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Os sambas de 2019 - Grupo Especial (São Paulo) por Bruno Malta
Os sambas de 2019 - São Paulo por Bruno Malta

Pelo quarto ano seguido, analiso os sambas de enredo do Carnaval Paulistano para o Sambario. Mais uma vez, agradeço o convite do Marco Maciel, editor chefe do site. É importante destacar o crédito que o Marco novamente deposita em mim. Sem mais delongas, vamos analisar os sambas que desfilarão no Anhembi no Carnaval de 2019.
 

As avaliações do texto abaixo em nada têm relação com os critérios de julgamento utilizados pela Liga-SP e nem relação com o julgamento oficial. 

Gravação do CD: Confesso que não curti tanto dessa vez. Achei uma gravação muito leve e sem força e com poucas sacadas inteligentes. Por exemplo, não consigo aceitar que a faixa dos Gaviões ficou sem a clássica bossa dos atabaques durante o samba. Outro ponto que não me chamou a atenção foi a forma como os intérpretes jogavam para o coro a todo momento, o que deixava a audição comprometida. Cito que também não deu certo esse negócio de deixar o intérprete chamar a escola seguinte. Além de prejudicar a faixa, também ocasiona a necessidade de ouvir as faixas na ordem correta do CD – o que eu detesto bastante. Por fim, para um CD com um tempo definido, poderíamos passar mais tempo sem discursos de presidentes ou citações aleatórias e mais tempo COM samba de verdade. É esse o meu pedido. Nota: 9,6 

Grupo Especial

Acadêmicos do Tatuapé: “Sou brasileiro...vou defender minha nação” – Atual bicampeã e com uma discografia de sucesso recentemente, o Acadêmicos do Tatuapé vem com um samba menos inspirado em 2019. Os problemas da obra começam por conta do confuso enredo que não consegue ter uma proposta clara que norteie de fato o seu entendimento. Com setores que não conseguem conversar entre si, o samba fica com uma mensagem de difícil compreensão e tem uma letra com poucas passagens poéticas. Um exemplo claro dessa mistura desordenada é o refrão central que faz uma série de citações afros que não tem nenhum tipo de seqüência tanto antes, quanto depois na letra. Também cito que a repetição do “sou brasileiro” por duas vezes na segunda estrofe também é bem cansativa e, por fim, adiciono que o verso “de tantos carnavais, bambas imortais... respeite por favor” é, além de sem sentido no contexto da estrofe, bastante infeliz por traduzir uma postura um tanto quanto arrogante por parte da escola. Apesar dos problemas, nem só de coisas ruins, a obra vive. A melodia tem bons momentos em praticamente toda a obra - exceto na segunda estrofe. Gosto bastante da célula melódica do refrão central que consegue fazer um trecho que contagia quem escuta. Outro ponto positivo foi a gravação que apesar das muitas vozes, conseguiu trazer um brilho a mais a obra. Celsinho – dessa vez auxiliado por Paula Lima e Lêci Brandão – consegue gravar com competência e deixa a obra mais simpática. Diante desse cenário de desequilíbrio entre letra e melodia e do contexto do enredo, a composição não está entre as que mais me agradam no ano. Nota: 9,4 

Mocidade Alegre: “Vermelho no sangue e na cor” - Vice-campeã em 2018, a Morada do Samba conseguiu se reencontrar definitivamente em todos os aspectos para 2019. Com um enredo forte e culturalmente de alto nível, a escola do bairro do Limão conseguiu um samba interessantíssimo que tem a “cara” da rubro-verde. No contexto do enredo, a escola conseguiu levar um tema bastante válido. A história que retratará a lenda da origem do Rio Amazonas é uma daquelas sacadas que sempre acontecem no Carnaval, mas que sempre geram boas coisas tanto plasticamente quanto musicalmente. Dentro dessa situação, o samba também é muito bem feito. A letra na primeira estrofe é irretocável e conta com versos espetaculares como “em noite proibida de amar, o brilho que aquece a manhã” e “Yara seduz ao cantar na correnteza a caminho do mar”. Outro ponto alto é o ótimo refrão central que retrata com muita clareza e coesão a transição entre os setores do enredo. A segunda parte da obra tem uma ligeira queda de nível na letra, mas nada significativo. Vale a menção para os ótimos versos iniciais da estrofe que sintetizam o setor com muita beleza poética. Por fim, no refrão principal, a escola apela para o emocionante verso “vermelho no sangue e na cor” dando um gás para o trecho. Com essa ligeira queda de qualidade na poesia no segundo trecho, a letra que poderia ser excelente fica apenas muito boa. No mesmo ponto está a melodia que embora tenha grandes momentos como nos refrães e no fim da segunda estrofe, também poderia ser trabalhada de forma mais cuidadosa para ficar irreparável. De qualquer forma, é um dos melhores sambas da safra paulistana e ficou muito agradável de ouvir na voz de Igor Sorriso. Um golaço da Mocidade! Nota: 9,9 

Mancha Verde: “O meu batuque traz a força do terreiro” – Terceira colocada em 2018 e força ascendente para 2019, a Mancha Verde traz a saga de uma princesa negra na estréia de Jorge Freitas na escola. Com um enredo afro, a verde e branco apostou num samba com uma letra bastante descritiva, mas sem grandes qualidades melódicas. A composição da escola aposta em um recital de pontos do enredo para conquistar as notas. De fato, a obra é bem clara em relação ao tema da escola e o enredo fica bem fácil de ser compreendido e isso merece o destaque positivo. Por ser um tema afro, normalmente, isso ocasionaria uma espécie de distanciamento entre público e escola, o que não parece ser o caso nessa trilha. No entanto, as qualidades da letra basicamente ficam nisso. A obra não consegue em nenhum momento algum trazer uma sacada diferente que te faça ficar preso na audição. Nem mesmo o bom refrão central causa comoção quando é tocado. Por conta desse fato, passo a acreditar que o contexto do enredo afro não atingiu o objetivo de trazer uma obra emocionante pra escola, ficando apenas a sensação de que é um samba funcional. Isso fica claro quando se pensamos apenas no contexto melódico da obra que apenas serve como pano de fundo, não trazendo grandes novidades ou trechos inspirados, o que remete que o samba está, mais uma vez, apenas cumprindo o papel de servir de trilha sonora para algo maior. No meu ponto de vista, a escola não será atrapalhada pelo samba, mas ficou óbvio que ele não parece ser o primordial nas pretensões da agremiação. Diante desse cenário e apesar da gravação segura de Freddy Vianna, a alviverde não tem uma obra que me chama muita a atenção. Nota: 9,6 

Tom Maior: “Vermelho e amarelo é o meu DNA!” – Após o melhor resultado de sua história, a Tom Maior apostou num enredo lúdico sobre as interrogações que pairam na cabeça do ser humano. O contexto do tema é o mais Paulo Barros possível e busca trazer ao Anhembi, respostas (ou seriam perguntas?) sobre dúvidas eternas da humanidade. A partir desse fato, a letra não faz nenhum sentido. Sem conexão entre setores, a obra aposta apenas em frases jogadas do começo ao fim. Exemplos claros disso são os versos “Quem irá me responder? É a teoria da evolução, do fruto proibido, o paraíso perdido” que simplesmente não conversam entre si, embora estejam seguidamente na primeira estrofe da obra. Outro ponto que demonstra isso é o refrão central que apesar de ter alguma coerência em termos de construção, não tem nenhuma beleza poética causando até certa “vergonha alheia”. Na segunda parte, a composição aposta em mais frases jogadas, como nos versos “Será que nesse mundo estou sozinho? Depois do fim, qual o caminho? Segredos da imaginação” que são seguidos de versos-exaltação da própria escola como nos exemplos “Mas se um dia, alguém me perguntar, Vermelho e amarelo é o meu DNA”. O refrão principal também não consegue transmitir nenhum tipo de mensagem apelando apenas para o sentimento pela escola mesmo, esquecendo, nesse momento – não só nesse – o enredo. A melodia da obra – assim como a atuação de Bruno Ribas na defesa da composição - também não tem nenhum tipo de brilho extra, apesar do esforço inegável esforço de tentar ser, ao menos, simpática. Sendo assim, considero que a Tom Maior está entre as escolas que ficaram devendo na questão musical em 2019. Nota: 9,2 

Dragões da Real: “Vai eternizar tamanha emoção” – Após os enredos caipiras que geraram o fantástico 2017 e o bom 2018, a Dragões da Real resolveu voltar a linha lúdica e apostou na história sobre o Tempo. A história é bem simples e apostou mesmo na questão cronológica do tempo. A letra é descritiva como já fora em outros anos, mas aposta numa linha mais singela de contar o tema. Com estrofes curtas e uma melodia apressada, a composição passa e a gente nem sente. Em relação a letra, gosto muito dos versos da primeira estrofe que dizem “O homem buscou dominar, segundos contados na areia, a cada invenção, nos ponteiros da ilusão” que resumem bem esse setor do enredo. Outro bom momento da letra é o início da segunda estrofe que conta com os bons versos “somos escravos da hora, senhores do agora num mundo veloz”. Entretanto, já no fim da mesma estrofe, a composição apela para versos mais emocionais para o seu componente, o que atrapalha um pouco o entendimento do tema e quebra a coesão da proposta. Melodicamente, o samba também não é nenhuma maravilha, mas não incomoda. O refrão central tem o brilho maior nesse sentido com células melódicas interessantes em seus versos. Diante desse cenário, Renê Sobral é o maior destaque da faixa e dá um brilho considerável a obra que se não é brilhante, ao menos, não fica devendo. Nota: 9,7 

Império de Casa Verde: “O nosso elenco dando um show na sua tela” – Escrevi certa vez que a Império conseguiu fazer de um limão azedo, uma limonada gostosa, mas devo dizer que estava errada. O limão é até bom e a limonada é uma coisa maravilhosa. Antes de tudo, devo dizer que o enredo da escola me conquistou recentemente e apesar da proposta simplória e lúdica, acredito que o tema será um sucesso de público. A ideia da escola é de fácil entendimento e de uma popularidade incrível, já que falar sobre filmes é sempre algo muito fácil para se encontrar referências de imagens que conseguem traduzir com clareza para o público. Por conta disso, o samba acertou e muito. A letra do samba consegue ser didática e ainda traz referências fáceis contagiando quem escuta. O refrão central, por exemplo, é uma preciosidade. Outro ponto de muita felicidade são alguns versos nas estrofes, como “deixa o vento me levar que eu vou pelo jardim, o lindo toque de magia” e “Romances que tanto marcaram não foram deixados no fundo do mar”. Também considero muito bom o trecho que faz a relação entre o cinema e a escola dando um toque especial para componente sem deixar o enredo de lado. O único ponto negativo, por incrível que possa parecer, é o refrão principal que, a meu ver, ficou meio sem sentido na ótima construção da letra da escola. Apesar de fortíssimo e cheio de swing melódico, o trecho ficou meio como um bônus desnecessário na obra. Melodicamente, o samba também é bem feito. Mesmo com uma proposta diferenciada do que costumamos ver em São Paulo, as células melódicas são bem desenhadas e conseguem transmitir alegria sem perder beleza. No contexto geral, a obra da azul e branco é uma das melhores do próximo ano e teve a ótima atuação de Carlos Júnior com uma adicional importante na faixa. Nota: 9,8 

Gaviões da Fiel: “Sou Gavião e você pode acreditar que não aceito traição” – O jubileu de Ouro dos Gaviões da Fiel vem com um gosto de prata. Comemorando 50 anos de fundação, a Torcida que Samba apostou na reedição após 25 anos do enredo sobre o Tabaco que rendeu o segundo lugar no Carnaval de 1994. A partir desse fato, a alvinegra passou a ter certeza que teria um dos melhores sambas do Carnaval de 2019. Sendo assim, é chover no molhado falar sobre a qualidade do tema e da composição. Se em 1994, o samba já era o melhor daquele ano, em 2019, a distância é ainda maior. A letra é um espetáculo e tem como pontos altos os três refrães que sintetizam bem o norte do enredo e ainda conseguem fazer paralelos interessantíssimos com a própria escola e suas referências. Também gosto muito do começo do samba, onde a obra começa forte já no primeiro verso (É... meu santo é forte não adianta me picar) onde deixa clara a veia mais identitária da composição. Melodicamente, o samba também é irretocável. Obviamente, até pela gravação original de 1994, o destaque na melodia fica pelo famoso refrão “Saravá, Saravá... Salve o santo guerreiro e uma vela pra saudar meu São Jorge padroeiro”, mas todo o samba tem uma melodia bem feita e cheia de swing para que a bateria possa brilhar sem precisar de esforço. Ernesto Teixeira, assim como na gravação de vinte e cinco anos antes, brilha e deixa a obra ainda melhor. Nota: 10,0 

Rosas de Ouro: Onde a vida teve outra chance” – Tentando apagar a imagem recente, a Roseira apostou num enredo sobre a Armênia e sua história. Inegavelmente, a riqueza cultural do país é existente e merecia mesmo essa homenagem, mas musicalmente, a escola ficou devendo e muito. Confesso ao leitor que precisei ler a letra, por mais de cinco vezes, para acreditar que o samba era aquele mesmo. A primeira estrofe não deixa claro o narrador da obra, o que por si só dificulta o entendimento do tema e ainda por cima não consegue sequer transmitir com clareza a mensagem proposta. Um exemplo é a transição melódica entre os versos “Símbolo de força e coragem” e “Deus levou todo o pecado em suas águas” que inexiste e simplesmente não demonstra que há uma mudança na história. No refrão central, outro ponto claro dessa situação acontece nos versos: “Mudou a história, foi preciso seguir, vencer batalhas, não desistir” que além de não ter nenhum tipo de riqueza poética, também não consegue sequer demonstrar do que se refere. Na segunda estrofe, o samba segue pouco claro e não transmite nenhuma riqueza poética. Os versos “a arte que corre nas veias faz nossa gente feliz” sintetizam a pobreza da letra. Mas nada é mais complicado que o refrão principal que consegue ser apelativo e pouco funcional. Por ser um samba com uma construção poética complicada, o refrão principal poderia compensar isso tendo força, mas nem isso, a obra consegue. Nem os versos “Tem que respeitar a minha identidade, Roseira é felicidade”, conseguem tocar o coração do componente com a força necessária. Melodicamente, também não há nenhum destaque para ser citado e nem mesmo Royce do Cavaco conseguiu fazer milagres para compensar as evidentes limitações da composição. Nota: 9,0 

Unidos de Vila Maria: Duas nações, o mesmo ninho”. – Mais uma vez, a Vila Maria apostou num enredo sobre um país. Dessa vez, o escolhido é o Peru e novamente, a escola optou por uma homenagem mais disfarçada, digamos assim. A escola quis contar a história do país tentando criar uma história um pouco menos propagandista e mais cultural. Para isso, resolveu apostar numa construção que evoca o vôo de um condor que viajaria e apresentaria os pilares da sociedade peruana. Apesar de simplória, a proposta não rendeu um bom samba. A letra na primeira estrofe, apela para tentar florear o começo do enredo tentando resumir as qualidades do lugar, mas se torna repetitiva ao citar por várias vezes a mesma coisa, mudando as palavras como nos versos “Império do Sol, no alto dos Andes, onde o pranto do céu formou a nascente” que se refere ao país nas três oportunidades  apenas para “encher a obra”. O mesmo acontece no refrão central, onde o povo peruano é exaltado – já é exaltado no último verso da primeira estrofe  - por mais de três vezes nos versos “Esse povo de pele morena, tem seu valor, pode acreditar, seu tempero, eu quero provar!”. Na segunda estrofe, mais uma vez, são citados elementos culturais do país sem nenhum tipo de critério e, novamente, há repetição de alguns, como na questão da fé que é citada em quatro versos: “A fé em suas divindades, os templos e as orações! Sagradas crenças sejam louvadas em seus andores e procissões”. No final da estrofe, há a batida tentativa de união entre escola e o país que não agrega no entendimento do enredo e também não causa nenhuma empatia em quem escuta. Por fim, o refrão principal até que tenta ser simpático, mas exagera nas repetições de palavras, o que o torna bastante cansativo depois de seguidas audições. Melodicamente, a obra não tem nenhum grande momento, excetuando o bom final de segunda estrofe propício para bossas e convenções da bateria. Wander Pires fez uma excelente gravação e até extraiu mais do samba do que se podia prever. Nota: 9,4 

Vai-Vai: “Pois temos um futuro pela frente” – Querendo se recuperar do péssimo resultado de 2018, a Escola do Povo apostou num enredo afro, mas moderno que conversa com a história sem deixar o que acontece nos dias atuais. A proposta da escola até parece, inicialmente, confusa, mas se torna clara com o samba. É um enredo que traça uma linha histórica dos grandes negros da humanidade e mistura muito bem o que já aconteceu, o que acontece e o que deve acontecer para se construir um quilombo de verdade. Diante desse fato, a obra começa muito bem ao abrir com o verso “Axé...eu sou a negra alma do Bixiga, herança que marcou a minha vida”. Nessa passagem, a escola já consegue encarnar o espírito do enredo com clareza e abrir caminho para contar o tema. Nos versos seguintes, a obra consegue com força e simplicidade contar um tema que parece difícil. Gosto muito da correlação feita nos versos finais da primeira estrofe que consegue unir Mandela e Xangô sem ficar confuso. Na sequência, a obra parte para o trecho mais afro do enredo com citações a orixás, mas com a ressalva da citação aos negros escravos, bastante responsáveis, pela disseminação dessa cultura. Por fim, na estrofe final, vem à crítica mais pesada e com inteligência. Nos versos “a liberdade é minha por direito, não vamos tolerar o preconceito”, a obra consegue fazer uma citação moderna sem ser pedante e ainda abre espaço para a lembrança de que não importa o que aconteça, nós podemos sim, sonhar com um mundo melhor – numa clara citação a famosa frase de Barack Obama na campanha de 2008 – e que para isso, poderíamos contar com o poder cultural da escola, o que fecha com brilhantismo a estrofe. No refrão principal, a força da obra é mantida e a escola consegue ainda citar o seu padroeiro sem se desviar do enredo. Por tudo isso e pela melodia bastante funcional, pro meu gosto, a Saracura tem o melhor samba inédito do ano no Grupo Especial. Na gravação, a intérprete Grazzi Brasil fez uma interpretação correta. Nota: 10,0 

X-9 Paulistana: “Não subestime um filho de Xangô”- Após as críticas de 2018, a X-9 apostou numa encomenda a um time de craques da composição de samba-enredo. Com um enredo sobre Arlindo Cruz, a escola da Parada Inglesa apostou numa obra classuda e com uma letra superior a melodia. A composição da escola consegue cativar em termos de letra o ouvinte. Logo de cara, a emoção é acionada com os versos “não subestime um filho de Xangô a recompor a vida  que relembra a luta do cantor por sua saúde nos últimos meses (Arlindo teve um AVC em 2017). Na sequência, uma série de qualidades do homenageado são citadas, assim como detalhes de sua vida e carreira, como o casamento com a porta-bandeira Babi Cruz e o grupo Fundo de Quintal. Na segunda estrofe, a composição aposta no detalhamento da fé do cantor e de suas lutas sociais. Até aqui, em termos de contar o enredo, o samba beira a perfeição. Por fim, a associação entre X-9 e Arlindo é feita com imensa qualidade nos versos finais da estrofe e no refrão principal. Sendo assim, fico com a nítida impressão de que se trata da melhor letra do grupo no ano, mas a melodia fica um pouco abaixo. Acredito que a transição melódica dos versos na primeira parte e da segunda estrofe não é a mais adequada. Assim, como no refrão principal, as células melódicas se tornam um tanto quanto enjoativo a cada audição, o que não me causa boa impressão pensando na funcionalidade da pista. Diante desse contexto, apesar da inegável beleza do samba da escola, eu acredito que poderia ter sido um pouco melhor. De qualquer forma, um dos melhores sambas do ano. Darlan, com auxílio de Arlindo Neto, gravou com competência. Nota: 9,9 

Águia de Ouro: “Em planos, um país descolorido, saqueado e dividido” – Voltando ao Grupo Especial, o Águia de Ouro resolveu sacudir o mercado do Carnaval Paulistano. A escola contratou Laíla que após quase trinta anos retornou a terra da garoa para ajudar na construção do desfile da azul e branco. O enredo acabou tratando da história do Brasil de uma forma politizada e o samba acabou sendo fruto de uma junção de quatro obras finalistas que culminou na quebra do recorde do número de compositores de um samba no Grupo Especial Paulistano. Nada mais, nada menos que trinta e três pessoas construíram o samba do povo da Pompeia. A letra da obra é bem feita, apesar da junção, e conta o enredo com certa coerência. Apesar disso, não gosto muito da transição histórica do tema ser pouco cuidadosa, especialmente na segunda estrofe. Outra coisa que não me agrada em nada é a questão das aspas que não agregam numa construção e pouco interferem para a compreensão do tema. No entanto, mesmo assim, a obra tem bons momentos como no refrão central onde a letra e a melodia caminham perfeitamente tendo um ponto alto. Outra citação que merece destaque é a bela sacada do verso “Em planos, um país descolorido, saqueado e dividido” que resume muito bem muitos dos acontecimentos políticos das últimas décadas. Por fim, o refrão principal é bem feito e tem a melhor célula melódica do samba. A melodia tem problemas, especialmente nas transições entre os setores – acredito que pela junção. Também me incomoda a repetição da célula melódica nos versos “Mãe, por que não te fizeste mais gentil ? Mãe! Por eles batizada de Brasil”. De qualquer forma, é um samba bem construído e que é um dos destaques positivos da safra. Tinga, estreando no Águia, e Douglinhas gravaram muito bem e contaram com ótimo auxílio da Batucada da Pompeia. Nota: 9,7 

Colorado do Brás: “Canção é sentimento...alegria que o povo ecoou”- De volta ao Grupo Especial após 26 anos, a escola do Brás traz um dos melhores sambas da safra deste ano. O enredo da agremiação é sobre a independência do Quênia que na época deu origem a música e lema – que se tornou famoso no filme Rei Leão 3 – Hakuna Matata. Com uma história rica em detalhes e em termos culturais, a composição acertou em cheio na construção da letra sendo muito feliz em vários trechos. As passagens iniciais “a corrente se quebrou, o chão estremeceu, liberdade amanheceu em lindo raio avermelhado” dão a tônica de uma obra forte. Ainda na primeira estrofe, o encerramento é feito no lindo verso “África orgulha seus ancestrais”. Ao contrário de outros enredos africanos, o Colorado apostou num tema que fala mais sobre a felicidade e as coisas boas que existem no continente. A meu ver, uma sacada inteligente. Na segunda estrofe, me chama a atenção os versos finais que falam propriamente sobre a música que é o título do enredo. Os versos “A natureza se curvou ao rei não há problemas, se aprender assim, eu sei...” são espetaculares e traduzem todo o contexto da música dentro do enredo, sem cair numa citação forçada. Muito, muito bom. Por fim, também elogio os ótimos refrães e a boa interpretação de Chitão Martins que gravou muito bem e ainda conseguiu um dos melhores momentos do CD na FANTÁSTICA introdução do samba. Um espetáculo. Nota: 10,0 

Acadêmicos do Tucuruvi: “Por que se esqueceu dos seus ideais? Somos todos iguais”- O enredo do Tucuruvi para 2019 ainda não se fez entender completamente em minha visão. A fala sobre a liberdade é óbvia e é contextualizada de forma muito positiva, mas em muitos momentos, a impressão que se passa é de uma tentativa – quase bizarra – de ser isento politicamente, o que torna a proposta da escola sem sentido nenhum. Nesse cenário, fico quebrando a cabeça para entender os motivos que levaram a escola a optar por uma letra que praticamente briga entre si em vários momentos. Um ponto que me chama a atenção em especial é o contraste entre os estilos do refrão principal e de outras partes do samba. Se em suas estrofes, há versos como “caminhando contra o vento, eu vou...pra quebrar as correntes”, no refrão principal, temos “Meu brado é forte, quero mudança, avante filhos da esperança”. Isso causa uma espécie de debate dentro da própria letra que atrapalha o entendimento do enredo. Outro ponto que me causa uma impressão ruim do samba é a transição melódica em vários versos, como no “quem sabe faz a hora, não espera acontecer, apesar de você...”. Além de não fazer sentido no contexto da história, o que já seria ruim por si só, o trecho também me causa uma impressão bem complicada em termos de melodia. Diante desse contexto e dos problemas que enxergo tanto na letra quanto na melodia, a escola apesar de ter bons momentos na obra, não me causou nenhum grande arrebatamento. Leonardo Bessa em sua estréia na escola acabou gravando com segurança. Nota: 9,6

Grupo de Acesso

Encerrados os trabalhos de análise do Grupo Especial, vamos analisar as oito obras que estarão presentes no Domingo de Carnaval no Anhembi. 

Unidos do Peruche: “Somos a semente do amor que não tem raça e não tem cor” - Após o rebaixamento de 2018, a Filial do samba apostou num enredo afro que gerou uma obra bem superior a do ano anterior. Deixo claro que esse samba é bom, mas pelo CD, não me parece muito bem gravado não. É uma obra muito bem construída tanto em letra, quanto em melodia, mas que, a meu ver, não tem seu potencial explorado por completo devido ao seu estilo ser incompatível com o do cantor e por conta de uma gravação que apostou num estilo mais dolente, tirando o swing da composição. Mesmo assim, é importante destacar a ótima melodia que é viciante. Um trecho em especial que vale a menção é o refrão central. Os versos “Mar de lamento, lembrança de outrora, é forte a fibra de uma nação” tem uma célula melódica simplesmente espetacular. Entretanto, é importante falar que o bom intérprete Toninho Penteado, apesar do inegável esforço, não gravou muito bem não. Nota: 9,9 

Independente Tricolor: “Renasce das cinzas, meu grande amor de Carnaval” – Depois do complicado desfile de 2018 e o rebaixamento ao Acesso, a Independente Tricolor apostou num enredo que fala sobre uma história de amor que traça um paralelo com a escola. Confesso que nas primeiras audições, a obra não me chamava a atenção, apesar de descritiva. Melodicamente, a obra é contagiante e cresce muito com o passar do tempo. Gosto muito da célula melódica do trecho “Na retomada dessa história divinal, faz a festa e vem cantar: Pra sempre vou te amar”. Outro ponto que vale a menção é o ótimo refrão central. Apesar disso, fica claro que o samba não é perfeito e em algumas passagens fica um tanto cansativo – até por ser longo -, mesmo assim, é um belo samba que merece destaque na safra. Rafael Pinah, sozinho dessa vez, gravou com extrema competência. Nota: 9,9 

Barroca Zona Sul: “Iluminando meu caminho especial” – Após o surpreendente terceiro lugar de 2018, a escola da Zona Sul apostou num clássico enredo afro para tentar chegar ao Especial. Embora a história até seja rica em termos culturais, pro meu gosto, ficou devendo. É um tema óbvio que certamente irá levar a agremiação a ter um desfile competitivo, mas eu considero muito pobre. O samba também segue esse caminho. É uma composição óbvia, previsível e que me causa impressão de arrastamento. Embora a letra e a melodia não tenham nenhum grande problema – só a previsibilidade é muito incômoda -, o samba não te causa nenhum tipo de comoção ou emoção. Além disso, a escola aposta em muitas soluções de gosto duvidosas, como no verso “iluminando meu caminho especial” que tenta fazer menção ao objetivo de chegar a elite (Grupo Especial). Sendo, para o que eu penso de Carnaval, a escola não me agradou. Pixulé, apesar da habitual competência, fez uma gravação tímida. Nota: 9,7 

Nenê de Vila Matilde: “Vila Matilde, hoje é Portela” – A Nenê de Vila Matilde apostou numa homenagem a Portela para tentar voltar ao Grupo Especial. Confesso que tenho restrições a homenagens a escolas cariocas quando feitas por escolas paulistanas. Questão, puramente, de gosto pessoal. Mas nesse caso, eu achei válido por tudo que envolve na relação entre as duas escolas. Posto isso, achei o samba bem feito, embora um tanto quanto previsível também. A ideia do diálogo entre Paulo da Portela e Seo Nenê é excelente, mas gerou uma solução óbvia de dividir o enredo em duas fases. Uma que fala da Portela e outra que aborda a Nenê. Diante disso, apesar da construção interessante, o samba ficou clichê. Melodicamente, o samba também tem saídas interessantes em alguns pontos e óbvias em outros. O trecho que mais me chama a atenção positivamente é o refrão central. Por fim, cito que Agnaldo Amaral deu um charme a mais a obra, fazendo com que seu potencial fosse totalmente explorado. Nota: 9,8 

Pérola Negra: “E ver brilhar o sol de um novo dia” – Tentando voltar ao Grupo Especial, o Pérola Negra apostou num enredo a vertente africana de Nossa Senhora Aparecida.  Com uma linhagem afro, a Joia Rara apostou num samba classudo em termos melódicos, mas previsível em excesso. A letra não tem nenhuma grande sacada e a melodia chega a ser incômoda por ser demasiadamente reta. Não há nenhuma variação para que possamos citar como um ponto positivo. Na letra, ao menos, cito que o enredo é muito bem construído em termos de contar a história. Em todo o tempo, dá pra se entender do que o tema tratará em 2019. Mesmo assim, não consigo sentir nenhum tipo de emoção ou fico motivado ao ouvir o samba. É uma audição arrastada, admito. Por tudo isso, Daniel Collête acaba sendo um destaque positivo da faixa, mesmo sem viver um dos seus melhores dias. Nota: 9,7 

Leandro de Itaquera: “Guerreiro de luz...Itaquera te chama” – Após um sexto lugar pra lá de complicado em 2018, a Leandro de Itaquera fez um enredo que caberia tranquilamente no Grupo Especial. A obra sobre a cidade de Ubatuba e sua vertente religiosa é de uma abrangência incrível que valeria muito ser vista no principal grupo da cidade. Mesmo assim, já merece destaque no Grupo de Acesso. O samba é o resultado disso. Confesso que tirando a reedição de 2017, tenho imensa dificuldade de citar três sambas melhores da escola desde a virada do século. A obra é cheia de transições melódicas interessantíssimas. Vou destacar o refrão central como um destaque maior, mas a melodia do verso “E o cafuzo nascido na canoa, no ritual, Ubatuba batizado” é absolutamente impecável. Além da melodia de alto nível, cito a extrema competência da letra que consegue retratar todas as passagens do enredo, sem cair em contradições ou falta de coesão. Muito, muito bom! Por tudo isso e pela ótima atuação de Juninho Branco, é um dos destaques do CD do Acesso, pra mim. Nota: 10,0 

Camisa Verde e Branco: “O meu personagem é negro também” – Com um divertido enredo sobre os musicais da Disney cantados na África, o Trevo da Barra Funda tinha tudo para retomar o seu glorioso caminho, mas errou no que costuma ter de melhor – o samba-enredo. É difícil admitir que a escola que tem uma das melhores discografias da cidade irá levar essa obra pra avenida, mas a gente até tenta. O samba também segue a linha do enredo de tentar ser animado e divertido, mas não consegue contagiar pelas suas evidentes limitações. Melodicamente, até que a obra não é de todo ruim não. Gosto bastante dos trechos melódicos do refrão central e do início da segunda parte, mas é na letra que o negócio complica. São vários trechos complicados, como “um beijo de esperança para vida, é um milagre, a princesa adormecida despertou” e “vejo o mundo mais bonito do tapete voador” que beiram o trash. Complicado. Mesmo diante de uma das melhores interpretações da carreira do bom intérprete Tiganá, a verde e branco fica com o samba mais limitado do CD do Grupo de Acesso. Nota: 9,3 

Mocidade Unida da Mooca – “Eu vejo o mundo no estandarte de um cordão”- Antes de tudo confesso ao leitor que sempre me emociono ouvindo esse samba – especialmente na versão do CD. É impressionante como esse enredo foi escolhido com uma riqueza de detalhes que merecia estar no Grupo Especial. Posto isso, falemos dele e do samba. Estreando no Grupo de Acesso, a Mocidade Unida da Mooca resolveu contar a história da origem do símbolo de toda escola de samba – o pavilhão. O enredo é de uma simplicidade tocante que beira a genialidade. Sabe aquele ditado que menos é mais. É exatamente isso aqui. Com o acerto na escolha do tema, o samba encomendado não ficou por menos. A obra da rubro-verde é uma das melhores que eu já vi no Carnaval Paulistano. Ainda não decidi qual dos muitos espetaculares trechos da canção é o meu favorito, mas sempre sinto um arrepio maior no “Sou eu quem chora o açoite, na sombra da noite, quem singra o mar”. É o que cito acima, é simples, mas tocante. É coisa de gênio. Além dele, vale a menção os refrães centrais e principal que são espetaculares e o fortíssimo trecho “Saudade, se traduz em poesia, num lindo pavilhão a tremular, és a bandeira do samba, manto sagrado, a ti vou me curvar” que consegue sintetizar o enredo com uma beleza singela. Por tudo isso, pra mim, a obra desponta como a melhor da cidade em 2019 e ainda disputa com vários outros de anos anteriores como a melhor da década em minha opinião. A gravação com Eliana de Lima, Dom Marcos e a dupla Cleyton Reis e Guilherme Cruz é de chorar. Um espetáculo daqueles! Nota: 10,0

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