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Os sambas de 2022 por João Marcos

Os sambas de 2022 por João Marcos

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

DA PRODUÇÃO – Neste momento, temos apenas a versão de streaming, sem as faixas em alta resolução do CD oficial. A perda de qualidade pela ausência da mídia física (prometida futuramente, assim como pequenos ajustes de mixagem e melhor separação de vozes quando vários intérpretes cantam o mesmo samba) faz com que tenhamos uma sonoridade pior do que a de anos anteriores. Os efeitos, muitas vezes, ficam escondidos, e as vozes, abafadas. A safra é razoável para boa, um pouco acima da média. Há uma tentativa de enredos mais emocionais e politizados, o que gera obras mais classudas. No entanto, isso acaba criando uma perda de impacto do “todo” - algumas ideias ficam repetitivas e o clima do CD entra na mesmice, com uma audição, em geral, mais cansativa. Além disso, alguns sambas são bem burocráticos. Os destaques da safra são Grande Rio, Mocidade e Vila Isabel, com Tijuca e Viradouro vindo um pouco abaixo. NOTA: 5,0.

1 – VIRADOURO – A campeã do carnaval anterior traz uma obra com algumas boas ideias e outras “forçações” de barra – aliás, isso é típico da parceria vencedora. A interpretação de Zé Paulo é muito boa e casou bastante com o samba, criando um clima bacana. A primeira é excelente, lembra um pouco a Viradouro do final dos anos 90. Mas duas coisas me incomodam - o refrão da “assinatura e data”, que é interessante em melodia, principalmente no “assinado um Pierrot” que entra bem legal, mas poderia ser mais poético em letra no geral e melhor resolvido em melodia justamente nesse verso da data. Parece muito apego à forma – “olha o meu samba em forma de carta!” A outra parte que me incomoda também poderia ter um potencial mais legal – os  versos “Amanheceu! num instante já (...)” e seguintes entra bem, mas o trecho todo fica esticado demais – no CD, o efeito até vai, mas tenho dúvidas disso na avenida. As pausas da melodia nessa parte são muito longas e se repetem muitas vezes. Pode dar certo ou causar uma sensação de falta de canto. Vamos ver no dia do desfile. NOTA: 8,4.

2 – GRANDE RIO – O samba da safra não poderia ser outro. Embalada pela interpretação magnífica de Evandro Malandro, a escola apresenta talvez o melhor samba de sua história. A primeira parte é simplesmente soberba e quando entram os versos “Exu Caveira, Sete Saias, Catacumba (...)” e seguintes, a melodia ganha uma ginga pouquíssimas vezes vista nos últimos trinta anos na Sapucaí. Seria praticamente impossível manter o nível de uma primeira metade tão arrebatadora, mas o restante da obra é de uma competência poética e melódica muito acima da média. Faca e queijo na mão para o pessoal de Caxias correr para o abraço, caso o desfile venha nesse patamar. NOTA: 9,9.

3 – MOCIDADE– Outro ótimo samba da safra, com uma melodia de muita intensidade, muito clima e uma boa letra, além de uma ótima interpretação de Wander Pires. Com vários pontos de explosão, ginga e refrões muito gostosos, fáceis de cantar e que grudam no ouvido, o samba vai passando tranquilo, sem grandes invencionices e derrapa, justamente, quando tenta fazer algo diferente – no “Quem é de Oxossi é de São Sebastião”, que muda do maior para menor na repetição e causa uma certa quebra de expectativa, ficando a melodia mal resolvida nessa parte. Mas, de resto, é muito bom. NOTA: 9,0

4 – BEIJA-FLOR – É um samba bem feito, redondo, mas que não tem um trecho realmente de grande inspiração. Podemos destacar talvez o refrão do meio – a melodia em “Versos para Cruz, Conceição no altar” entra baixa, criando um clima, mas falta um pouco de explosão na conclusão. A mensagem da letra é muito direta, sem poesia. Talvez tenha sido uma opção estética da escola, mas em alguns momentos parece pesado porque a melodia, apesar de não ter qualquer problema técnico, não causa a emoção necessária para a obra decolar. Talvez a tonalidade esteja abaixo do que deveria ser. Outra observação é a falta de filtros na voz do mestre Neguinho – precisava de mais cuidado o tratamento da voz na versão disponibilizada. Ele está com uma rouquidão compreensível para sua idade e que, no CD, poderia ter sido atenuada com as ferramentas que os programas de estúdio possuem. E ele merece esse carinho por toda contribuição que já deu ao carnaval. É a grande bola fora da produção do álbum deste ano. NOTA: 7,8.

5 – SALGUEIRO – Nesta faixa, temos a primeira demonstração de que a repetição dos temas, apesar de importante do ponto de vista político e de ativismo, sem um enfoque original acaba criando repetição de ideias e falta de criatividade. A letra é apenas competente e a melodia não traz nada que grude muito no ouvido, com exceção do bom refrão do meio. A segunda tem menos fluência melódica do que a primeira e o samba não termina muito bem, com os versos “Sambo pra resistir / Semba meus ancestrais / Samba pelos carnavais”, que não acrescentam grande coisa e ficam meio confusos para o canto. Por fim, o refrão principal talvez seja o mais fraco do ano, e a repetição de “Salgueiro” de forma esticada não cria o efeito pretendido. É um samba burocrático que retrata uma proposta sem originalidade por parte da escola. NOTA: 7,0.

6 – MANGUEIRA – Talvez o maior equívoco da Mangueira nos últimos anos – como ela pega alguns de seus maiores nomes, faz um enredo lindo desses e escolhe um samba tão burocrático? Só em termos de comparação, quando a Portela apresentou uma proposta parecida, acabou fazendo o imortal “Contos de Areia“, de 1984. O que falta ao samba mangueirense é justamente o fio condutor facilmente encontrável no samba da Portela. Os compositores exaltam os homenageados, tentam trazer emoção falando de suas origens, mas a mensagem é passada mais com respeito do que qualquer outra coisa. É muito pouco. Não há uma figura de estilo que realmente enriqueça a letra. A melodia é muito quadradinha e nem o refrão parece não ter qualquer inspiração. Esse samba é a demonstração cabal que assinatura não deve influenciar a escolha das escolas. NOTA: 6,9.

7 – PORTELA – O samba portelense está muito mais bem definido em melodia do que na versão das eliminatórias. Quando de sua escolha, fiquei surpreso - não por achar os concorrentes maravilhosos, mas por achar este samba desconjuntado. Engraçado é que, com os ajustes, talvez agora seja o samba mais redondo da safra em termos melódicos. No entanto, isso acaba criando um clima de previsibilidade. A melodia tenta trazer algum gingado, herança principalmente dos sambas portelenses do início da década passada. No entanto, valoriza mais a letra, que é bem construída (apesar da bobagem da expressão "azul e banto") do que a melodia, que apenas passa sem chamar a atenção. Faltam pontos de explosão, variações memoráveis ou algo que grude no ouvido, salvo no verso "coragem no medo". O resultado é muito morno. NOTA: 7.2.

8 – VILA ISABEL – Consegue algo muito interessante - encontrar um meio termo entre o estilo valente da parceria supercampeã na escola e, mesmo assim, passar o clima da obra e vida de Martinho. O refrão de cabeça é um achado e a primeira parte, simplesmente espetacular. Uma pequena escorregada é o refrão do meio, que não é ruim, mas muito abaixo do restante da obra. Tem, talvez, o maior potencial dentre todos os sambas de sair da bolha dos entendidos do carnaval e se popularizar com o grande público. Era o samba que a parceria devia à escola há muitos anos. NOTA: 9.4.

9 – UNIDOS DA TIJUCA – A vitória de Eduardo Medrado e parceiros faz a escola ter um samba interessante, diferente, de viradas melódicas surpreendentes. Como não é novidade para qualquer um que acompanhe o Sambario, o compositor, justamente por sua ousadia, sempre é um dos favoritos da casa. O refrão de cabeça é brilhante, gruda na cabeça e dita o clima do resto. O samba só não é um golaço por causa da primeira parte, que apesar de momentos ousados, acaba não criando um sentimento que acompanhe a letra, apesar de vários pontos de explosão interessantes. A versão disponibilizada no CD inicialmente traz Wantuir e sua filha juntos, com prevalência da moça na mixagem. Apesar de ela cantar muito bem, senti falta da voz mais madura de seu pai em alguns momentos da faixa, que talvez valorizassem mais ainda as belas nuances. NOTA: 8,2.

10 – SÃO CLEMENTE – Como a Tuiuti fez em 2013 com Chico Anysio, a São Clemente aposta na memória afetiva para criar comunicação com o público e causar emoção, fazendo um desfile-homenagem a um comediante logo no ano seguinte à sua morte. E como naquele enredo, a sinopse parece mais feita no calor da emoção, sem ainda mensurar a força da obra do humorista. E no caso de Paulo Gustavo, a morte absurda ainda cria um sentimento mais complexo - como diz o refrão, é preciso "seguir em frente". Como driblar o clima fúnebre? Acho que o grande achado do samba é esse - passar a mensagem do artista, suas lutas e sua irreverência sem se deixar contaminar pela revolta e a tristeza, dando a dimensão que faltava no enredo. O resultado é um samba alegre e despretensioso, que aperta os botões certos e tem bons pontos de explosão. Além disso, traz alívio depois de tantos sambas densos no CD. Se não é um primor de melodia e poesia, é competente e agradável. NOTA: 7,3.

11 – TUIUTI – Para um enredo que não traz novidades, um samba sem grandes novidades. Tem dois grandes momentos - a melodia no início da primeira, bastante densa, e a ginga do refrão do meio. O refrão de cabeça é apenas funcional e sem qualquer brilhantismo, e talvez tenha feito com que o samba passasse mais batido do que os demais da parceria. No todo, temos uma obra bem construída. O problema maior, pra mim, no entanto, são as “forçações” de barra - trechos como "meu sangue negro que escorre no jornal", a expressão "gungunando o tambor" (pra que isso?), as citações diretas de personalidade para tentar recriar o efeito Mangueira com Marielle... tudo isso acaba "gungunando" a nota do samba. NOTA: 7,4.

12 – IMPERATRIZ – Talvez para tentar se reencontrar, a escola fez uma escolha arriscada - homenagear uma personalidade conhecida quase exclusivamente pelo meio do carnaval e sem grande apelo com o público dos desfiles. É algo válido, obviamente. Difícil é entender a escolha por um samba tão arrastado. A melodia tenta remeter a trechos parecidos com os de sambas antigos, como Mocidade 1980 e Estácio 1984, mas não consegue a leveza dessas obras. E aí, a coisa vira meio um “Frankenstein”, onde as sutilezas da melodia se perdem porque tentam trazer algo leve numa moldura muito pesadona, dramática. Não combina e acaba ficando tão forçado quanto o “Pai Maior” do refrão de cabeça ou o pedido para “voltar ao seu lugar” – Que lugar? Já não está a escola no Especial, entre as grandes? A letra é longa demais e a melodia não consegue uma virada que traga emoção. Além disso, ainda tem problema de métrica no refrão do meio, em que o “Salve a Mocidade” não cabe no tempo melódico. Enfim, é quase um desastre. NOTA: 6,7.

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