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Os sambas de 2020 por João Marcos

Os sambas de 2020 por João Marcos
E-mail: joaomarcos876@yahoo.com.br

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

O FENÔMENO 'MARTINHO' E AS ASSINATURAS


Este ano, não podemos falar do CD sem falar do fenômeno “Martinho”. Em resumo, é o seguinte: em 2010, a Vila deu o samba para Martinho. Na verdade, era uma tentativa de melhorar as notas da escola, pois os principais vencedores da Vila não vinham conseguindo sucesso de crítica e júri. Martinho fez o samba, que sofreu “adaptações”. A saga das modificações foi narrada por mim, e inclusive divulguei a versão original do Martinho com exclusividade, como você pode conferir aqui.
Pois bem, o samba tinha sido adaptado, virado uma marchinha, mas ficou legal. Sucesso no CD, teve uma boa participação nos ensaios técnicos. Eis que por motivos injustificados, a escola manda a bateria mudar a pegada. Tocado em forma de samba e com andamento 'pra trás', a boa marchinha morreu no desfile.

Os jurados, no entanto, deram apenas notas 10 para o samba assinado por Martinho.

Com isso, as escolas perceberam que os nomes dos compositores valiam mais do que o rendimento dos sambas na avenida na questão da definição das notas. Com isso, vários compositores famosos começaram a dar as caras nas eliminatórias, gente que até então não tinha ligação com tais disputas. Até o Pedro Bial apareceu em eliminatória.

Além disso, começaram as encomendas, geralmente para compositores de samba de escritórios, que se uniam a outros famosos, gerando interesse e mídia, às vezes com bons resultados artísticos (afinal, sem a disputa, a liberdade aumenta), outras, gerando mais do mesmo, apenas fundamentado no marketing (e no Grupo de Acesso, as encomendas viraram uma praga).

A presença dos famosos e das encomendas são a tônica nos sambas deste ano. E, no entanto, o nível dos sambas não melhorou. São sambas que seguem o mesmo padrão da década. A expectativa das escolas, no entanto, é que se repita o “fenômeno Martinho” e as notas 10 sejam dadas conforme a “famosidade” dos compositores. Lamentável.

DA PRODUÇÃO

No dia 14/12/2019, estive numa loja de discos no Rio, que vende Cds e Lps novos e usados. Enquanto garimpava, ouvia os clientes entrando. Num espaço de meia hora, pelo menos dez pessoas normais, gente do povo, senhorinhas e tal, chegavam e pediam o CD das escolas de samba do Rio de Janeiro. E a loja, como todas as outras, não tinha o produto. A falta de visão da LIESA é absurda – se você não compra mais o CD da dupla sertaneja do momento, não significa que o de sambas enredo não tenha mercado. São públicos diferentes. O CD do carnaval ainda tem seus compradores – colecionadores, pessoas que compram habitualmente todo ano. Nas vésperas do Natal, a inexistência do CD físico é um absurdo e uma burrice inacreditáveis. Era melhor reduzir a tiragem do que perder esse público.

Portanto, estou, lamentavelmente, tendo que avaliar os sambas no “streaming”, sem a qualidade de som desejável.

A produção deixou de ser “ao vivo”, mas manteve a pegada. A diferença maior é a provável redução do orçamento para a gravação. O coral ficou menos pesado e quente, perdeu um pouco de energia. Mas a qualidade da gravação, em sim não caiu. O resultado ficou agradável. É o produto possível dentro do quadro atual. NOTA: 6.0.

MANGUEIRA A tentativa de explorar novamente as questões políticas que assombram o país fez a escola optar por um enredo ainda mais engajado, fazendo uma conexão entre a história de Jesus e a das pessoas do morro. A ideia é forte e a letra segue o clima, com passagens inspiradas e poéticas como em “Nasci de peito aberto, de punho cerrado / Meu pai carpinteiro desempregado / Minha mãe é Maria das Dores Brasil”. A melodia é o problema: a do ano passado tinha seus problemas, mas possuía pontos de explosão muito fortes, principalmente na parte final, na parte que citava a Marielle. Desta vez, o samba não tem tantos pontos explosivos, apesar do refrão de cabeça ter clima com a 'corridinha' no canto e a entrada mais 'pra baixo'. Mas falta o soco na boca do estômago, que quase chega no “Os profetas da intolerância / Sem saber que a esperança / Brilha maaaaaaais que a escuridão”, mas fica devendo outros momentos como este ao longo da obra. O samba cumpre o papel razoavelmente, mas é inferior ao do ano passado. NOTA: 8,2.

VIRADOURO Fenômeno curioso aconteceu com este samba – inicialmente, assinado por compositores sem mídia, era espinafrado nos fóruns de carnaval. Depois de escolhido, apareceram alguns nomes diferentes assinando: Paulo Cesar Feital, Claudio Russo e Diego Nicolau. Magicamente, o samba começou a não ser considerado ruim, as pessoas começaram a dizer que “cresceu” e pode acontecer tudo aquilo que envolve o “fenômeno Martinho” citado acima. A parte do “ensaboa mãe”, tão criticado inicialmente, acabou recebendo a heresia de ser comparado à Cartola. Mas, na verdade, é apenas um samba meio burocrático, sem grandes problemas. O enredo merecia mais e a escola tinha opções melhores na disputa, mas não chega a ser uma catástrofe. O refrão do meio, com seu estilo de acentuação, tem a cara de vários sambas assinados pelo Nicolau. E o “ensaboa mãe”, se é um bocado feio de letra, tem uma ótima variação melódica. Melhor do que o do ano passado, porém é pouco para uma escola que disputa o título e que tem um enredo tão interessante. NOTA: 7,7.

VILA ISABEL Brasília é um enredo, por si só, sem grande apelo popular. Quando você inventa uma história sem pé nem cabeça pra contá-lo, o resultado da narrativa é um desastre. Optando pela assinatura da moda, a Vila vem com um samba um pouco melhor do que o enredo, porém não muita coisa. A letra, como era de se esperar pela sinopse, não diz grande coisa. A melodia é nervosa, como tem sido a tônica dos sambas da escola, e o resultado geral é intenso e asfixiante. O refrão de cabeça não tem grandes novidades (salvo os inacreditáveis versos 'Paira no ar o azul da beleza / Gigante pela própria natureza', que não faz o menor sentido), e o do “ô, Viola” que é grande demais e perde momento. Gostei da entrada da primeira e do bis em “O curumim, o piá e o mano / Que o vento minuano também chama de menino”. Mas, no total, é uma faixa decepcionante. NOTA: 7,1.

PORTELA Com um enredo optando por um recurso parecido com o da Vila, a Portela teve resultado relativamente melhor. O samba tem uma narrativa um pouco mais consistente e mais trechos fortes de melodia, apesar de também ser bastante intenso e, no final das contas, também não dizer grande coisa. A vantagem são as viradas melódicas fortes dos refrões e de algumas sacadas inteligentes, como no “Nossa aldeia é sem partido ou facção / Não tem bispo, nem se curva a capitão”. Gosto muito do refrão do meio. É um bom samba, que cumpre seu papel. NOTA: 8,5.

SALGUEIRO – É um samba simpático, ainda mais com o carisma de Quinho e seus cacos. Junto a Emerson Dias, o Salgueiro consegue unir no carro de som, modernidade e tradição. O samba, no entanto, não consegue tal proeza. Tem um bom refrão de cabeça e conta a história sem frescura. Mas falta diferencial. As partes são muito simples. O refrão do meio é fraco. Acreditava eu que o enredo faria com que a escola optasse por uma obra com mais peso e ousadia; mas o Salgueiro, há anos, vem tendo dificuldade de dar o passo à frente tão necessário dentro do quesito. NOTA: 7,8

MOCIDADE É bonito ver como os sambas da escola renasceram no final desta década. Mais uma vez, a Mocidade acerta no ângulo, mesmo depois da pequena queda de qualidade do samba do ano anterior, que quase quebrou a sequencia de grandes obras da escola. E a Mocidade conseguiu isso com um samba que une aspectos que foram além da sinopse – se o enredo, originalmente, tinha um lado político muito forte, o samba escolhido pela escola consegue trazer este aspecto dentro de um quadro maior, mais complexo, trazendo emoção, trazendo uma personagem mais completa do que inicialmente o enredo mostraria. Está lá a Elza Soares cantora, a Elza pobre, lutadora... a Elza ativista e simbolo feminista também, mas, no final, fica a mulher em todas as suas dimensões. Por isso, o samba ganhou uma inesperada popularidade na internet carnavalesca, na base do boca a boca, e isso sem se perder em rebuscamentos tolos, e trazendo partes marcantes, refrões arrasa-quarteirão, diversos trechos memoráveis que grudam na mente (“Para a Preta não chorar”, p.ex.). É um samba à altura da homenageada - uma das mais singelas homenagens que o carnaval fez nos últimos anos. E isso tudo, mantendo a essência popular do gênero. É um golaço da escola e o grande samba do ano. NOTA: 9.2.

UNIDOS DA TIJUCA Optando por uma encomenda depois das notas ruins do ano anterior – com descontos fundamentados em razões previamente apontadas pelo Sambario – a escola tende a ter um julgamento tão ruim quanto o do ano passado. Até porque o samba é muito pior. É inaceitável que uma escola opte por uma encomenda e apresente isso aqui – quilométrico, arrastado, com uma letra sem sentido, com versos soltos, com melodia que não se resolve. ”Lá no meu quintal, eu vou fazer um bangalô / Já foi tapera feita em palha e sapê / E uma capela que a candeia alumiou / A lua cheia…” - que diabo significa isso? Esse 'a lua cheia' solto na melodia também não funciona. O samba parece os últimos da Imperatriz, de melodia morna, letra falsamente rebuscada e nada que cole no ouvido. Somente o “fenômeno Martinho” pra justificar um samba tão insosso. NOTA: 6,9.

TUIUTI O samba começa tão bem, tão redondo, com tanto clima, que quando entra no refrão do meio, que grita Portela 71, o do "Poeira", vem aquela sensação de indignação - pra que isso? Ai vem o refrão principal, e o “Meu maracatu é da coroa imperial...”, opa, desculpem o erro, me confundi com Salgueiro 1960. Enfim, vai render, é um samba bem feito, poucos vão perceber as 'inspirações', e a letra é bem boa. Mas faltou óleo de peroba. NOTA: 8.0.

GRANDE RIO O enredo é espetacular e o samba tem muito clima. Talvez seja o mais técnico do ano, com dois refrões maravilhosos (o final do refrão de cabeça é um achado de letra), e uma letra que foge do lugar comum, apesar de abusar muito de termos difíceis, se tornando, em alguns momentos, de difícil entendimento. Mas é um sambaço, um dos melhores da história da escola, um alívio depois do inacreditavelmente ruim samba de 2019. Faz a dupla de ouro do CD, junto com o da Mocidade. Ótima interpretação do Evandro Malandro. NOTA: 9,1.

UNIÃO DA ILHA - A escola tentou mudar a proposta com a chegada de Laíla, e um samba menos alegre, com uma temática mais forte. O resultado, porém, é o samba mais morno do ano. Nada chama a atenção, apesar da tentativa de rimas internas, puxando rimas de fim de verso diferentes (ex: E vai trabalhar / Antes do sol levantar... de novo/ A voz do rancor não cala meu povo … não). Mas a construção passa em branco. É um samba preocupante para uma escola que luta para se manter no grupo. Faltou a graça e a leveza da Ilha. NOTA: 6,6.

BEIJA-FLOR Depois do horror total do ano passado, a escola nilopolitana fez o certo – escolheu um samba redondo, um pouco grande na primeira, mas sem grande tropeços, com uma letra simples e bem feita, que conta o enredo com tranquilidade. Os refrões são muito bons, em especial o de cabeça, que dá ginga à melodia, e o do meio, que tem um chamado legal para o componente – e o nilopolitano gosta muito dessas coisas. A melodia da segunda é interessante. É um bom samba, que abre caminho para a recuperação da escola. NOTA: 8,4.

SÃO CLEMENTE Apostando na mídia de Marcelo Adnet, a São Clemente escolheu um samba bem simples, simpático, que tem o melhor momento no refrão do meio, em “Tem laranja!/ 'Na minha mão, uma é três e três é dez!'". A primeira conta o enredo sem grandes sacadas, e a segunda exagera um pouco – em alguns momentos cai no popularesco, como se fosse uma das paródias do Zorra, como p.ex. em: “Brasil, compartilhou, viralizou, nem viu! / E o país inteiro assim sambou / Caiu na fake news!". Serve para as pretensões da escola de lutar para se manter no grupo, mas não é o que a escola precisa para evoluir muito na tabela de classificação. NOTA: 7,4.

ESTÁCIO A escola resolveu colocar “pedras” no seu caminho. Com um enredo terrível, de apelo popular zero, o Estácio conseguiu ter algumas opções interessantes na sua eliminatória, fruto do talento de sua ala de compositores. Esta não era a melhor opção, mas é um samba redondinho, simpático. Sofre do óleo de peroba também, repetindo o refrão do meio do Tuiuti (o 'Poeira Ê, Poeirá', se transforma em 'Vem peneirar, peneirar). É o típico samba que não chama a atenção, mas diante do enredo, poderia ser bem pior. NOTA: 7,0.

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