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Sambando por aí...
  
O CARNAVAL TAMBÉM TEM AS SUAS "CENAS LAMENTÁVEIS" - VERSÃO ATUALIZADA

30 de agosto de 2020, nº 46

Saudações, caríssimos leitores deste Sambario. A coluna de hoje é um tributo ao blog Ouro de Tolo, que recentemente anunciou o encerramento de suas atividades - a ser concluído após o fim da série Histórias do Sambódromo. Como uma forma humilde de homenagear os onze anos de serviços bem prestados a folia - tendo em destaque os Guias do Sambódromo, o Justificando o Injustificável - que inspirou o Dissecando as Justificativas, feito anualmente neste humilde espaço - e a excelente série Sambódromo em Trinta Atos, escrita por Fred Sabino entre 2013 e 2014 (e remodelada anos depois como a já mencionada Histórias do Sambódromo), esta coluna resgata e atualiza uma postagem, originalmente escrito por Pedro Migão e Bruno Malta em 2016, que lista algumas "cenas lamentáveis" em apurações de carnaval ao longo da história. Agradecimentos ao amigo Pedro Migão por autorizar a atualização do texto.

Introdução feita, vamos ao que interessa.

As acusações de armação na apuração do Grupo de Acesso em 1997 (Foto: Reprodução/Acervo O Globo)

Chamam-se de “Cenas Lamentáveis” situações em diversos esportes onde há confusão. Uma troca de sopapos, uma briga generalizada, xingamentos, uma entrada mais forte… Se tornou uma nomenclatura comum para estes casos.

Se o leitor pensa que o carnaval está imune a estas situações, se engana redondamente. As apurações de resultados, tanto no Rio de Janeiro como em São Paulo, são campos férteis para confusões e “Cenas Lamentáveis”. Pancadarias, xingamentos, cadeiras arremessadas, acusações de propinas, notas rasgadas, notas sumidas, ameaças de morte e coisas semelhantes ocorrem com razoável periodicidade na história do carnaval.

Nos últimos anos o Grupo Especial do Rio de Janeiro tem andado “comportado” em termos de confusões, mas o Grupo de Acesso e o Especial de São Paulo tem mantido esta tradição. Já passaram os tempos onde a apuração carioca era realizada dentro do quartel da Polícia Militar por conta das pancadarias ocorridas entre dirigentes e especialmente entre torcidas.

O objetivo é lembrar algumas destas confusões ocorridas em apurações de resultado. E já temos aqui farto material de análise.

 

1960 – A Pancadaria de Natal

 

A apuração dos quesitos havia proclamado a Portela tetracampeã do carnaval, com 100 pontos contra 95 do Salgueiro, vice campeão. Entretanto, nas apurações de penalidades o Salgueiro seria declarado campeão originalmente.

Natal protestou e apanhou da Polícia, gerando uma grande confusão e a suspensão da contagem dos pontos. No dia seguinte ele deu a sugestão que acabaria aceita, de declarar campeãs as cinco primeiras colocadas. A década de 60, aliás, foi pródiga em pancadarias entre torcidas durante apurações.

 

1988 Mangueira x Vila Isabel

 

No ano anterior o insólito título da Mangueira havia gerado bastante animosidade entre as torcidas. Em 1988, as duas escolas disputaram ponto a ponto o título. O resultado? Pancadaria generalizada entre as torcidas.

 

1989 – A apuração que não terminou

 

Esta vem do carnaval de São Paulo. Camisa Verde e Branco e Unidos do Peruche disputavam o título ponto a ponto até que o presidente do Camisa pura e simplesmente pegou as notas restantes e levou para casa. Como o Camisa estava na frente, foi declarado campeão.

 

1993 – Divisão suspeita?

 

A apuração paulista de 93, a princípio, ocorreu sem problemas. O que pouca gente sabe, porém, é de uma confusão gigantesca que aconteceu horas antes da apuração. Essa história só se tornou pública em 2010, quando o locutor oficial da apuração, Zulu, a revelou no programa "No Mundo do Samba". Nessa época, Zulu era coordenador da Liga e as notas eram recolhidas por um outro membro, que levava as notas para casa, montava uma tabela com os resultados e devolvia tudo no dia da apuração.

Tudo ia muito bem até horas antes do início da divulgação das notas, quando Zulu, já preparado para a leitura, recebeu a informação de que já tinha um pessoal da imprensa com o resultado final na mão. As diretorias armaram uma verdadeira quizumba e, sem dar maiores detalhes, Zulu, que sempre foi ligado ao Camisa, disse que a história – o empate entre Camisa e Vai-Vai – “não foi bem assim” e que a Saracura só se sagrou campeã porque a Presidente Magali optou por dividir o título. Ou seja: o Camisa teria, ao menos segundo Zulu, terminado à frente da preta e branca. De todo modo, a Liga aprendeu a lição e, a partir de 1994, passou a guardar as cédulas no Batalhão da ROTA.

 

 

1994 – Pancadaria e troféu quebrado

 

Revoltado com a sequência de notas 9 que o Salgueiro estava recebendo, o presidente Paulo César Mangano invadiu a mesa apuradora para tirar satisfações com o presidente da Liga, Paulo de Almeida. Saldo: o troféu foi quebrado.

Mangano acusou a Liga de armação e afirmou que a entidade "colocou jurados comprados pela Caprichosos e outras escolas amigas do presidente"

Dirigentes de Mangueira, igualmente descontentes, também se envolveram em confusão durante a leitura das notas.

 

1997 – Bolinha Fria?

 

Acesso do Rio. Tradição, São Clemente e Caprichosos de Pilares acabaram empatadas com 178 pontos e somente duas subiriam. A Tradição foi declarada campeã mesmo com bateria e baianas desfilando sem fantasia. Foi realizado um sorteio para definir a segunda promovida e o pessoal da São Clemente até hoje jura que houve “bolinha fria” no sorteio.

Obviamente, acabou em confusão. A São Clemente foi a Justiça para garantir presença no Desfile das Campeãs, e conseguiu. Mas quando acionou o jurídico para tentar uma vaga no Grupo Especial, foi derrotada. Ao menos, o destino foi generoso: no ano seguinte, a aurinegra conseguiu o acesso.

 

1997 – X9 em todos os sentidos

 

Então Presidente da LigaSP, Laurentino Marques, o Lauro, era também o Presidente da X-9 e o encarregado da leitura das notas. Durante a apuração, ele por algumas vezes se esqueceu de dizer os nomes dos jurados, o que levou a uma série de suspeitas sobre possíveis fraudes nas notas. A apuração foi paralisada algumas vezes por conta dos incessantes protestos vindos dos diretores – que, à época, não ficavam em mesas como atualmente, mas sim em bancos de madeira, um ao lado do outro – e da gritaria nas arquibancadas.

O vídeo abaixo é indispensável, e épico. Algumas declarações como as que estão transcritas abaixo do então presidente da Vai Vai, o falecido Sólon Tadeu:

“- O último carro da X-9 atropelou os garis! Porra, quebrou a harmonia. Deram três 10! A fantasia deles veio com índio amarelo, índio verde e índio cor de rosa, não tava dentro do enredo. E a comissão de frente ‘prágio’ (sic) da União da Ilha. Mas tudo bem, deixa esse safado comigo que ele tá fora da Liga.

– Solón, e agora o que você vai fazer?

– Primeira coisa que eu vou fazer é dar uns tapas na cara dele pra ele deixar de ser pilantra”.

 

 

2001 – Gaviões e novamente Solón

 

A torcida da Gaviões da Fiel armou um quiproquó danado na apuração. Ao final da divulgação das notas, torcedores atiraram paus e pedras em alegorias de outras escolas e entraram em confronto com a Polícia. Outros espancaram um cinegrafista da Band. O Presidente da Vai-Vai, Solón Tadeu, acusou os membros da Fiel Torcida de invadirem seu barracão. O próprio Solón protagonizou um momento ímpar na história das apurações. No meio da leitura das notas, discutiu com um jornalista da TV Cultura. Rodeado por fotógrafos e outros repórteres, bradava: “Isso é uma festa! Quem tá querendo guerra aqui, agora? Quem tá querendo guerra pra você me fazer uma pergunta dessas? Ô, meu irmão, eu tô cheio de mulher lá! Você é irresponsável!”

Solón chegou a ir para cima do “adversário”, mas foi contido por quem estava por ali. Enquanto a briga rolava, as notas eram lidas normalmente ao fundo.

 

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2005 – Solón pede música no Fantástico

 

Ao final da apuração, o Presidente da Vai-Vai, Solón Tadeu, se dirigiu à grade onde ficavam representantes da Liga. Exasperado, ele, ao lado do filho, disse palavras duras aos dirigentes. De repente, um enorme quebra-pau se instalou. Sobrou porrada para tudo quanto é lado. Gente de tudo quanto é escola entrou no meio e, por pouco, nada mais grave ocorreu.

As duas versões: uma diz que o filho de Solón empurrou um segurança e ali se deu toda a confusão. A outra, diz que o segurança agrediu o filho de Solón e dali surgiu o quebra-pau.

Em meio ao quebra-pau do pós-apuração, chamaram uma vez mais a atenção as declarações do Presidente da Vai-Vai, Solón Tadeu Pereira. Irritado com a suposta agressão que sofreu do segurança da Liga, ele disse que, graças ao segurança em questão, seria capaz de “explodir o Anhembi”. Ele, aliás, cumpriu a promessa da escola não se apresentar no Desfile das Campeãs por considerar o resultado uma fraude.

 

 

2003 – 35 mil doletas (?) e uma saraivada de palavrões

 

O vídeo é um dos mais lembrados da bolha carnavalesca. Revoltados com a São Clemente tirando notas 10 de todos os jurados, os presidentes da Vila Isabel (Evandro Bocão) e da União da Ilha (Jorge Gazele, o Peixinho) soltaram o verbo em rede nacional.

Bocão: “Não, a Vila Isabel não tem nem o que falar, ô. Bota um Carnaval desse na Avenida, um gasto danado, pra ele já ter escola que ganha antes e com uma porra duma fantasia daquela tá ganhando de mim. Eu vou fazer o que? Isso é o Presidente da Associação. Por isso que não tem credibilidade porra nenhuma, prefeito não dá aumento porra nenhuma, com um filho da puta desse ladrão aí. Carnaval tá na merda que tá: por causa de um ladrão filho da puta desses aí”.

Peixinho: “Isso aí é um roubo, é uma sacanagem. Todo mundo já sabia que a São Clemente ia ser campeã. São Clemente tá melhor que a Beija-Flor, 10 em tudo! E todo mundo viu a São Clemente desfilar… Agora, culpada disso é a Liesa, que tem que intervir. Todo mundo sabe da idoneidade da Liesa, tem que intervir, que o Walter, é o último ano dele, tá enchendo o rabo de dinheiro, a verdade é essa, tá levando o dinheiro de todo mundo. Fizemos Carnaval pra ganhar, foi o melhor Carnaval da Avenida (sem desfazer das corimãs). Agora chega aqui: 10; 9.9; 10; 9.9. Isso é sacanagem, pô. Um ano de trabalho”

Índio, diretor de carnaval da Vila: “O que tá havendo? Deveria perguntar ao Walter e essa cachorrada que julga o Grupo de Acesso. Isso é uma pouca vergonha! Ano passado fomos garfados e esse ano não foi diferente. O Grupo de Acesso deveria terminar, ou então a Liga assumir esse grupo.”

 

Walter no caso é Walter Teixeira, presidente da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro a época. No vídeo, o presidente da São Clemente ainda tripudia das outras escolas. Nunca se provou documentalmente, mas o que se fala desde a época no meio (jamais desmentido, bom que se diga) é que a São Clemente teria pago 35 mil dólares pela ascensão ao Grupo Especial.

 

Aliás, não foi o primeiro acesso polêmico deste milênio. Nem o último…

 

 

2006 – o vendedor da Nestlé enxotado

 

Após uma apuração onde a Grande Rio quase se sagrou campeã, os vendedores de picolé da Nestlé – que patrocinava a agremiação – que trabalhavam na Praça da Apoteose foram enxotados por outros presidentes. Com direito a um comentário feito por um deles: “- Agora só tomo Kibon”

Por que será? Até hoje não se sabe o que motivou a reação.

 

2006 – Cadeiras Voando (Parte I)

 

Inconformado com o resultado e por ter recebido apenas quatro notas 10, o Presidente da Gaviões, que parou a apuração em diversas oportunidades (não foi o único, o Presidente Betinho, da Nenê, chegou a arremessar cadeiras em direção à mesa de apuração), afirmou que a escola deixaria o Carnaval.

Não cumpriu a promessa.

 

2008 – Um Caso de Polícia e uma Pancadaria

 

Acesso B do Rio de Janeiro. A Unidos de Padre Miguel, apontada como a melhor escola do ano no grupo, ficou apenas em terceiro lugar em uma apuração que foi caso de Polícia.

Revoltada, a torcida da escola desceu baixando o pau no que visse pela frente, em uma pancadaria de proporções razoáveis. Aliás, a agremiação de Padre Miguel tem uma coleção considerável de “garfos” nos seus últimos desfiles – suficientes para formar um aparelho de jantar…

 

2010 – “Polícia pra quem precisa”

 

Mais uma vez a Unidos de Padre Miguel, desta vez no Acesso A. Revoltada com o rebaixamento, a torcida da escola começou a jogar pedras, cadeiras e tudo o que estivesse à mão na mesa apuradora. A Polícia foi chamada para conter os ânimos e em resposta os torcedores começaram a gritar:

“- Polícia pra quem precisa! Polícia pra quem precisa!” (referindo-se aos julgadores e dirigentes);

“- Prende o Reginaldo!” (em alusão ao presidente da LESGA Reginaldo Gomes, entidade que organizava os desfiles à época, de triste memória);

A propósito, a quadra da campeã São Clemente estava fechada naquela oportunidade…

 

 

2010 – Cadeiras Voando (Parte II)

 

Integrantes da Gaviões, que já não estavam muito satisfeitos, perderam de vez a paciência com as notas no quesito Enredo. Entre diretores e torcedores, voaram em direção à mesa de apuração copos, chinelos e cadeiras. Ao fim da leitura das notas, os componentes invadiram a Marginal Tietê e assustaram quem por ali passava de carro.

 

 

2011 – Copia e cola das justificativas

 

Outra vez o Grupo de Acesso do Rio, mas aí as "cenas" foram bem depois da apuração: investigação do Ministério Público descobriu que quatorze (!) cadernos de julgamento estavam com a letra idêntica.

Óbviamente, não deu em nada. No ano seguinte a coisa seria um pouco pior.

 

2012 – Notas Rasgadas e Cadeiras Voando

 

Nessa teve de tudo: notas rasgadas, cadeiras voando, troféus derrubados, pescoção em repórter, carros incendiados – e o inesquecível episódio da “clorofila” após uma troca de jurados não comunicada aos presidentes das escolas paulistas.

O vídeo abaixo dispensa maiores comentários.

 

 

2016 – Deu até prisão

Novamente São Paulo. A apuração foi realizada no Palácio de Convenções do Anhembi, já que as chuvas do domingo de carnaval danificaram o toldo do camarote do Sambódromo onde costumeiramente as notas são lidas. Integrantes de algumas escolas - entre elas a Vila Maria - já estavam exaltados com as notas baixas em Evolução, mas a coisa azedou de vez quando o jurado Nilton de Oliveira, de Harmonia, não atribuiu nota para a Dragões da Real. Instalou-se uma confusão generalizada. Um segurança da Vila Maria acabou detido.

 

 

Como os leitores podem perceber, este artigo fica longe de esgotar o tema. Vamos aguardar o que irá acontecer nos próximos carnavais. Afinal, que a paz reine entre os homens de boa vontade…


Carlos Fonseca
Twitter: @eucarlosfonseca
Apresentador do Carnaval Show na Rádio Show do Esporte todas às quartas-feiras às 20h
www.radioshowdoesporte.com.br