Os sambas de São Paulo 2023 por Cláudio Carvalho
Os sambas de São Paulo 2023 por Cláudio Carvalho
As avaliações e notas referidas apresentam
critérios
distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados
aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile
Mancha Verde: Após
se sagrar bicampeã com um belo samba, a Mancha decepciona nesta
obra, um compilado de frases feitas sobre o Nordeste, onde nem as
referências a Luar do Sertão e Mulher Rendeira se
sobressaem. A melodia também não empolga. Importante
dizer, no entanto, que, por ser um samba "chiclete" (desses que grudam
no ouvido), pode surpreender na avenida. Trecho de destaque: Coração do nordestino bate no peito da gente. Nota: 9.7
Mocidade Alegre: Atual
vice-campeã, a tricolor do bairro do Limão aposta na
história do samurai de origem africana Yasuke para reconquistar
o título que não vem há quase 10 anos. Igor
Sorriso manda bem (mais uma vez) no dueto com Rappin' Hood. Samba bom e
funcional que, todavia, se mantém numa "zona de conforto"
poética e melódica diante do enredo, que pedia algo mais.
Trecho de destaque: Pode ter fé que todo preto pode ser o que quiser. Nota: 9.8
Imperio da Casa Verde: Quem
ouve a faixa de 2023 da ICV desavisadamente, pensa que se trata de um
samba da Vila Isabel. E bem que poderia ser, sobretudo esse ano, quando
a escola de Noel decepcionou, ou em 2017, quando teve enredo similar.
Os versos de André Diniz e parceiros na voz de Tinga deram
origem a um dos melhores, se não o melhor samba da safra de
São Paulo. Trecho de destaque: No transe nasce o fruto, e no rito o batuque é infinito. Acompanha um novo ser. Nota: 10
Tom Maior: Após
repetir sua melhor colocação no Grupo Especial em 2022, o
mesmo quarto lugar de 2018, quando homenageou a co-irmã carioca
Imperatriz Leopoldinense e perdeu no desempate para a Acadêmicos
do Tatuapé, a escola do Sumaré parece disposta a
alçar voos maiores. Para isso, dispõe de um bom samba
afro, que foge ao padrão "lista de orixás" e se encaixa
perfeitamente na voz de Gilsinho. Como portelense, devo dizer que
fiquei com uma pontinha de inveja ao ouvir a faixa, já que minha
escola optou por um samba de gosto duvidoso justamente no ano de seu
centenário. Trecho de destaque: Lya,
Nossa Senhora, tens a minha devoção. E nesse adurá
em procissão, pra sempre lembrarei de quem eu sou. Nota: 9.9
Vila Maria: Uma das mais
antigas e tradicionais escolas de São Paulo, apesar de nunca ter
sido campeã, a Vila Maria tem se mantido nas primeiras
colocações nos últimos anos. Para 2023, a escola
traz um enredo no qual se propõe a contar sua própria
história. História que, diga-se de passagem, passa um
pouco a largo diante do excesso de frases motivacionais e palavras de
ordem contidas na letra. Trecho de destaque: A fé nos guia, Senhora Maria. A proteção vem da nossa padroeira. Divina luz na Candelária clareia. Nota: 9.7
Águia de Ouro: O
samba da escola da Pompéia segue a mesma linha do hino da Vila
Maria: excesso de frases feitas, que o fazem parecer um texto de
auto-ajuda. Além disso, conta pouco do enredo, que, segundo o
carnavalesco, parte da pergunta: o que te leva ao céu? Destaque
positivo para a melodia em maior, que pode fazer o samba funcionar na
avenida. Trecho de destaque: Águia guerreira, teu samba é imortal. Assim como os bambas. Faço do céu o nosso carnaval. Nota: 9.7
Dragões da Real: O
grande mérito do samba da escola é sua melodia, cujas
variações passeiam ao longo da letra, que, por sua vez,
consegue ser criativa num enredo CEP. De negativo, apenas, algumas
frases clichê e a repetição da expressão
"isso aqui". Trecho de destaque: Nego viver outros amores. Na bandeira nossas cores e sonhos de carnaval. Nota: 9.9
Gaviões da Fiel: Mais
uma vez, a "torcida que samba" aposta num samba em menor, de letra e
melodia um tanto quanto sóbrias. Dessa vez, o tom é de
prece, enquanto no ano anterior era de protesto. Um sinal de otimismo
por tempos melhores para o país e para a escola que, assim como
a torcida, nunca deixou de se posicionar politicamente. Trecho de destaque: Em nome do pai, eu canto. Amém, meu coração corinthiano. Nota: 9.8
Rosas de Ouro: Pelo segundo
ano consecutivo, a Roseira traz um dos melhores sambas da safra. Um
samba que já nasce clássico, e que remete a outro da
galeria dos imortais de São Paulo, que também versava
sobre a diáspora africana: Mutuo Mundo Kitoko, cantado pela
Camisa Verde e Branco em 1982. Trecho de destaque: A Brasilândia vem mostrar no seu carnaval. Um mundo novo de igualdade racial. Nota: 10
Barroca Zona Sul: Se em 2022
a verde e rosa tinha um dos melhores, se não o melhor samba do
grupo, esse ano, ela mantém o sarrafo lá em cima, com
essa obra consistente e necessária em tempos de descuido e
descaso criminosos para com os povos originários. Tempos que,
esperamos, estejam sepultados para sempre. Nunca é demais
ressaltar a grande fase de Pixulé, que só teve a chance
de cantar no Grupo Especial do Rio em 2013, com a Império da
Tijuca (chegou a ser anunciado junto com Gilsinho na Portela, em 2005,
mas não permaneceu até o carnaval do ano seguinte). Trecho de destaque: Dono da Terra é falange guaicuru. Barroca é resistência por um novo amanhã. Nota: 9.9
Tucuruvi: Escola que tem
prezado por enredos que resgatam a essência do samba de raiz, a
Tucuruvi acerta em cheio na irreverente e envolvente homenagem ao
grande Bezerra da Silva. Samba que resume bem a vida e obra do
homenageado, sem cair na tentação de se transformar numa
colcha de retalhos de suas músicas. Uma das faixas mais gostosas
de se ouvir na safra. Trecho de destaque: E
o samba é na lata da nata que fere o Brasil. Tem gente de terno
e gravata matando mais que fuzil. Um monte de dedos de seta, canalhas
que a pátria pariu. Nota: 9.9
Tatuapé: Após o
susto de 2022 (teve sérios problemas em seu desfile e lutou
até o fim da apuração contra o rebaixamento), a
escola da Zona Leste aposta as fichas de sua redenção na
cidade fluminense de Paraty, roteiro comum a muitos paulistas e
paulistanos. O samba, que se destaca mais pela letra do que pela
melodia, tem novamente a participação da querida Leci
Brandão, madrinha da escola. Trecho de destaque: O mar, ô, o mar. Onde canta a sereia (Odoyá). Emoldura a beleza. Paraty, um poema de amor. Nota: 9.8
Estrela do Terceiro Milênio: Debutante
no Grupo Especial, essa jovem escola, que vem numa curva ascendente
impressionante, aposta num enredo que fala em sorrir após tempos
tão sombrios. O dueto Grazzi Brasil e Bruno Ribas dá voz
a um samba leve, que se não chega a ocupar a primeira prateleira
da safra, também está longe de ser uma
decepção. Trecho de destaque: A estrela que brilha mais forte no céu é o Grajaú pra conquistar o seu sorriso. Nota: 9.8
Independente Tricolor: Vice-campeã
do grupo de acesso, a escola da Vila Guilherme chega ao desfile
principal com um samba que não empolga, e que, em alguns
trechos, remete à canções de torcidas organizadas
(a Independente é uma das escolas de samba desportivas do
carnaval de São Paulo, importante lembrar). Ressaltamos que a
crítica aqui não diz respeito ao cancioneiro das
torcidas, e sim a uma possível perda da essência do
gênero samba-enredo. Este, curiosamente, é assinado por um
dos seus mestres. Autor, como já mencionado, de um dos melhores
hinos da safra. Trecho de destaque: É mais que uma lenda imortal que o poeta eternizou. Vou bordar meu carnaval numa história de amor. Nota: 9.7