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Os sambas de São Paulo 2023 por Carlos Fonseca

Os sambas do Grupo Especial São Paulo 2023 por Carlos Fonseca

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

A GRAVAÇÃO: Pelo segundo ano consecutivo as escolas fizeram gravações independentes para compor o álbum triplo, o que resultou num festival de equívocos. Em algumas faixas os áudios são mal cuidados, com nítida falta de masterização e sonoridade opaca, com falta de graves e maior capricho na finalização - felizmente a maioria teve um cuidado de fazer um trabalho bem produzido. Se no ano passado o recurso era entendível pelo contexto do quase pós-pandemia, a repetição do “cada um faz o seu” mostrou-se um expediente completamente dispensável para depois de 2023.

A safra é regular, com Rosas de Ouro e Império de Casa Verde tendo as melhores obras da temporada com uma boa vantagem, seguidas por Tom Maior, Mocidade Alegre, Tucuruvi e Gaviões no segundo pelotão. 

1 – MANCHA VERDE - "Hoje meu samba vai no passo do xaxado".

O cartão-de-visitas do disco é bem mediano. O samba destaca mais o Nordeste num todo do que o xaxado em si, dando apenas uma sublinhada sobre as origens do ritmo vindas da época de Lampião. A melodia até é boa, mas a letra tem muitas limitações. Uma passagem a se destacar é o trecho “Vem violeiro, num repente ajeitado / Tô "arretado", a zabumba tá chamando / "Não há oh gente ó não" / Coisa melhor do que cantar o meu sertão” na segunda estrofe. Até que a gravação tenta melhorar o samba dentro do possível, mas sem sucesso. - NOTA: 9.7

2 – MOCIDADE ALEGRE 
- "Trago na pele a força pra vencer".

A supreendente junção deu um bom resultado, descrevendo bem a história do samurai negro Yasuke aliando passagens descritivas e de explosão. Seus melhores momentos estão no refrão central “Mandou banhar, escorreu beleza / A verdade da cor, a natureza / É preta sua armadura / Tem na alma bravura / Ninguém segura!” e no trecho final “Em cada jovem o sonho brilha / A sua luz renascerá / Pode ter fé / Que todo preto pode ser o que quiser!”. Só acho que o samba merecia uma gravação muito melhor. - NOTA: 9.9

3 – IMPÉRIO DE CASA VERDE 
- "O batuque é infinito, acompanha o novo ser".

Sambaço. De ponta a ponta. Curto, objetivo, envolvente, refrães empolgantes, fácil de assimilar, leve de ouvir. Difícil dizer qual é o melhor momento do samba, se é a primeira (“Mete a mão nesse tambor meu guardião batuqueiro / Salve as griots e o rei tigre guerreiro / Cada pancada no couro / É resistência, oração / Esquece o banzo e o suor da escravidão”) ou a segunda (“Povo entregue ao reagEe lá no Maranhão / Ao timbau que ferve São Salvador / Madureira é charme em frente à estação / São Paulo, o funk também abalou”). Dos cem por cento inéditos, é – disparadamente – o melhor. - NOTA: 10

4 – TOM MAIOR -
"Pra sempre lembrarei de quem eu sou".

Mais um bom samba que a escola do Sumaré apresenta. Tem uma linha melódica toda densa e a história das mães pretas ancestrais é bem contada na letra. Tem um refrão principal forte (O “Oduduá... Oduduá...” é vibrante) mas seu melhor momento é o trecho final, a partir do “Iya... se hoje me coloco aos teus pés / É porque também sou Geledés / Em teus braços reconheço o teu amor”. Está entre os cinco, seis melhores da safra. - NOTA: 9.9

5 – VILA MARIA -
"Muito mais do que um caso de amor".

Até é um bom samba, ligeiramente melhor do que a escola apresentou em anos passados, mas para enredos que fazem auto-exaltação é claro que não podia faltar versos-chave como “Respeite a nossa história / São anos de glórias pra contar”. Fora isso, a segunda estrofe, com menções a carnavais clássicos da agremiação, é muito interessante e vale um destaque positivo. - NOTA: 9.7

6 – ÁGUIA DE OURO
- "É na Pompéia que o céu é mais bonito".

A impressão que fica é que trata-se de um samba que serviria pra qualquer enredo. Melodia animadinha, um amontado de frases clichês, colcha de retalhos, refrão que termina com uma exaltação pomposa à escola... Um checklist cumprido à risca. Evidente que o complexo tema não facilitou em nada aos compositores, mas não custava tentar caprichar um pouco mais. - NOTA: 9.5

7 – DRAGÕES DA REAL 
- "Arreia o canto pra João Pessoa".

É mais uma obra que segue o estilo que a Dragões está acostumada a apresentar nos últimos anos: estrofes mais descritivas e refrães mais pra cima. A homenagem a capital paraibana (enredo que Jorge Freitas já fizera na Vila Isabel em 1999) até que tem sacadas interessantes como “Négo viver outros amores / Na bandeira nossas cores / E sonhos de carnaval / Nesse zum zum zum maneiro / De janeiro a janeiro / Alegria é geral!” na primeira estrofe. Atual protagonista da novela das nove, Lucy Alves participa da faixa interpretando “Porta do Sol” na introdução. - NOTA: 9.8

8 – GAVIÕES DA FIEL 
- "Nessa corrente eu sou mais um".

A Torcida Que Samba parece ter reencontrado o caminho dos bons sambas. Este, sobre as religiões, tem uma cabeça muito forte (“Obatalá mandou avisar / Quando tudo passar vai ter procissão”) e refrães (sobretudo o principal “Sou mais um fiel abençoado / É alvinegro meu manto sagrado”) tem uma força que remete muito a sambas antigos dos Gaviões. Destaque também ao bis final “Nos braços do criador / Era Cristo ou Oxalá?”. - NOTA: 9.9

9 – ROSAS DE OURO 
- "O banzo é saudade".

Para cantar Kindala, a Roseira recorreu a um samba do passado. Ao reaproveitar e adaptar a obra derrotada para a disputa de 2006 (o enredo era “A Diáspora Africana, um crime contra a raça humana”), a azul e rosa traz de volta ao Anhembi um estilo de samba arrojado muito presente na época de sua composição. Afinal, são de um achado imenso versos como “África! / Chegou a hora da verdade / De devolver a paz que o mundo te roubou” e “Mas apesar do valor / A majestade virou rei da pobreza, tristeza / E a gente tem que repensar e acreditar na união / É um dever, um reconhecimento / E a Rosas de Ouro te pede perdão”. Não é exagero dizer que o melhor samba do carnaval de 2023 em São Paulo foi composto em meados de 2005. - NOTA: 10

10 – BARROCA ZONA SUL 
– "Auê, auê, Guaicuru chama pra guerra".

A Faculdade do Samba optou por uma linha densa pra contar a história da tribo dos Guaicurus. É um samba trabalhado em tom menor e mais descritivo, sem tantos trechos de destaque. Gosto muito do começo da primeira estrofe “Anoiteceu! No verde que abriga minha aldeia / Lamento ao esplendor da Lua cheia / Raiou! A maldade do carcará / Desperta a fúria Mbayá” que é imponente. É um bom samba, embora fique abaixo dos anteriores apresentados pela verde e rosa. - NOTA: 9.8

11 – TUCURUVI 
- "A voz do Bezerra é nossa voz".

Samba com a altura e a irreverência do homenageado, numa linha melódica bem gingada e letra que descreve muito bem a história, sem cair na mesmice de citações e interligando ao cotidiano que Bezerra cantava em suas canções. O trecho final “Tem gente de terno e gravata matando mais que fuzil / Um monte de dedos de seta, canalhas que a pátria pariu / Alô, malandragem, otário não entra aqui / Na Tucuruvi, na Tucuruvi / Sapeca iaiá faz o povo sorrir / Vai, Tucuruvi, vai, Tucuruvi” é muito bom. Um samba que o velho malandro Bezerra assinaria e aprovaria. - NOTA: 9.9

12 - TATUAPÉ 
- "Patrimônio mundial, orgulho da nação". 

Se a paradisíaca Paraty rendeu um grande samba para a Vila Isabel dezoito anos atrás no Rio, o mesmo infelizmente não pode ser dito para a Tatuapé – ainda que deva render no desfile pela competente harmonia que a escola possui. Os compositores optaram pelo caminho daquele checklist tradicional de enredos cep: as origens, os invasores, as belezas naturais da cidade, pontos turísticos e por aí vai. Os refrães são até bons, apesar de que o “É para ti...” do principal seja um teste a paciência do ouvinte. - NOTA: 9.6

13 – ESTRELA DO TERCEIRO MILÊNIO 
- "Bravo! É tempo de sorrir". 

O samba que marca a estreia da coruja no Grupo Especial é até simpático, bem balanceado melodicamente, porém é mediano e aquém do que se esperava para o tema sobre a comédia. A premissa da letra ser em primeira pessoa é interessante, os refrães são bons, mas as estrofes são descritivas até dizer chega. Aliás, o refrão central é terminado com os versos “Driblei a censura, dei fim ao segredo / Pra esperança vencer o medo” que também pode ser interpretado como uma menção indireta a atual situação do país. - NOTA: 9.7

14 – INDEPENDENTE TRICOLOR 
- "Além do infinito, defender você". 

Que samba complicado. A ideia de misturar as batalhas de tróia com a vida real gerou uma obra de melodia quase reta (e com muitas notas altas) aliada a uma letra com imensas limitações de narrativa – os refrães até cumprem bem a função de empolgar. Em termos musicais, a missão tricolor de abrir os desfiles em sua volta à elite promete ser tão árdua como as batalhas descritas no enredo. - NOTA: 9.2