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CIDADE DO SAMBA 2 - SONHO DAS RENEGADAS 10 de agosto de 2018, nº 06 Uma certa vez, não faz tanto tempo assim, a Renascer de Jacarepaguá citou um verso em tom interrogativo em seu samba de enredo: quantos sonhos guarda o velho cais? Para as escolas da Série A, o principal deles é ter um lugar para construir seu carnaval em paz, sem qualquer tipo de dor de cabeça. Ao longo da história, lamentavelmente, não tem sido assim. O carnaval do segundo grupo ganhou a alcunha de desfiles feitos "na raça" desde os tempos em que era comandado pela Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ). Contudo, os poucos fachos de esperança para que um dia suas estrelas possam construir o espetáculo em condições dignas viraram uma pura ilusão. Uma dessas esperanças é a Cidade do Samba 2, prometida desde o início da década pelo poder público e o foco deste texto. O objetivo aqui, como o leitor verá em seguida, é tentar fazer uma linha cronológica de todo este pardieiro em torno da construção da tão almejada Cidade do Samba 2 que parece que nunca terá um final feliz.
Começamos esta história em outubro de 2011. Mediante ação judicial, algumas escolas dos grupos inferiores foram despejadas do antigo espaço localizado no Santo Cristo apelidado de "Carandiru" devido às condições rigorosamente insalubres do galpão. Lá estavam agremiações dos então chamados grupos de acesso A, B e C além de algumas escolas mirins e o terreno seria desapropriado visando obras do Porto Maravilha. Na matéria publicada pelo site Galeria do Samba na época, a Justiça, que já havia dado no dia 27 de junho (de 2011), ganho de causa ao Governo Federal, que era dono do espaço e ordenado a reintegração de posse, resolveu não acatar o pedido de prorrogação do prazo solicitado pelas agremiações deixem o terreno". Ou seja, as escolas deveriam deixar o espaço até 22 de outubro de 2011. A LESGA, então gestora dos desfiles, tentou uma negociação, mas sem sucesso. Cabe mencionar que em julho daquele ano, Viradouro, Cubango e Santa Cruz já haviam deixado o local pelo mesmo motivo. Janeiro de 2012. Em
visita aos barracões da Cidade do Samba na Gamboa, o então prefeito e atual candidato
a governador Eduardo Paes destacou a procura por um novo espaço para as
escolas do acesso. Palavras dele: "A prioridade, nesse momento, é
encontrar um espaço para a Cidade do Samba 2 porque, com as obras da região
portuária, muitas escolas aproveitavam esses espaços abandonados para se
instalar aqui. Já tivemos problemas esse ano e vamos ter mais ainda. Isso é uma
prioridade". Parecia que a coisa viria a fluir, já que em agosto
(registra-se, em meio a campanha eleitoral da qual seria reeleito ao comando da
cidade) Paes definiu o local em que as agremiações construiriam seus desfiles:
a antiga fábriga de sabão português (UFE), na Avenida Brasil, importante via do
Rio de Janeiro. O projeto, contudo, não foi a frente. Avançando no tempo,
paramos em fevereiro de 2014, exatamente a 1 mês do carnaval. Matéria do
jornal O Dia afirma que a prefeitura estaria analisando três terrenos
público para, enfim, construir a Cidade do Samba 2. Um deles seria a antiga
Escola de Veterinária do Exército, na Quinta da Boa Vista. A Lierj (que
substituiu a LESGA em meados de 2012, devido as suspeitas no resultado daquele
ano) recusou por considerar que o local não seria viável, pois, na argumento do
então presidente da entidade, Déo Pessoa, “As escolas não conseguiriam
transportar os carros alegóricos até a Sapucaí”. Ele, aliás, demonstrou
confiança na promessa do poder público: “Nos dar esse espaço é um
compromisso dele com o Carnaval do Rio e uma questão de dignidade para as
escolas”. Mais uma vez, ficou só na promessa. Para citar um pequenino
exemplo: a Viradouro, que viria a ser campeã da Série A no mesmo 2014, perdeu
seu barracão na Zona Portuária devido as já citadas obras do Porto Maravilha,
e, depois algum tempo ao relento, se abrigou no antigo barracão da Mangueira. Janeiro de 2016. Em entrevista a veículos de imprensa, Eduardo Paes admite que o projeto da Cidade do Samba 2 ficaria para a próxima gestão municipal. Na campanha eleitoral daquele ano, o deputado federal Pedro Paulo, então candidato da situação a prefeitura, prometeu a Cidade do Samba 2 caso fosse eleito. Não foi nem ao segundo turno. E com a vitória de Marcelo Crivella e os constantes ataques a cultura popular da cidade quando o mesmo assumiu, o projeto ficou cada vez mais distante.
2018. Na segunda-feira
seguinte ao carnaval, Alegria da Zona Sul, Unidos de Bangu, Inocentes de
Belford Roxo, Santa Cruz e Sossego foram despejadas junto a escolas mirins
em operação feita pela Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto
do Rio de Janeiro (Cdurp) que, a época, alegou em nota que "após
diversas tentativas de desocupação negociada, obteve a imissão na posse por
meio judicial. (...) Seguindo recomendação da Defesa Civil, a estrutura será
demolida". Não bastasse a sequência
de ordens de despejo ao longo dos anos, o azar foi companheiro das escolas do
segundo grupo. Em 2017, a Renascer de Jacarepaguá sofreu dois incêndios em seu
barracão, localizado na Leopoldina, atrás da quadra da Unidos da Tijuca. Este
ano, em maio, parte do espaço que pertence ao Império da Tijuca e que
atualmente abriga Unidos da Ponte e Lins Imperial sofreu incêndio de danos
pouco menores em relação a coirmã de Jacarepaguá - a azul e branca de Meriti
perdeu uma das alegorias, além de esculturas soltas e parte da estrutura do
barracão. Recentemente, a Porto da
Pedra foi mais uma vítima. No dia 24 de julho, o barracão da escola, no
Santo Cristo, pegou fogo por volta de 1h da manhã. Pelos relatos do
presidente Fábio Montibelo e do carnavalesco Jaime Cezário na ocasião, o
incêndio teria sido criminoso (nada comprovado até o fechamento do texto) pois
testemunhas haviam visto um homem jogar um coquetel molotov no local. Antes do
ocorrido já existia um mandado judicial para tirar a agremiação gonçalense do
local - ordem que acabou cumprida mesmo com a catástrofe. Na questão de estrutura,
cito um trecho de artigo escrito por Pedro Migão no renomado Ouro de Tolo em
2011 (!): "As primeiras (escolas do Grupo Especial) recebem
régia subvenção do Governo do Estado e da Prefeitura, tem uma Cidade do Samba –
construída com dinheiro público para uso particular, é bom que se diga – e seus
pleitos são atendidos de forma muito mais rápida. As escolas do Acesso possuem
uma subvenção exponencialmente menor, não tem espaços dignos para a preparação
de seus espetáculos e suas demandas sempre estão no final da fila. (...) Não há
por parte do Poder Público uma consciência de que as escolas dos Grupos de
Acesso também são importantes para o carnaval e dependem até mais do Estado,
por não terem a mesma visibilidade e capacidade de atração de recursos." Como o leitor deva
imaginar, nada mudou. Diante desta imensidão de
promessas, as escolas da Série A fazem seus carnavais em condições que beiram o
desumano, vide relato de 2015 do carnavalesco Jorge Caribé ao site Tudo de
Samba: "O barracão é uma merda. (...) Ficamos aqui numa merda, num
calor, numa sujeira, cada ratazana que parecem meus gatos e querem exigir
espetáculo à altura do Grupo Especial, já que passa na TV Globo. Mas eles
prometem que vão fazer cidade do samba na Mangueira, não sei onde, e a gente
vive neste inferno. Só olhar, parece bom mas não é. Tem terra, não tem um piso
adequado, não temos sala, banheiro, não tem nada e mesmo assim pensamos que bom
que não estamos no relento. Todas as dificuldades estão as mesmas ou piores mas
eles querem carros lindos lá e eles comentam. Acho que quem comenta carnaval
não conhece, não deve ir, não sei. E ficam dizendo que está ali um negócio
rasgado, mofado. Só o vento e o sol acabam com tudo, até porque o material já é
velho, a gente já pega de outras escolas. O material novo vende no mesmo lugar
do especial e o preço é o mesmo, fazenda de trinta reais o metro e não temos
grana para isso". Outros carnavalescos contaram sobre como é fazer carnaval na Série A em péssimas estruturas nesta reportagem de 2017 feita pelo Mais Carnaval. Ha poucos dias, a LIERJ
emitiu uma nota (que pode ser vista aqui)
sobre os assuntos expondo justamente. Uma das escolas com barracão lacrado, a
Santa Cruz é a única que não divulgou tema para o próximo carnaval. Zezo,
presidente da verde e branca, afirmou, em entrevista a este colunista para o
programa Carnaval Show durante a Carnavália Sambacon, que não divulgará nada
enquanto a questão da estrutura não fosse resolvido. Sendo bem enfático: "como
que eu vou lançar enredo se eu não tenho nem barracão pra ficar?". Confira
abaixo, a partir de 1h28. Dias após a nota acima, a
diretoria da entidade protocolou na Riotur o pedido de cessão de um terreno na
Avenida Brasil, ao lado da antiga fábrica do Sabão Português, um dos locais
pleiteados no passado, para que se construa em caráter de urgência a Cidade do
Samba para as agremiações do acesso. Num primeiro cenário, apenas as cinco
escolas sem barracão (Alegria da Zona Sul, Inocentes de Belford Roxo,
Acadêmicos de Santa Cruz e Sossego) ficariam no local, mas, segundo Renato
Thor, presidente da LIERJ e também comandante da Paraíso do Tuiuti, as outras
escolas não enfrentariam problemas para dividir o espaço. Porém, mesmo com todo
esforço da LIERJ, a Prefeitura do Rio negou a utilização do espaço. Diante do revés, a Riotur
prometeu verificar a disponibilidade de outro terreno, desta vez na Avenida
Presidente Vargas. Embora tenha ciência da gravidade do problema, porém, não
foi dado um prazo para o caso ser solucionado definitivamente, conforme nota da
LIERJ publicada na última quarta feira. Como será o amanhã desta
história? Não se sabe. E dificilmente iremos saber. Se o sonho sempre vem pra
quem sonhar, nossas renegadas estrelas do espetáculo contuarão sonhando com uma
Cidade do Samba toda sua. Mas, enquanto o distante sonho continua preso num
papel machê, citando a famosa canção de João Bosco, a base do carnaval continua
ao Deus dará... (Fotos: O Globo e site Carnavalesco) Carlos Fonseca
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