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Os sambas de 2023 por Marco Maciel

Os sambas de 2023 por Marco Maciel

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

A GRAVAÇÃO DO CD - Se a qualidade da gravação melhorou um pouco com relação a 2022, os registros no estúdio continuam frios. Você sente falta daquela energia dos coros na época da Cidade do Samba, que proporcionava mais emoção. A bateria parece padrão, tais quais as bases sempre usadas em sambas concorrentes. Uma particularidade do álbum para 2023 é o "diálogo" do intérprete com o coro do estúdio. Ou seja, o cantor oficial canta alguns versos e o coral "responde" entoando outros. Enfim, o disco pode melhorar muito mais para os próximos anos. Quanto à safra, confesso que já fui mais pessimista quanto ao resultado final. Mas, excetuando uma ou outra escolha equivocada, as opções das agremiações foram corretas, dentro do esperado, proporcionando um conjunto de sambas satisfatório. 

Mangueira sai na frente como o melhor samba da temporada na elite do Carnaval, seguido de perto por Tuiuti e Império Serrano. Num segundo patamar, se colocam Beija-Flor, Viradouro, Unidos da Tijuca e Imperatriz. Na terceira prateleira, aparecem Grande Rio e Mocidade. Numa penúltima, Portela, com Vila Isabel e Salgueiro sendo os mais fracos do ano. A partir deste ano, passarei a utilizar notas maiores para qualificar as obras. NOTA DA GRAVAÇÃO: 9,0.

1 - GRANDE RIO - O samba não é tão arrebatador quanto os dois últimos da Tricolor de Duque de Caxias. Mas a faixa que abre o CD, com a Grande Rio tendo a honra de ser a encarregada da abertura pela primeira vez, revela uma obra muito simpática, que tem como carro-chefe um grudento refrão que serve como cartão-de-visitas (bem mais forte que o principal, por sinal). Portanto, o hino em homenagem a Zeca Pagodinho vai ser eternamente citado como o da "quitandinha de Erê". No passeio narrado pela letra em busca do "sumido" Zeca, é uma das referências à religiosidade, já que a quitanda de Erê, no candomblé, teria relações com a infância do sambista, relacionadas à Ibejadas de Cosme e Damião. E a canção "Seu Balancê", mencionada no refrão, faz citações à religião afro-brasileira.

Aliás, a intenção da sinopse e, consequentemente, da letra é uma procura pelo sambista por locais característicos, pelos quais sempre "levanta o copo para o povo brasileiro", como diz o bem-humorado verso no final do samba. Afinal, a inspiração é a canção "Zeca, cadê você?", composta pelo próprio Zeca e por Jorge Aragão, de onde foi tirada a cabeça "Ô Zeca tu tá morando ond'é?". Então, ao ouvir o samba, você acaba fazendo um passeio da Zona Norte do Rio até a Baixada Fluminense . Assim, se depara com seu sincretismo ao "botar a cerva na encruzilhada", a devoção por São Jorge Guerreiro, seu amor pela Portela, até encontrar o sambista em seu quintal, no famoso sítio em Xerém, em Duque de Caxias, casa da Grande Rio. 

É um samba bem mais leve com relação aos anteriores, que consagraram a agremiação em sua louvável virada de chave que proporcionaria o inédito título de abril. A faixa mostra um Evandro Malandro cantando como nunca, além do reforço da inconfundível gaita do maestro Rildo Hora, da participação do próprio Zeca Pagodinho ao longo da gravação e com poucas diferenças em relação à estrutura da faixa concorrente. Diferentemente de 2020 e 2022, não está entre os melhores do ano, mas abre o CD com muito alto astral. NOTA: 9,8.

2 - BEIJA-FLOR - A Deusa da Passarela segue sua linha de sambas de protesto, de alto grau de contestação, lançando um olhar crítico sobre o bicentenário da Independência. Então, numa onda de histórias e personagens nem tão conhecidos sendo apresentados ao público como vem ocorrendo nos últimos carnavais, os 200 anos são celebrados pelos nilopolitanos, mas focando outro acontecimento: o da expulsão das tropas portuguesas da Bahia e a declaração da Independência do estado, na contramão do resto do país. Assim, o 2 de julho de 1823 marca a recepção gloriosa do povo de Salvador aos soldados maltrapilhos triunfantes na luta contra a opressão. E a letra procura traçar relações de 200 anos atrás com os dias atuais, marcados pela derrota de Jair Bolsonaro para Lula, este um homem mais relacionado com o verdadeiro povo vitorioso. Portanto, a cabeça do samba sintetiza o livro de história "sendo rasgado", pois narra que "o povo fez história e a escola não contou". 

Aliás, o fortíssimo verso "a revolução começa agora" que abre o samba da Beija-Flor é entoado um pouco depois do marcante complemento do grito de guerra de Neguinho. Se em 2003, o já veterano intérprete celebrava a primeira vitória de Lula com os brados "agora sim, o povo está feliz" e "a esperança venceu o medo", exatamente 20 anos depois, o novo triunfo do petista aliado ao teor do enredo motivam um "agora sim, é o povo no poder". A melodia do samba segue a linha da intensa valentia, no tom de clamor, característico da escola desde 1998, salvo algumas exceções. Ou seja, a Beija-Flor promete rasgar o chão com mais uma crítica fortíssima e colocando o dedo nas feridas, causando uma sensação de "déjà vu". Além de se referir à reconhecida Independência de D. Pedro I como uma "demagogia em setembro", a escola manda aquela indireta para o ainda presidente da República, através do verso "ordem é o 'mito' do descaso". Os refrães estão entre os muitos pontos altos do samba, apresentando o interessante efeito do "eh eh eh eh" no do meio e o recurso do estribilho ("deixa Nilópolis cantar") que antecede o principal, algo que sempre aprecio. 

Neguinho ganha a parceria da funkeira Ludmilla na faixa, uma das mais aclamadas cantoras do cenário brasileiro atual, como uma forma de furar a bolha carnavalesca. Afinal, a grande popularidade da artista, uma das mais renomadas do país no momento, é importante para levar o samba-enredo e suas escolas para outros públicos. Ainda assim, você estranha um pouco a entrada brusca da cantora na faixa, ainda na reta final da primeira passada, poucos versos antes dos refrães finais. Mas Ludmilla manda bem no registro, num bom resultado para uma marinheira de primeira viagem no gênero, honrando a grande responsabilidade em dividir a faixa da Beija-Flor com Neguinho e seus quase 50 anos de escola. Desde 1976, o lendário intérprete só havia dividido os microfones no disco oficial do Carnaval com Belo, em 1999. NOTA: 9,9

3 - VIRADOURO - Para contar a história da mais antiga escritora negra do país, a Viradouro aposta num samba dolente e poético para exaltar Rosa Maria Egipcíaca da Vera Cruz. Em mais um enredo em que apresentará para o público uma personalidade outrora esquecida pelos livros de história, Zé Paulo Sierra valoriza cada verso da obra pesada, proporcionando a melhor interpretação do disco. A melancolia que rege a melodia do samba é fiel a todo o sofrimento pela qual passou a menina arrancada da África no século XVIII para ser meretriz desde jovem no Brasil. Assim, um tom menor prolifera na primeira parte, até chegar num refrão do meio mais gingado, que aborda as crenças da futura escritora. Aliás, a letra é bastante fiel à sinopse. A segunda parte revela ótimas variações, para cantar a redenção da Rosa do Rio de Janeiro. E termina num ótimo refrão principal que aposta na mudança do derradeiro verso na última virada (recurso do qual não aprecio).

É um samba-enredo que carrega a beleza em sua tristeza, para valorizar as interpretações conhecidas de Zé Paulo Sierra. Inclusive, é um hino que parece feito sob medida para sua voz. Conforme disse Felipe Filósofo na live em que Zé Paulo participou no SAMBARIO em 2021, o intérprete da Viradouro é a típica personificação de um cantor-ator. E o brilhantismo de sua performance já é flagrante na gravação do CD. Por fim, ao contrário do CD de 2022, quando quase todos os mestres de bateria foram citados pelos cantores, apenas Ciça ganha uma menção com o já consagrado grito de guerra de Zé Paulo. NOTA: 9,9.

4 - VILA ISABEL - A sinopse assinada por Paulo Barros no formato lista de compras não ajudou os compositores da Vila. O carnavalesco optou por ordenar uma série de citações no texto, com a ausência de um fio condutor para falar das festas que ocorrem pelo Brasil afora. Assim, a dificuldade ficou evidente na safra da azul-e-branco, que chegou a mandar voltar os sambas em sua disputa. Nem os multicampeões André Diniz e Martinho foram bem-sucedidos nesta temporada. 

Então, o samba vitorioso para 2023 era considerado o "menos pior" da disputa. No entanto, é um dos mais limitados do Grupo Especial. Ainda assim, recebeu um registro simpático para o CD oficial, com boa atuação de Tinga. O eficiente refrão principal é de longe o melhor trecho da obra. Mas a qualidade para por aí. A melodia é apenas correta, com clichês de letra, trechos de canções de Martinho no meio e pobreza poética em muitos versos. Mas é compreensível por conta da difícil sinopse de Paulo Barros, que complicou a tarefa dos poetas da Vila. Além disso, a qualidade ruim dos sambas nas eliminatórias provou que a escola continua como refém do talento de André Diniz ou até mesmo dos recentes hinos bissextos de Martinho. Quando um destes não assina ou coloca a sua marca no resultado final da música da Vila Isabel, transparece uma agremiação perdida.

Como fator positivo da faixa os constantes diálogos de Tinga com o coral do disco. Muitas vezes se nota o intérprete entoando os versos e deixando a sequência para o coro, em especial no refrão principal. Aliás, este recurso é notado em várias faixas no álbum desta temporada. O que torna a faixa gostosinha de escutar, apesar das limitações técnicas da obra. NOTA: 9,6.

5 - PORTELA - O bicentenário da Águia acontecerá daqui a 100 anos. Quem sabe nesta oportunidade, a Portela não apresentará um samba digno da data redonda. No tão esperado enredo do centenário, em que a azul-e-branco é a primeira escola de samba a chegar lá, ficou a expectativa para conhecermos qual seria o samba-enredo que embalaria uma data tão especial e única na história portelense. E, infelizmente, o hino campeão ficou devendo. Aliás, num todo, a safra da Portela para 2023 ficou abaixo, para quem esperava alguma obra-prima para a história da Águia para cantar os 100 anos. Evidentemente, havia sambas melhores na disputa. Inclusive, os outros dois finalistas eram bem superiores ao vencedor.

Mas falemos do samba-enredo que terá a honra de embalar o centenário da Portela. Cantado em primeira pessoa, com o eu-lírico sendo Paulo Benjamin de Oliveira, a opção foi por uma obra repleta de aspas, cheia de citações a sambas clássicos, que aparecem à exaustão no falso refrão central. Inclusive, é o trecho mais interessante do samba. Já os demais não chamam atenção, com um refrão principal retilíneo e apagado, e duas partes que não emocionam em nenhum momento.

Como destaque, a atuação de Gilsinho, que vive o melhor momento na carreira, e faz o samba ser gostoso de ouvir no CD, apesar dos problemas. E a participação no fim da faixa de Tia Surica marca a primeira aparição da grande baluarte portelense em discos recentes de samba-enredo. Consta que ela participou dos coros dos primeiros álbuns dos gênero, os Festivais lançados no fim dos anos 60. NOTA: 9,7.

6 - SALGUEIRO - Infelizmente, o pior samba do ano. A Academia não para de amargar escolhas de samba problemáticas nos últimos Carnavais. E a safra, de fato, não era das melhores. Afinal, o Salgueiro passou pelo mesmo problema da Vila Isabel: uma sinopse confusa assinada por seu carnavalesco. Edson Pereira acabou misturando no enredo delírios, pecados de Adão e Eva com uma homenagem a Joãosinho Trinta, em que a ideia central não fica clara em nenhum momento. 

Cabeça da parceria, Moisés Santiago voltou a vencer um samba no Salgueiro depois do "Tambor" que embalou o último título em 2009. Apesar da melodia ser pouco inspirada, a maior virtude está na letra, que de alguma forma busca simplificar a salada feita por Edson Pereira em seu delírio vermelho. Então, na primeira parte, despontam os principais elementos do texto do carnavalesco, para na segunda a poesia se assemelhar a várias de clamor popular vigentes nos desfiles. Inclusive, não se estranharia se a letra da segunda fosse utilizada também no enredo anterior salgueirense "Resistência". 

Já o conjunto melódico, pobre num todo, acaba significando um retrocesso no Salgueiro. Infelizmente, o samba nos remete à nada saudosa época da busca pelo Ita perdido que assolou a discografia da Academia do Samba durante parte dos anos 90 e toda a primeira década dos 2000. As melodias estendidas do "basta" e "chega" já foram ouvidas diversas vezes no Anhembi, por exemplo. Enfim, fica como ponto positivo na faixa a homenagem prestada por Emerson Dias a Quinho, que se recupera de um câncer e não desfilará no carro de som nesta temporada. Mas nem o animado Emerson salva o samba da audição monótona no CD. NOTA: 9,5.

7 - MANGUEIRA- A obra despontou desde o lançamento dos concorrentes da Mangueira como a grande favorita da disputa verde-e-rosa, com a vitória confirmada de ponta-a-ponta. Foi o único samba-enredo que, na primeira audição de toda uma safra de 2023, cravei: "é esse". É um samba vibrante, repleto de pontos fortes, em que a voz de Margareth Menezes, recém-nomeada ministra da Cultura do novo governo Lula, se encaixou e recebeu grande identificação. Tanto que a renomada cantora baiana foi convidada para participar da gravação do CD oficial, da qual tem uma excelente atuação. Aliás, a mixagem do disco deixou as vozes de Marquinho Art Samba e do estreante Dowglas Diniz tão bem sincronizadas que você até tem dificuldade para diferenciar a dupla, mesmo que ambos tenham timbres diferentes.

Sobre a obra que exalta a africanidade da Bahia e a força exercida pela mulher, a fortíssima melodia busca sempre fugir do lugar comum, através de variações criativas que enriquecem o produto final. A cabeça fechada pelo "sou eu Mangueira, a flecha da evolução" marca o ápice da valentia, sendo um excelente cartão-de-visitas que faz o samba te conquistar desde o início. O fim da primeira que serve de transição para o ótimo refrão do meio busca uma solução diferenciada que acaba funcionando muito bem.

O começo da segunda parte prepara com muita qualidade para o trecho final do samba, uma das melhores sequências melódicas do ano. A partir do "Quando a alegria invade o pelô" até o último verso do refrão final, o fechamento do samba mangueirense se torna primoroso. Então, o vibrante penúltimo refrão "Eparrey oya! Eparrey mainha" embala e antecede o igualmente empolgante "O samba foi morar onde o rio é mais baiano". Enfim, o melhor samba do Grupo Especial 2023 do Rio e candidato ao Estandarte. Oyá por nós! NOTA: 10.

8 - MOCIDADE - O samba da verde-e-branco de Padre Miguel é uma síntese de uma onda que vem predominando nos últimos anos na Sapucaí, e que aparece em demasia no Grupo de Acesso (Série Ouro). É uma obra em que o formato 12-4-12-4 é deixado de lado, e se aposta numa letra bem mais extensa, com alguns pequenos falsos refrães e estribilhos espalhados, e uma melodia mais pesada. Assim, a obra que exalta o artesanato do Alto do Moura, bairro da cidade pernambucana de Caruaru, apresenta boas variações melódicas, casando perfeitamente com a voz do estreante Nino do Milênio, que de cara matou o samba no peito.

O hino combina bem dolência e valentia, misturando os dois estilos muito bem durante a melodia coesa, mostrando uma letra de boa qualidade. Até o trocadilho "amassa" e "a massa" funciona muito bem, de acordo com o contexto. Enquanto o refrão principal é de mais explosão, o do meio é mais pesado. A pegada nordestina acaba bem aliada à levada característica da Mocidade, que levará um samba que, embora inferior ao de 2022 que conquistou o Estandarte, promete ser eficiente para a proposta da escola. NOTA: 9,8

9 - UNIDOS DA TIJUCA - Eis um samba com uma audição muito agradável. Mesmo também com uma letra extensa, principalmente na segunda parte, a obra tijucana não cansa em nenhum momento, muito pelo contrário. E a dobradinha familiar de Wantuir e Wic Tavares abrilhanta ainda mais o ótimo samba sobre a Baía de Todos os Santos. Agora, a divisão entre pai e filha está mais equilibrada. No CD de 2022, Wic ganhou muito mais destaque na faixa abafando o veterano como uma forma da jovem e talentosa intérprete ser apresentada ao público. Já para 2023, a voz de Wantuir prolifera na primeira passada e a de Wic na segunda, no fracionamento mais simples.

O samba-enredo da Unidos da Tijuca demonstra valentia e animação ao mesmo tempo. Ainda que seja um samba bem pra cima, apresenta muita qualidade técnica. O ótimo refrão principal tem um ótimo efeito ("Um banho de axé"). A primeira parte é mais curta, com o menor proliferando, servindo de preparação para o central, que também aposta num efeito semelhante ("Ilu Ayê... Ilê Ayê"). Então a segunda parte, embora bem mais quilométrica, acaba gerando os melhores momentos do samba, com excelentes variações que acabam misturando estilos: um mais gingado no começo, um tom menor na metade, até chegar na explosão e o estribilho que serve de transição para o refrão principal. Enfim, um samba arrojado e simpático que tem como triunfo uma grande segunda parte nos dois sentidos, mas ainda assim é mais padrão com relação ao aclamado e injustiçado do ano anterior. NOTA: 9,9.

10 - IMPERATRIZ - O criativo enredo de Leandro Vieira sobre um cordel da "vida" de Lampião após sua morte gerou um bom samba. Embora extenso, como muitos sambas de letras quilométricas que desfilarão na Sapucaí em 2023, também é ótimo de ouvir, com a sanfona que aparece durante toda a faixa dando o toque nordestino. A obra é embalada por refrães de melodias grudentas, apresentando uma estrutura arrojada. Afinal, ao término da segunda parte, um refrão antecede o principal de explosão, causando um ótimo efeito, que ainda é mais valorizado por mais um que serve de cabeça. Ou seja, são três refrães seguidos. O que introduz o hino, em menor antes do início da primeira parte, é o mais ousado e criativo de todos do samba-enredo, em formato de repente.

As duas partes são mais pesadas, bem como o refrão central (com o verso já clássico e muito contextual "e foi-se então, adeus Capitão"), como se também fossem versos entoados por repentistas nordestinos. Portanto, o samba mostra qualidades bem peculiares, o que exige bastante do intérprete. E um estreante no Grupo Especial deu conta do recado. Pitty Di Menezes colocou a sua identidade no samba, o deixando com a sua cara, gravando com muita personalidade a obra para o CD. Esperamos que o jovem cantor tenha vida longa na Imperatriz. NOTA: 9,9.

11 - PARAÍSO DO TUIUTI - Aqui começa a sequência das duas melhores faixas do CD, exatamente as últimas. Emulando um ritmo de carimbó para o enredo que menciona a Ilha de Marajó, o Tuiuti apresenta no CD um samba delicioso, num ritmo irresistível proporcionado pela produção do álbum. É interessante quando melodias características dos lugares cantados aparecem no samba-enredo com as devidas adaptações, como no refrão final que antecede o principal, através do "É lá! É lá! É lá!". Este proporciona um embalo gostoso antes do bom refrão do "Cadê o boi?".

A primeira parte é mais extensa. Embora seja pesada, ainda assim os versos entoados um pouco mais rapidamente tornam a levada excelente. E a interpretação do estreante na agremiação Wander Pires eleva a qualidade da ótima obra. O refrão do meio é mais gingado, enquanto a segunda parte serve mais como preparação para a repetição que emula o carimbó, com as notas mais estendidas em "das cantigas da vovó" servindo como uma boa solução para anteceder o irresistível "É lá! É lá! É lá!". 

Por fim, Claudio Russo, Moacyr Luz e parceiros são compositores que conhecem todos os atalhos do Paraíso do Tuiuti. Com méritos, vêm enriquecendo a recente discografia história da simpática escola de São Cristóvão, proporcionando o segundo melhor samba do ano, só perdendo para a Mangueira. NOTA: 10.

12 - IMPÉRIO SERRANO - Já aquele que eu considero o melhor registro do disco fecha com maestria o álbum. Em mais uma volta imperiana ao Grupo Especial, o enredo traz a homenagem a uma das grandes personalidades do Reizinho de Madureira. Arlindo Cruz ganha uma letra em tom biográfico no formato de acróstico de seu nome completo, num expediente já tentado por André Diniz, Evandro Bocão e parceria em notório samba concorrente derrotado na Vila Isabel para 2017. E a obra é mais uma que não apresenta a estrutura convencional, que nesta temporada vem sendo deixada de lado por muitas escolas.

É um samba que apresenta um refrão principal que outrora era gingado, contudo difícil de cantar por conta da métrica atropelada. Portanto, era necessária a adaptação do trecho e ela foi muito bem sucedida, com o refrão não perdendo o embalo planejado pelos compositores. Sobre a estrutura, diferentemente dos padrões, a obra apresenta três partes. A melodia alia bem a dolência e a valentia, emocionando em muitos momentos. A primeira do samba prolifera o menor, e o tom aumenta na preparação para o primeiro dos dois refrães centrais, ambos semelhantes, com o efeito "dagô dagô" (o termo significa "dá licença" no candomblé) enriquecendo muito o samba-enredo. Já a segunda e a terceira parte são mais emocionantes, proporcionando um resultado final muito bonito para o hino que fecha o CD e abrirá o Grupo Especial na Sapucaí.

Ito Melodia estreia no Império Serrano depois de 20 anos seguidos na União da Ilha. Contudo, você não estranha o experiente intérprete, embora tão identificado com os insulanos, cantando um samba tão diferente dos últimos que vinha defendendo. Assim, imprime a categoria de sempre, comprovando uma versatilidade. Por fim, o melhor momento de todo o CD é o começo da segunda passada do samba, com o banjo à la Arlindo embalando o samba. Que certamente o próprio Arlindo Cruz assinaria. NOTA: 10