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Coluna do Cláudio Carvalho

O CULTO AOS DEUSES AFRO-BRASILEIROS NO SAMBA-ENREDO

Olá amigos! Há muito tempo vinha prometendo a mim mesmo escrever a respeito do tema citado acima, mas confesso que não me sentia "preparado para isso". Vou explicar melhor. Eu pretendia fazer um longo trabalho de pesquisa a respeito do tema, mas a pobreza de informações encontradas (as escolas parecem dar cada vez menos valor a espiritualidade) fez com que eu resolvesse deixar temporariamente de lado a minha idéia e lhes brindar com uma coluna que destoa do meu objetivo inicial, mas que eu espero ser interessante. Vamos a ela, portanto.

Começo dizendo que nenhum setor (nem sequer a axé music) tem tanta ligação com os orixás do candomblé como o nosso samba, e isso se explica antropologicamente. Os temas afro são fontes inesgotáveis de belos enredos para as nossas escolas. Se elas resolvessem beber delas com mais freqüência, com certeza iriam lograr maior sucesso do que com os famigerados enredos patrocinados. Determinadas agremiações são pródigas em desenvolver enredos nesses estilo, como, por exemplo, Beija–Flor, Unidos da Tijuca, Salgueiro, Império Serrano. Mais atrás temos União da Ilha, Cubango - com os sambas antológicos de Heraldo Faria e Flavinho Machado - e Unidos do Cabuçu, com os belos hinos do início da década de 80. A religiosidade é um assunto muito sério, tanto é que as escolas têm um cuidado muito grande quando da elaboração de enredos voltados para o tema. Em 1996, com sua "viagem da pintada encantada", a Ilha teve o cuidado de alertar seus componentes para "cuidarem de seus santos" a fim de não terem problemas durante o desfile. Muita gente não levou a sério e entrou em transe em plena avenida. Em 2001, com Agotime, a Beija–Flor teve o cuidado de não colocar médiuns em sua comissão de frente para evitar problemas. Dizem até que o incêndio no carro da Viradouro em 1992 foi obra de forças ocultas.

A seguir, vou apresentar um pouco da história de cada orixá, e sua relação com as escolas de samba e com os hinos compostos por elas em sua homenagem. Confiram:

OKANRAN MEJI

Exu -  É um mensageiro entre o Orum (céu) e o Ayê (terra). Responsável por "abrir caminhos", costuma–se fazer um despacho para ele antes das cerimônias e trabalhos, para que tudo corra bem. É tido como demoníaco por muitos, pois a Igreja Católica ajudou para que sua imagem fosse associada ao diabo cristão, o que, lamentavelmente, foi acolhido pela Umbanda, onde as entidades (exus) recebem nomes assustadores, como Caveira, Sete Catacumbas, etc. Outro equívoco a respeito desse orixá é que ele não bebe cachaça, mas sim bebidas doces (como Martini, por exemplo). Sua área de influencia são os mercados, como o Mercadão de Madureira (que lembra muito os mercados nigerianos) e as encruzilhadas. Suas cores: vermelho e preto. Exu é citado em pelo menos dois sambas que falam sobre a sua influência na prisão de Oxalufã pelos soldados de Xangô: "A visita do Ony de Ifé ao Oba de Oyó" (Cabuçu 83) e "Águas de Oxalá" (Boi da Ilha 2005). Também é citado em outros, como "Oferendas" (Ponte 84), junto aos demais orixás.

EJIOKO MEJI

Ogum – Deus da guerra e da luta, seu símbolo é uma espada de ferro. Suas cores são o azul escuro e o branco. Seu dia é terça–feira. Corresponde a Santo Antônio na Bahia e a São Jorge no Rio de Janeiro. É padroeiro de várias escolas, dentre elas Império Serrano, Beija–Flor, União de Ilha, Porto da Pedra, Grande Rio, etc. "Magia africana no Brasil e seus mistérios" (Tijuca 75) é um dos sambas que cita o orixá, assim como Porto da Pedra 2003, numa das chamadas mais fortes da história recente dos sambas enredo ("Ô sarava meu pai Ogum eu peço axé").

IROSSUN MEJI

Oxossi – Irmão de Ogum e rei de Ketu. Oxossi é deus da caça e das florestas. Seu símbolo é o arco e flecha, e suas cores o verde e amarelo. Seu dia votivo é a quinta–feira e corresponde a São Jorge na Bahia e São Sebastião no Rio de Janeiro. Oxossi é o padroeiro da Portela, juntamente com Oxum, com quem viveu um caso de amor, muito bem retratado em "Fruto do Amor Proibido", sambão da Cubango de 1981, dos tempos em que ainda desfilava em Niterói.

Logum Ede – Esse orixá é justamente o fruto do amor a que se referíamos acima. Sua história também é contada no samba "Logun, pricipe de Efan", que deu o Estandarte de Ouro ao Arranco em 1977. Acredito que seja o padroeiro da Unidos da Tijuca, pois tanto suas cores (azul e amarelo), quanto seu símbolo (pavão), são os mesmos da escola.  

 

Ossãe – É um dos orixás da medicina. Dono das folhas, é o próprio mato. No Brasil, tornou–se famoso pela música "Canto de Ossanha", de Vinícius de Moraes. Suas cores são rosa e verde, as mesmas da Mangueira.

EJILIGIBAN MEJI

Nanã – É o orixá mais velho das águas, das chuvas. Suas cores são azul e branco. Corresponde a Sant’anna, avó de Jesus. Foi citada em vários sambas, como por exemplo, "Oferendas", "Trevas e Luz, a explosão do universo" (Viradouro 97) e "Santos e Pecadores" (Império da Tijuca 83).

ETAOGUNDÁ MEJI

Obaluaê – Também conhecido como Omulu, é o mais temido dos orixás. Comanda a saúde e as doenças. Come milho branco e pipocas. Seu dia é a segunda-feira. Suas cores são vermelho e branco ou vermelho e preto. Corresponde a São Lázaro ou São Roque. É o padroeiro da Cubango. Uma de suas lendas é relatada em "A festa de Olubajé" (Ponte 78).

Oxumarê – É o arco–íris. Sua função é transportar água do mar e dos rios para o palácio de Xangô. Suas cores são o branco e o amarelo, e seu símbolo uma cobra de ferro. Corresponde a São Bartolomeu. Os sambas "Dan, a serpente encantada do arco–íris" (Engenho da Rainha 90) e "Oxumarê, a lenda do arco–íris" (Imperatriz 79) falam desse orixá.

OBARÁ MEJI

Xangô  Grande rival de Ogum, é o Deus do fogo. Sua festa é no dia 30 de setembro (tradicionalmente celebrada no morro da Serrinha, em Madureira). Seu dia é quarta–feira. Suas cores são o vermelho e o branco. O machado é o seu símbolo. Foi marido de três mulheres: Obá, Oxum e Yansã. Corresponde a São Jerônimo e São Pedro. Xangô é o padroeiro do Salgueiro e da Mangueira, que possuem componentes com seu nome, tal qual acontecia com a Estácio. É citado em vários sambas da vermelho e branco da Tijuca, e em outros já relatados acima.

OWRYN MEJI

Yansã – É a divindade dos ventos e das tempestades.Terceira esposa de Xangô, é guerreira e valente. Suas cores são o vermelho e o branco, e seu dia de festa é 4 de dezembro. Corresponde a Santa Bárbara. Clara Nunes era filha de Yansã, e teve seu nome associado ao do orixá no enredo ‘’Contos de Areia’’, que deu a Portela seu último título, em 1984. 

OGBEOGUNDÁ MEJI

Obá – Uma das esposas de Xangô e filha de Yemanjá, é uma figura rara nos candomblés da Bahia. É citada em "A Visita do Oni de Ifé ao Oba de Oyó".

OXÊ MEJI

Oxum – Deusa das águas doces. É filha de Yemanjá com seu irmão Xangô. Nos candomblés, se apresenta com um leque de latão (abebê), em cujo centro há um espelho. Sua cor: amarela. Corresponde a Nossa Senhora da Conceição e é padroeira da Portela, conforme foi dito anteriormente.Também é muito citada em vários dos sambas-enredo mencionados aqui.

OSSÁ MEJI

Yemanjá – É a senhora das águas salgadas. Também conhecida por Rainha do Mar, Princesa de Aiocá, Janaína, Inaê e Oloxum. "Arte negra na legendária Bahia", "A lenda das Sereias" e "Mar baiano em noite de gala", sambas de 1976 de Estácio, Império e Lucas respectivamente, são exemplos do uso desses nomes. Seu dia é 2 de fevereiro. Suas cores são azul e branco e seu dia de semana sábado. Corresponde a Nossa Senhora dos Navegantes.

OFUN MEJI

Oxalufã – É o Oxalá velho, que se apresenta apoiado num bastão (opaxorô). É identificado com o Senhor do Bonfim, e carinhosamente chamado de Papai. É citado em vários sambas, como por exemplo: Mocidade 91, Cabuçu 83, Villa Rica 96, União da Ilha 96, Império da Tijuca 97 e Viradouro 99, só pra ficar nesses.

EJONILÊ MEJI

Oxaguiã – Confunde–se com Deus–menino na Bahia. É alegre, jovem e ágil. Se apresenta com uma espécie de pilão prateado na mão e uma espada na outra. É o meu. 

Existe uma infinidade de bons sambas que não citei, mas se fosse fazê–lo, seria assunto para umas dez colunas no mínimo. Espero que, com essa coluna, tenha contribuído para divulgar um pouco da cultura afro–brasileira. Mesmo não sendo candomblecista (fui criado em centro espírita kardecista e hoje me considero agnóstico), sou admirador da religião dos orixás e me interesso sobretudo pelo aspecto folclórico a ela relacionado. No último conclave, torci por um papa negro, mas desejo a Bento XVI um bom pontificado. Acho que as pessoas devem acreditar na espiritualidade, sobretudo aquelas ligadas a escolas de samba. Vou me despedindo na esperança de que essa coluna represente um alerta contra a mesmice que vem tomando conta dos carnavalescos de hoje em dia. Portanto, fé em Deus e mãos a obra. Um abraço e até a próxima. 

SAIBA MAIS: 

-          Candomblé, a panela do segredo-  Pai Cido Osun Eyin - Mandarin

-          Mitologia dos Orixás -  Reginaldo Prandi -  Cia das Letras

-          Orixás -  Pierre Fatumbi Verger – Corrúpio

 

Cláudio Portela

claudioarnoldi@ig.com.br