em não atrapalhar, já estaria fazendo muito... 

Um abraço e até a próxima!

Cláudio Carvalho

claudioarnoldi@ig.com.br