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Os sambas de 2023 por Carlos Fonseca As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile Se
em 2022 tinha safra de mais e gravação de menos, pra 2023
a lógica se inverte. Se o produto final é
satisfatório, os sambas nem tanto. A safra do Grupo Especial em
2023 é inferior em relação ao carnaval passado,
mas não chega a ser catastrófica como se pintava nos
prognósticos iniciais. Num cenário que é
predominado por obras que são de razoáveis para boas,
Mangueira, Império Serrano, Viradouro e Tuiuti se sobressaem e,
até com alguma folga, são os melhores sambas da
temporada. Nos demais, em alguns casos específicos, parece que
ficou a sensação de que o resultado é bom mas
podia ser melhor. Fica no ar: a inspiração poética
que sobrou em 2022 ficou pelo caminho nos desfiles de abril passado e a
tal zona de conforto na estrutura dos sambas predomina ou nós
estamos exigentes demais? - NOTA DA GRAVAÇÃO: 9.7 O ano era 2007 quando a tricolor cantou sua Duque de Caxias com estes versos: “E com Zeca Pagodinho, deixo a vida me levar / Eu me chamo Grande Rio e qualquer dia chego lá”.
Pois é, 15 anos se passaram e o verso tornou-se
profético: em 2022 a Grande Rio chegou lá (afinal, Exu
venceu!) e no carnaval que defenderá um título pela
primeira vez terá Zeca Pagodinho como homenageado do enredo. A
obra cartão-de-visitas do disco e que embala a primeira faixa 1
da história da escola caxiense é bem correta, funcional
pro enredo e tem como grande trunfo o refrão central “Ê, que bela quitanda, quitandinha de erê / Seu balancê! / Tem quitandinha de erê”,
que é envolvente e certamente vai pegar fácil no desfile.
A letra descreve bem a proposta de coloca-lo como um cronista da
vida dos subúrbios cariocas (o começo “Ô Zeca, tu tá morando ondé? / Saí com meu povo a te procurar”
é um barato), ainda que não fuja de
citações a suas principais canções –
caso do já citado refrão do quitandinha, do bis
principal, “Quem tem um santo poderoso que é Ogum? Eu tenho”, “Assim vou vadiar até no gurufim”.
Faço ressalvas a gravação que podia ser mais
caprichada pois deixou de destacar alguns naipes da bateria –
Zeca participa da faixa (acompanhado dos conhecidos acordes de realejo
de Rildo Hora) cantando a introdução e fazendo
intervenções em meio a categórica
atuação de Evandro Malandro. É um samba bom, mas
fica bem abaixo em comparação aos dois anteriores. -
NOTA: 9.8 É
aquele (na maioria das vezes) bom e velho estilo de samba que a
Beija-Flor já se acostumou a apresentar: melodias pesadas com
letras bem descritivas e pontos muito fortes. A obra que exalta o
bicentenário da Independência da Bahia como a real
independência do Brasil, desmitificando o 7 de setembro fincado
pela história oficial, é firme, questionadora, no
começo coloca o dedo na ferida em versos como “A
revolução começa agora / Onde o povo fez
história / E a escola não contou / Marco dos
heróis e heroínas / Das batalhas genuínas / Do
desquite do invasor”, “Desfila o chumbo da autocracia / A demagogia em setembro a marchar”, “Ordem é o mito do descaso / Que desconheço desde os tempos de Cabral” e no final exalta os “excluídos” pedindo que estes estejam a frente do poder: “Pela
mátria soberana, eis o povo no poder / São Marias e
Joanas, os Brasis que eu quero ter / Deixa Nilópolis cantar! /
Pela nossa independência, por cultura popular“. O melhor momento da obra, porém, é o ótimo refrão central: “Êh!
Vim cobrar igualdade, quero liberdade de expressão / É a
luta pela vida, é a vida pelo irmão / Baixada em ato de
rebelião!”. Na faixa, Neguinho da Beija-Flor divide
a interpretação com a cantora Ludmilla, rendendo uma
interessante parceria, mas ainda quero entender o andamento bem
acelerado... Por fim, tal como no carnaval passado, um verso resume a
sintonia perfeita entre escola e tema: “Além dos carnavais, o samba é que me faz / Subversivo Beija-Flor das multidões”. - NOTA: 9.9 A
escola de Niterói tem em mãos um grande samba para narrar
a história de Rosa Maria Egipcíaca, primeira negra a
escrever um livro no Brasil. Se não tem aquela dolência
sugerida para um encerramento de carnaval, a melodia toda valente
dá a obra uma força muito grande. A grande sacada foi a
construção da letra, iniciada pela
introdução de um narrador ("Rosa Maria, menina flor / Rainha do espelho mar / Na pele do tambor")
com a personagem passando a contar sua história na
sequência, (a partir do "Distante me encontro das origens"),
fechando com um pequeno diálogo no falso refrão “Eis a flor do seu altar, sua fé em cada gesto / O amor em cada olhas dos filhos meus”, terminado de duas formas -“Sou Rosa Maria, imagem de Deus” na primeira, “Imagem de Deus, sou eu” na segunda. Destaques ao ótimo refrão "É vento na saia da preta courá / Na ginga do Acotundá... / É ventania", mais balanceado, e para o trecho "Senti a alma daqueles, os mais oprimidos / Venci heresia na fé dos divinos / A mais bela rosa aos pés do Senhor"
na segunda estrofe. As intervenções da Furacão
Vermelho e Branco (com um andamento bem mais lento para o que
acostumamos a ouvir das baterias de Mestre Ciça) nas bossas e a
ótima interpretação de Zé Paulo Sierra
dão um requinte a mais a obra. Se havia alguma dúvida
qualquer sobre ser um dos melhores sambas do ano, a ótima
gravação (talvez uma das melhores do disco) fez
questão de terminá-la por completo. - NOTA: 10 Mais
um daqueles sambas que seguem a cartilha de ser mera trilha sonora para
Paulo Barros soltar sua imaginação nos 70 minutos de
avenida. A diferença é que falta muita qualidade.
É uma obra limitada do início ao fim, poeticamente
risível, que não foge do lugar comum, preso a uma lista
de supermercado pra caber todas as citações
possíveis as festas relacionadas à religiosidade, saindo
um amontado de jargões como "Ver o sagrado e o profano em sintonia", "É o dom de superar / Renovando a esperança"
e por aí vai. Por incrível que pareça, a
produção tornou o samba audível, até
agradável em certos momentos. Tinga faz mais uma
atuação convencional na faixa. Em suma: é um samba
bem fraco, mas que tenta arrancar a simpatia do ouvinte. - NOTA: 9.6 Abaixo,
mas bem abaixo do que se esperava pelo apelo histórico que
carrega um enredo que celebra o centenário portelense. Podendo
ter um samba mais carregado pelo valor emocional, a águia opta
por um caminho melódico mais tradicionalista, muito do
arroz-com-feijão básico. A premissa da história
da escola ser contada por Paulo Benjamin de Oliveira é
interessantíssima, mas careceu de um capricho bem maior.
Sinceramente, acho um erro crasso limitar tantos enredos
históricos da Portela em aspas, é algo que podia ser
melhor explorado. A obra melhora a partir da segunda estrofe, em
específico do trecho “Vivam
esse sonho genuíno / De fazer valer nosso legado / Vejo um
futuro mais lindo / Nas mãos de quem sabe o valor do passado” ao refrão, que pede benção ao eterno mestre Monarco e brada que “O céu de Madureira é mais bonito”.
Honrado somos nós que vamos testemunhar e celebrar o
centenário de uma das grandes instituições
carnavalescas do país, mas faltou caprichar na trilha sonora. -
NOTA: 9.7 Horrível.
Os compositores tentaram arrancar leite da pedreira e salvar um enredo
de desenvolvimento muito complicado, mas o soneto conseguiu ficar pior
que a encomenda. É um samba quilométrico que fala, fala,
fala... e não fala nada, uma junção de melodia
animadinha e quase reta, remetendo a tão famosa busca pelo Ita
perdido (lembra?), com uma letra cheia de colcha de retalhos e
jargões soltos em trechos como "Basta! De violência e opressão! / Chega de intolerância!", "Guerra, fome e mazelas, nunca mais", "Da escuridão, raiou o dia", "A vida em perfeita harmonia",
entre outros. Pois afinal, do que se trata o enredo? É
Joãosinho Trinta? É o Éden? São as mazelas
sociais? É tudo no mesmo balaio? Pra piorar, Emerson Dias faz de
tudo, mas parece que briga com o samba - o melhor momento dele na faixa
certamente foi a homenagem à Quinho, que por questões de
saúde não poderá desfilar no próximo
carnaval. Outra vez, o Torrão Amado apresenta um samba que
será facilmente esquecido após a quarta-feira de cinzas.
Tem dia... ou melhor, tem ano que nem mesmo a competente ala de
compositores da Academia consegue salvar um estrago do tamanho da Rua
Silva Teles... - NOTA: 9.4 A
africanidade através dos movimentos carnavalescos da Bahia
resulta num samba excepcional, com cara, corpo e pegada de Mangueira,
carregado da ancestralidade que o tema pedia. É uma melodia
envolvente, que em algumas nuances remete ao toque o axé.
Particularmente sou admirador nato dessa letra, certamente uma das
melhores dessa temporada, com ótimos refrães e repleta de
versos fortes como “Sou eu, Mangueira, a flecha da evolução”, “Áfricas que recriei / Resistir é lei, arte é rebeldia”, “Com ganzás e xequerês fundei o meu país / Pelo som dos atabaques canta meu país”, “Meu
cabelo black, negão, coroa de preto / Não foi em
vão a luta de Katendê / Sonho badauê,
revolução didá”, entre outros.
Destaque ainda a um agogô sobressaindo na bateria em toda a faixa
e a parceria entre Marquinho Art'Samba e o prata da casa e estreante
Dowglas Diniz, apesar de que a produção do álbum
tenha misturado demais suas vozes - a dupla ganha a companhia de
Margareth Menezes, em participação especial na faixa a
exemplo do que fizera na versão das eliminatórias. O
melhor samba da temporada dentre os que estão no pelotão
da frente - e candidatíssimo ao Estandarte - faz o samba ir
morar "onde o Rio é mais baiano" e ter altas expectativas para o encerramento do desfile de domingo. - NOTA: 10 A
produção do CD deu a dolência que parecia faltar ao
hino verde e branco, que ficou tão bom de ouvir (ou ainda melhor
até) em relação a versão das
eliminatórias. A letra é bem construída, narra bem
a história dos artesãos do Alto do Moura buscando
soluções poéticas como no trecho “A
lida pra viver, da lama renascer / Marias e Josés no céu
que moram pés, raiz! / Fiel retrato desse meu país”. Gosto muito da cabeça das duas estrofes “Senhor que fez da arte mundaréu / Em suas mãos Padre Miguel” e, principalmente, “Molha
Pedro minha terra / Chão de estrelas de João / Traz
Antônio minha amada / Padim Cícero Romão / Alumia o
teu povo em procissão!”. Os refrães
são bem regulares, além do mais que, para enredos que
tratam de artesanato, claro que não poderia faltar os
trocadilhos “Amassa” (de amassar) e “A massa”
(de multidão). Nino do Milênio, estreante nas bandas de
Padre Miguel, faz uma interpretação segura. A chama do
braseiro mantém acesa o bom nível de obras da discografia
recente da estrela-guia. - NOTA: 9.9 Longe
de ser brilhante como o Waranã, mas apresenta bem a
história da Baía de Todos os Santos. É um samba
corretinho, de melodia bem balanceada, alternando tons baixos e altos,
que não cai em qualquer momento apesar da longa segunda estrofe
e de algumas pequenas esticadas em versos pra caber na métrica
– como “Pra louvar meu Santo Antônio / Pra louvar meu pai Xangô” e “Ó paí, ó! É carnaval”,
por exemplo. A letra não tem tantos momentos de destaque,
é mais descritiva e recorre a alguns recursos já
conhecidos para enredos dessa linha – o maior exemplo é o
refrão principal. Curto muito o refrão central (“Ilu Ayê, toca o sino da igrejinha / Ilu Ayê, atabaques e agogôs”) e o trecho “Bota
dendê e um "cadinho" de pimenta / Que a marujada vem provar o
vatapá / É no mercado, na Lapinha ou na Ribeira / Se tem
samba e capoeira / Camafeu também está” na
segunda estrofe. Wantuir e Wic Tavares (dona de quase todos os
prêmios de revelação do carnaval passado) se
destacam ditando o equilíbrio perfeito a faixa tijucana,
interpretando uma passada cada. Faltou um “cadinho” de
pimenta pra estar no primeiro pelotão, mas é um samba bom
de ouvir e cantar. - NOTA: 9.8 É
um bom samba, ainda que esperasse um pouco mais para o interessante
enredo. Mas é inegável notar a renovada de astral que a
produção do álbum deu a ele em
relação as eliminatórias. Numa letra que descreve
a história com correção, sem tirar nem por, o
grande ápice são seus refrães, sobretudo o da
cabeça “Imperatriz veio contar pra vocês / Uma história de assombrar / Tira sono mais de mês” - sem dúvida uma das melhores aberturas da temporada. O central (“E
foi-se então... adeus capitão! / No estouro do pipoco /
Rola o quengo do caboclo / A sete palmos desse chão”)
resume a morte de Lampião de forma poeticamente criativa,
enquanto os outros dois são mais balanceados - curto muito o
terceiro bis “Pelos cantos do sertão... vagueia, vagueia / Tal qual barro feito a mão misturado na areia”.
O grande destaque da faixa leopoldinense vai para Pitty di Menezes,
finalmente ganhando sua primeira oportunidade no Grupo Especial, que
foi fundamental para moldar esse novo astral da obra (com enorme ajuda
da Swing da Leopoldina), mostrando porque é um intérprete
diferenciado e desponta pra ser uma das grandes joias da
geração recente de cantores. - NOTA: 9.8 Outro
ótimo samba pra discografia azul e amarela, agora para narrar a
história do folclore dos búfalos da Ilha de
Marajó. É uma melodia solta, gostosa de ouvir, daquelas
que convidam pro reapet, aliada a uma letra que estruturalmente lembra
obras recentes da escola (cujo autores são quase os mesmos) mas
que conta objetivamente o enredo, com uma primeira estrofe bem
descritiva e uma segunda com ótimas passagens, indo do “A mão que modela a vida”, passando pelo ótimo segundo refrão "É
lá, é lá, é lá! / Canoeiro vive
só morená / É lá, é lá,
é lá! / Mas precisa de um xodó" e finaliza no divertido bis “Cadê o boi? O mogangueiro, o mandingueiro de Oyá”.
Estreante na escola de São Cristóvão, Wander Pires
faz mais aquela interpretação categórica, ajudado
por uma SuperSom que se solta nas bossas na segunda passada. - NOTA: 10 Arlindo Cruz ganhou uma homenagem a altura de sua história, pois é um samba que cativa pela emoção que ele proporciona. E nem mesmo as inoportunas mudanças (prezando pela funcionalidade e melhor fluidez no canto) tiraram seu brilho. A concepção da letra em formato de acróstico, formando seu nome completo (Arlindo Domingos da Cruz Filho), apresenta soluções poéticas bem interessantes, como a repetição do "Dagô, Dagô" nos refrães centrais. O melhor momento da obra, porém, é a segunda estrofe, inspirada de ponta a ponta: "Deixa, o fim da tristeza ainda há de chegar / O show do artista vai continuar / Morando nos sambas que você fez pra mim / Imperiano sim! / No verso que aflora / Giram os sonhos da porta-bandeira / O amor de Orfeu melodia namora / Serrinha é teu canto pra vida inteira". Outro grande momento, dessa vez na faixa, é a batida em partido alto na virada da primeira pra segunda passada do samba - a partir da cabeça "Acorde partideiro sem igual, nascia então, um samba do seu jeito". Principal contratação da Serrinha em sua volta ao Especial, Ito Melodia (que na elite não cantava por outra escola que não fosse a União da Ilha desde o Porto da Pedra no ano 2000) faz uma interpretação segura, bem ao seu velho estilo. Em termos musicais, o Império promete emocionar na abertura dos desfiles, afinal, nada mais simbólico que um samba em homenagem ao Arlindo seja escrito por um grupo de compositores liderado por Sombrinha, seu eterno parceiro “da música” (citando a canção que juntos escreveram há 27 anos) desde Fundo de Quintal, passando pela dupla que formara nos anos 1990. - NOTA: 10 |
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