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RETROSPECTIVA DO CARNAVAL 2023 – PASSADO, PRESENTE, SAUDADE
Eu sei, já estamos no décimo segundo dia de 2024. O ano mal está
começando. Aliás, um ano muito importante pro carnaval. Comemoraremos 40 anos
da inauguração do Sambódromo, os também 40 anos de fundação da LIESA, os 25
anos de atuação das mídias independentes de carnaval e os 20 anos deste
SAMBARIO, um dos veículos mais antigos em atividade. Mas, sempre é tempo de
passar a limpo o ano que acabou de acabar. Relembrar o que de mais importante
aconteceu. Os campeonatos, as mudanças, coisas boas, outras nem tanto... Enfim,
(a) hora (é essa) de relembrar em detalhes o 2023 carnavalesco. Imperatriz veio contar pra vocês...
Foto: Carlos Fonseca/SAMBARIO Uma história que assombrava e tirou sono mais de mês. No caso, tirou
o sono por 22 anos. Ao entrar na avenida contando as histórias cordelistas sobre
a chegada de Lampião ao céu e ao inferno no enredo “O aperreio do cabra que o
excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”, a
Imperatriz Leopoldinense tinha a certeza que brigaria pela vitória. Mas o
destino lhe foi mais generoso: a verde, branco e dourado venceu a queda de
braço com Viradouro (e um desfile emocionante sobre Rosa Maria Egipcíaca) e
Vila Isabel (e uma deliciosa apresentação sobre as festas) e levou para Ramos e
o Complexo do Alemão seu nono campeonato, tirando da garganta o grito de
vitória e dando ao carnavalesco Leandro Vieira seu terceiro troféu no Grupo
Especial. A Imperatriz obteve 269.8 pontos, contra 269.7 da Viradouro e 269.3
de Vila Isabel – Beija-Flor, Mangueira e Grande Rio fecharam o grupo das seis
primeiras, tirando o Salgueiro (sétimo) do Desfile das Campeãs após 15 anos. Grande decepção do ano, a Portela (de um problemático desfile
sobre seu centenário) ficou com a décima colocação. Seu vizinho próximo, o
Império Serrano, teve sorte pior: rebaixada de volta pra Série Ouro, apesar de
proporcionar uma das grandes imagens do carnaval – a aparição de Arlindo Cruz
no último carro do desfile que o homenageou. A força de Yasuke que derruba jejum
Foto: Wigder Frota O primeiro samurai negro do Japão brilhou na história, no Anhembi
e fez brilhar o sonho da Mocidade Alegre em conquistar seu décimo primeiro título.
Assim aconteceu: depois de nove anos, o grito de campeão voltou a ecoar no
Bairro do Limão. Com uma apresentação correta, a Morada fez os 270 pontos
máximos, superando Mancha Verde e Império de Casa Verde, com 1 décimo a menos
na tabela – Tatuapé e Dragões fecharam o grupo das cinco primeiras. Apesar de uma apresentação elogiada e considerada como candidata
ao caneco, o Águia de Ouro terminou na oitava posição, atrás da Independente
Tricolor – tida como favorita ao descenso. Na dança da tabela, o Rosas de Ouro
quase dançou – décimo segundo lugar. Sobrou para Estrela do Terceiro Milênio
(em seu primeiro desfile na elite) e Vila Maria (após 8 anos) se despedirem do
Grupo Especial. Os acessos Na Sapucaí, a jangada de Júlio Verne conduziu São Gonçalo em águas
vitoriosas. Com o enredo “A Invenção da Amazônia”, a Porto da Pedra conquistou
o título da Série Ouro com 269.7 pontos (dois décimos a mais que a vice-campeã
Unidos de Padre Miguel) e, em 2024, retorna ao desfile do Grupo Especial,
afastado que estava desde o tragicômico iogurte em 2012. Campeã geral da Série
Prata com um enredo sobre três princesas turcas, o Sereno de Campo Grande
retornou à Sapucaí após 10 anos e puxou com ela duas estreantes na avenida
principal dos desfiles: União de Maricá e União do Parque Acari. As três
entraram nas vagas das rebaixadas Lins Imperial e União de Jacarepaguá. Já pelas bandas do Anhembi, a tradição falou mais alto. Fazendo da
reedição de um enredo clássico (“Eu Também Sou Imortal”, de 2005) uma
apresentação considerada arrasadora, o Vai-Vai conquistou o título do Acesso 1
e o retorno à elite do samba com 270 pontos, empatada com a vice-campeã Camisa
Verde e Branco, que também voltou ao Grupo Especial numa subida considerada por
muitos como surpreendente. No Acesso 2, a força de Iemanjá trouxe a vitória
para a Torcida Jovem, que subiu para o segundo grupo junto da vice, Dom Bosco de
Itaquera – ambas entram nos lugares de X-9 Paulistana e Morro da Casa Verde,
rebaixadas. Por essas coincidências do destino, a Jovem – escola oriunda de uma
torcida organizada do Santos – vai disputar a segunda divisão do carnaval no
mesmo ano em que o clube vai disputar a segunda divisão do futebol
brasileiro... Ainda no Acesso 2, a nota triste fica por conta da Leandro de
Itaquera: rebaixada em último lugar para o Especial de Bairros da UESP, o que
significa seu primeiro carnaval fora do Anhembi em toda sua história. Voltando aos trilhos da vitória
Foto: Divulgação Antes do Anhembi e da Sapucaí, a folia tomou conta do Sambão do
Povo. E lá, o leão voltou a rugir mais forte. Homenageando a cidade de
Colatina, a Mocidade Unida da Glória conquistou o título do carnaval capixaba
(com 2 décimos a frente da vice, Jucutuquara), rompendo a seca de vitórias que
durava desde 2018 e retomando a hegemonia interrompida pela Novo Império no
desfile anterior. Novo Império que, aliás, foi a grande decepção do ano: sexto
lugar, a seis décimos do rebaixamento – que ficou com a Andaraí. A Pega no Samba venceu o Grupo A, retornando à elite, enquanto a
Independente de Eucalipto ficou com o título no Grupo B. Outras campeãs pelo país - Unidos dos Morros, campeã do carnaval de Santos pela quarta
vez (bicampeonato consecutivo, já que vencera em 2020, último desfile antes da
paralisação pela pandemia); - Estado Maior da Restinga, campeã do carnaval de Porto
Alegre pela décima vez; - Magnólia Brasil, campeã do carnaval de Niterói pela
segunda vez; - Mocidade Independente de Nova Corumbá, campeã do carnaval
de Corumbá pela quinta vez; - Vilage no Samba, campeã do carnaval de Nova Friburgo pela
vigésima oitava vez (tetra consecutivo); - Deu Chucha na Zebra, campeã do carnaval de Uruguaiana
pela terceira vez; - Unidos do Beco, campeã do carnaval de Cruz Alta pela quarta
vez (geral e consecutiva); - Bole-Bole, campeã do carnaval de Belém pela quinta vez; - União da Ilha da Magia, campeã do carnaval de
Florianópolis pela terceira vez Ciclos que chegaram ao fim... A dança das cadeiras visando 2024 surpreendeu e pôs fim a
casamentos profissionais que pareciam duradouros. Zé Paulo Sierra e Viradouro
encerraram a vitoriosa parceria que durou 9 anos – o intérprete se transferiria
para a Mocidade. No caminho inverso, o diretor de carnaval Marquinho Marino
deixou Padre Miguel (onde estava desde 2017) e se mudou para a Unidos da
Tijuca. Voltando aos cantores: Royce do Cavaco terminou sua segunda passagem
pelo Rosas de Ouro, desde 2017, se mudando para a Vila Maria. Em setembro, Leozinho
Nunes (e todo mundo do samba) foi pego de surpresa com o anúncio, em meio a uma
noite de sábado e por uma rede social, de sua dispensa da São Clemente após 7
anos à frente do microfone principal – o cantor foi contratado pela União do
Parque Acari posteriormente. Mas o fim de ciclo (pelo menos por enquanto) mais sentido foi na
parte artística: dispensados por Tuiuti e Portela, respectivamente, Rosa
Magalhães e Renato Lage não assinarão nenhum desfile em 2024. Dois gênios que
moldaram a festa e a dominaram nos anos 90 terão um período sabático... mas
prometem voltar em breve. Assim esperamos. Os
ciclos chegaram ao fim também na televisão: o
prejuízo
financeiro com a cobertura do carnaval de 2023 fez a Globo cancelar o
“Seleção
do Samba” após dois anos. Na Band, o “Samba
Coração” também não foi renovado
para uma nova temporada. ...e outros que reabriram Como foram os casos de Lucinha Nobre, que retornou à Unidos da
Tijuca após ser dispensada pela Portela, que agora tem Squel Jorgea, que pausou
sua aposentadoria anunciada em 2022. O samba também chorou e se despediu de grandes talentos Em 2023, as cortinas se fecharam para quatro carnavalescos
campeões: Mário Borriello, o criador do inesquecível “Peguei um Ita no
Norte”, campeão com o Salgueiro em 1993 (falecido por uma infecção
generalizada), Mário Monteiro, do não menos inesquecível “Paulicéia
Desvairada”, único título do Estácio de Sá, em 1992 (vítima de um câncer), Max
Lopes, vencedor por Mangueira e Imperatriz (também por câncer) e Roberto
Szaniecki, campeão pelo Gaviões da Fiel em 1999 e duas vezes vice pela
Grande Rio (vítima de complicações do diabetes). Também perdemos o talento do
compositor Hélio Turco (maior vencedor de sambas-enredo na Mangueira), Jorge Lucas (autor de seis sambas no Império Serrano),
do também compositor e intérprete Maurício Maia (que não resistiu a um tumor
no cérebro), do histórico diretor de bateria Mestre Neno (vítima de um
infarto fulminante), da histórica porta-bandeira paulistana Lídia Aparecida
(com passagens marcantes por Peruche e Tom Maior), do ex-mestre-sala e diretor
de harmonia Wanderson Sodré (também por um infarto), do fundador e
presidente da Torcida Jovem Cosmo Damião (problemas decorrentes de um
AVC) e dos passistas mangueirenses Telmo Augusto (lamentavelmente
encontrado sem vida após cair no Rio Joana, na região do Maracanã, durante um
temporal) e Serginho do Pandeiro (que não resistiu a uma parada
cardíaca). Cassius e Bruno, presentes! Cassius Silva e Bruno Malta juntos no Anhembi (Foto: Arquivo
Pessoal Bruno Malta) 2023 foi ainda mais cruel ao tirar de cena duas grandes figuras
que conheci de perto – e aqui peço licença aos leitores por escrever em
primeira pessoa. Foram duas perdas que avançaram ao carnaval e atingiram a
parte pessoal. Que doeram ao coração. E ainda doem. Cassius Silva de Abreu
era aquele brincalhão e bom astral que era um conhecedor nato da cultura
brasileira, da avenida ao bumbódromo. Bruno Malta era aquele mais
contido, um detalhista, por vezes até meio ranzinza (mas só na aparência!), mas
era acima de tudo um apaixonado pelo bom carnaval, ria de nossas brincadeiras e,
sobretudo, era grande incentivador de seus amigos. Com os dois a garantia de
boas risadas e uma ótima conversa, presencialmente ou não. Infelizmente, isso não vai mais acontecer. Cassius faleceu a 11 de julho, em Manaus, por complicações de uma amebíase
que contraiu e foi agravada por uma cardiopatia que o acompanhou durante toda
vida. Dias antes estava em Parintins acompanhando o festival. Deu tempo de ver
o seu (melhor dizendo, o nosso) Boi Caprichoso campeão mais uma vez. Foi a sua última
grande alegria. Bruno nos deixou, inesperadamente, no feriado de 15 de
novembro, num trágico atropelamento na Boulevard 28 de Setembro. Na cidade que
ele mais amava. No bairro que ele mais amava. No melhor momento da vida. E só restam as lembranças e a missão de tocar em frente o legado de
dois talentos que tiveram suas trajetórias abreviadas pelo destino. Dois jovens.
Dois grandes pensadores da cultura brasileira. Mas, acima de tudo, dois amigos
que o carnaval e a vida me deram. Acima de qualquer eventualidade ou ocasião, meu retorno a este
espaço e à mídia carnavalesca será em homenagem a vocês, meus amigos. Assim como todos os trabalhos que farei daqui pra frente. |
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