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Os sambas de 2017 - Série A por Marco Maciel As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile A GRAVAÇÃO DO CD – Leonardo Bessa se valeu do velho ditado, aquele que diz que em time que se está ganhando... Mesmo após o premiado e elogiado trabalho de 2015, o músico teve sua longa sequência na produção dos discos do Acesso interrompida pela LIERJ. Entrou Ivo Meirelles e seu estilo experimental e "roots", com direito a tamancos, espírito de Silas de Oliveira, tosses e conversa no meio da bossa. Após as contestações ao álbum, Ivo foi sacado e Bessa devolvido ao posto. E o intérprete do Salgueiro dá continuidade à filosofia do CD de 2015, com uma produção absolutamente idêntica para o disco de 2017, sem tirar nem por. A melodia é a total prioridade, com o excesso de cordas e teclados reforçando cada verso com precisão milimétrica e a primeira passada sem bateria. O ritmo é cadenciado e em nada lembra o clima da avenida, servindo como contraponto para os atuais CDs do Grupo Especial, sendo 100% estúdio e remetendo a shows acústicos. O que gera debates entre os simpatizantes da bateria pesada, coral de componentes das escolas altíssimo e atmosfera de ao vivo nos discos com os que preferem os arranjos sofisticados, que visam valorizar cada sílaba da melodia e a voz do intérprete, além do coral ser profissional, em produções que atraem elogios de críticos conservadores, como faz Bessa. O CD da Série A 2017 traz produções memoráveis, como as das faixas de Unidos de Padre Miguel e da Acadêmicos do Sossego, abertura e encerramento do disco respectivamente. A Renascer apresenta o melhor samba do grupo, seguida de perto por Cubango e Sossego. Império Serrano e Padre Miguel integram o segundo pelotão. Viradouro, Estácio, Porto da Pedra e Rocinha despontam a seguir com obras de audições agradáveis. Apesar dos problemas do samba da Império da Tijuca, a escola tem um trecho antológico que vale por toda a faixa. A expectativa para os próximos anos será se Bessa irá manter o mesmo estilo bem-sucedido, sem a preocupação em parecer repetitivo. NOTA DA GRAVAÇÃO: 9,8 (Marco Maciel). 1 – UNIDOS DE PADRE MIGUEL – “O samba é o remédio da alma”. A vermelho-e-branco abre pelo segundo ano seguido o CD da Série A. E em grande estilo. Para exaltar Ossain, o orixá das folhas e da cura, Padre Miguel cantará um belíssimo samba, como não poderia deixar de ser em se tratando de um enredo afro. A poderosa cabeça da obra é a melhor parte, em que os "tambores da floresta" dão um tempero especial no arranjo nos quatro primeiros versos, dando um toque de sofisticação na faixa, um primor em termos de produção e servindo com um grandioso cartão-de-visitas para o belo disco. Como é característico na temática, a melodia pesada prolifera, bem como os refrães fortes. Em interpretação segura, o estreante na agremiação Pixulé valoriza muito a obra. NOTA DO SAMBA: 9,6 (Marco Maciel). 2 – VIRADOURO
–
“Gira boneca, brinca de porta-bandeira”.
O registro é tomado pela emoção. O carinho de pai
pra filho e de filho pra pai de Zé Paulo Sierra e Dominguinhos
do Estácio no começo da faixa é tocante. Senhor
Domingos é merecedor de todas as reverências e retorna
à Viradouro depois de 10 anos saudado por Zé Paulo, que
vive o melhor momento da carreira e forma uma ótima dupla com o
veterano intérprete no CD. Para o enredo de temática
infantil, o samba é correto, leve e exibe a pureza pedida,
através da imaginação das crianças e
impulsionada poeticamente pelos versos do clássico "Todo Menino
é um Rei", imortalizado na voz de Roberto Ribeiro e reproduzidos
antes do curto e eficiente refrão central. O hino é bem
mais funcional se comparado ao antológico samba-enredo de 2016
da escola, mas perfeitamente adequado para o estilo do carnavalesco
Jorge Silveira. NOTA
DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 3 - ESTÁCIO –
“É bonita! O que é diga lá meu Leão”.
Quis o destino que Daniel Gonzaga, filho do homenageado Gonzaguinha,
fosse premiado com a vitória na disputa do Berço do
Samba, que presta um justo tributo ao filho do Morro de São
Carlos, um dos grandes compositores da nossa música. O hino
biográfico em primeira pessoa não apresenta tantas
surpresas, vindo num estilo mais emotivo e bem defendido por Thiago
Brito. O falso refrão principal (expediente que está
virando moda de vez) inicia as muitas e já esperadas
citações às canções do filho de Luiz
Gonzaga (muito presentes também na sinopse), recordando "O Homem
Falou" nos "eô eô eá". A primeira parte, inspirada
na composição "Com a Perna no Mundo", tem como ponto
forte a repetição de "ô Dina", referente à
mulher que cuidou do pequeno Gonzaguinha no bairro de Ismael. O
refrão central no ritmo do baião é sugestiva na
parte referente ao pai, e é o trecho mais animado. A segunda
mantém a dolência da primeira e, apesar das muitas aspas,
sua poesia consegue passar bem a ideia, ainda que os compositores
em determinados momentos deixem as rimas de lado, procurando deixar o ouvinte mais familiarizado
com o samba através das inúmeras lembranças das
músicas do saudoso compositor. NOTA
DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 4 - IMPÉRIO SERRANO –
“Você já sabe quem sou pelo toque do agogô”.
O Reizinho de Madureira nos brinda com um excelente samba, o que
não é novidade alguma em se tratando da verde-e-branco.
Para exaltar a obra do poeta Manoel de Barros e seu menino Bernardo, o
guardião pantaneiro, os compositores lançaram uma obra
com muitas virtudes e que, em meio aos versos do poeta, também
exalta os 70 anos da escola. Auto-exaltação espalhada por
toda a letra, tanto no forte e único refrão quanto nas demais partes. O samba tem uma primeira valente, e o
nível melódico vai crescendo a cada verso, com o falso
refrão do meio (cada vez mais frequente nos sambas-enredo
atuais) também se destacando. O ápice do hino chega na
sua segunda parte, cuja íntegra resulta num dos mais inspirados
e lindos trechos melódicos do ano, encerrando com a
menção ao clássico samba de 1992 "Abra meu livro
pois tu sabes ler". A faixa se torna ainda mais impecável pela
arrebatadora atuação de Marquinho Art'Samba, a melhor do
disco. NOTA
DO SAMBA: 9,8 (Marco Maciel). 5 - PORTO DA PEDRA –
“Tem marchinha até o dia clarear”.
Para cantar as marchinhas carnavalescas, nada mais sugestivo do que a
faixa iniciar com a participação do Cordão do Bola
Preta. Anderson Paz mais uma vez tem um brilhante desempenho ao
defender com segurança o bom e animado samba do Tigre, que
você grava inteirinho rapidamente. A cabeça é
ousada, com uma melodia fortíssima e não tão comum
no verso Vai chover, já que geralmente se utiliza algo
melodicamente mais leve logo após o refrão principal.
Não à toa, o canto no disco começa com a
cabeça ao invés do refrão. A primeira parte
é de alto nível e é a melhor do hino. Os dois
refrães são corretos e a segunda parte se destaca nos
últimos versos, muito bem valorizados por Anderson. Na letra,
são inevitáveis as muitas citações
às marchinhas, o que dispensa qualquer sinopse para saber o que
será apresentado na avenida. NOTA
DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 6 - CUBANGO –
“Com prazer sou João, um certo Nogueira”.
A obra tem
João Nogueira como fio condutor numa homenagem também ao
centenário do samba e sua inspirada e muito bem variada melodia
sustenta perfeitamente a grande extensão da letra, toda em
primeira
pessoa, e que dispensa o refrão do meio. O único de dois
versos é
fantástico. O trio formado por Hugo Júnior, o filho do
homenageado Diogo e a cantora Thaís Macedo (recentemente
coroada rainha de bateria da escola) conduz bem o samba-enredo na
faixa. Com lirismo, a belíssima letra passeia pela
história do samba, remetendo a grandes canções do
poeta. A impressão dada é que cada verso fora
psicografado por João do céu, com trechos impressionantes
como Vou viver pra sempre nesse manto/existir nesse azul/repousar no teu branco, além da melodia ser primorosa em Por onde andarás morena/cabrocha que roubou meu coração.
Para o desfile, a harmonia tem que trabalhar os vários versos
cantados rapidamente, o que acarreta algumas falhas de
métrica, como Reinando no auge do seu centenário, além do sempre temido erro de prosódia que o jurado pode implicar em a cuRÁ da mente e do coração. Mas é mais uma grande obra para o riquíssimo acervo da Cubango. NOTA
DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel). 7 - IMPÉRIO DA TIJUCA –
“Yaô Xangô é protetor”.
Para o enredo sobre São João Batista, a
verde-e-branco do Morro da Formiga aposta num samba denso, pesado e
irregular, que alterna ótimos momentos com outros contestados. A
letra também é extensa, mas a melodia nem sempre garante
sua sustentação. O refrão principal é
retilíneo e não empolga, enquanto o central é de
boa qualidade, ainda que longo. A melodia de versos como Sou teu seguidor nessa missão
não me agrada. No entanto, a parte logo após o
refrão do meio que faz a menção à umbanda é disparadamente a melhor
do samba, impecável em todos os sentidos, que vale pela audição de toda a faixa. Porém, na
citação às festas que dá sequência ao
samba, a obra volta a dar uma caída, com direito a trecho
idêntico ao do samba-enredo da Mangueira de 2016 (A sinfonia com a zambumba e viola - De pé descalço, puxo o verso e abro a roda).
Enfim, é um hino complexo com tendência de arrastamento,
que nem o experiente Rogerinho consegue dar conta em alguns
momentos. Mas é uma delícia ouvir o trecho a partir de Na umbanda ele é o rei Xangô/Kaô Kabecilê... NOTA
DO SAMBA: 9,2 (Marco Maciel). 8 - RENASCER DE JACAREPAGUÁ –
“Oh mestre-sala quem te ensinou a bailar”. Um primor de enredo e de samba. A Renascer consolida o bem-sucedido expediente da encomenda do samba pelo quarto ano seguido,
mais uma vez com a dupla Diego Nicolau (que se integra ao time dos
autores Moacyr Luz e Claudio Russo) e Evandro Malandro
entrosadíssima. A esclarecida letra dispensa a sinopse para o
entendimento do enredo, já que o texto não foi divulgado
pela escola. Baseado no documentário "O Papel e o Mar", a
Renascer situa numa mesma época a catadora de papel e escritora
Carolina Maria de Jesus e o "almirante negro" João
Cândido, dois negros guerreiros que lutaram pela gente da
raça, num encontro imaginário. A primeira parte é
em primeira pessoa, com Carolina se dirigindo ao mestre-sala dos mares
numa poesia comovente e fora-de-série. Não tem como
não se emocionar com a força de versos como carrego papelão você carrega sua cruz, eu fiz dos versos minha fortaleza pra morar, sou a filha da miséria/você nasceu pra guerrear/nós somos a liberdade/eu sou papel você é o mar, além da inteligência de rimar o "nós" substantivo com o "nós" pronome no segundo refrão.
Na segunda parte, os compositores optam pela terceira pessoa na
referência a João Cândido. O samba mantém o
altíssimo nível poético e melódico,
misturando dolência e valentia para recordar a Revolta da
Chibata, até explodir no esplêndido refrão principal. O
melhor samba do ano na Série A. NOTA
DO SAMBA: 10 (Marco Maciel). 9 - INOCENTES DE BELFORD ROXO –
“O vilão na avenida é vencedor”. A Inocentes coloca como protagonistas do enredo... os antagonistas.
O samba é animado, remetendo a composições dos
anos 90, porém sem brilho. O refrão principal tenta
provar que é possível virar do avesso... de trás
pra frente. Na sequência, apela para o velho clichê do amor
com tô que tô, que há algum tempo não era
ouvido. Apesar de alguns problemas da letra, a mesma apresenta soluções
interessantes como eu não sou marginal, sou marginalizado/beijo roubado não é pecado e por onde andam os heróis do meu Brasil/ninguém sabe ninguém viu.
A segunda parte tem uma leve melhora na melodia, mas nada que desperte
tanta atenção, nem mesmo do componente que é
Inocentes "de baixo pra cima", passando despercebido na safra. Nino do
Milênio tem desempenho seguro na faixa. NOTA
DO SAMBA: 8,6 (Marco Maciel). 10
– ALEGRIA DA ZONA SUL
–
“Na Alegria o batuque é de arerê”.
Beth Carvalho é o tema da Alegria que proporciona à
escola um samba correto, de audição agradável e
muito bem interpretado por Igor Vianna. O refrão principal
é pra cima, com uma primeira bem gingada e balanceada. O
refrão do meio já é mais dolente. Na segunda
parte, no entanto, há uma ligeira queda na qualidade da obra,
que melhora apenas nos últimos versos que servem de gancho para
o refrão. Cheio de aspas
referentes às canções consagradas pela madrinha do
samba, o hino é simpático, mas também não
chama tanta atenção na safra. NOTA
DO SAMBA: 9,0 (Marco Maciel). 11
– CURICICA
–
“É o amor, meu amor, é fogo e paixão”.
O tema da Curicica é a nostalgia com lembranças dos velhos
tempos, o que deverá gerar um desfile com elementos de
fácil identificação e descompromissado. Dessa
forma, o samba é simples e com muitas aspas de músicas e
situações espalhadas pela letra sem
preocupação com linearidade e a ordem das
épocas em que foram lançadas, tudo misturado mesmo. Fruto
de uma fusão, o hino (bem defendido por Ronaldo Yllê) se
equivale a muitos que
costumam desfilar na Intendente, sem muita ambição e
visando apenas brincar na pista. As maiores curiosidades
são a redução de "menina" para "mina veneno" pra
caber na melodia do refrão do meio, além dos versos Mais educação para esse povo varonil/salve a juventude do Brasil
remeterem àqueles que a Beija-Flor apresentava nos anos 70 antes
da chegada de Joãosinho Trinta e Neguinho, apesar dessa
não ter sido a intenção dos compositores da Curicica. NOTA
DO SAMBA: 8,5 (Marco Maciel). 12
– SANTA CRUZ
–
“Vibrante alegria, gigante aventura”.
Outra junção do grupo, é mais uma obra que acaba
tendo fins mais funcionais. O tema é a literatura infantil, que
não é novidade no Carnaval, mas que no desfile da Santa
Cruz terá uma lenda africana como introdução, com
o continente sendo a fonte da sabedoria, para depois vir a
sequência com o mundo da fantasia, as citações aos
contos de fadas e a exaltação a Monteiro Lobato e aos
demais escritores brasileiros. Os dois refrães são
eficientes, principalmente o do meio. O começo da segunda parte
é a mais interessante do samba em termos de melodia. No mais,
é uma obra apenas discreta, que cumpre tabela no disco. Como
destaque na faixa, a manutenção da excelente parceria
entre Carlinhos Pavarotti e Gabby Moura. Cada vez mais entrosados, a dupla
começa a exibir uma ótima química, tal qual
Bessa-Serginho no Salgueiro e Nicolau-Malandro na Renascer. NOTA
DO SAMBA: 8,9 (Marco Maciel). 13
– ROCINHA
–
“Oh mestre, aonde estiver...”.
A Borboleta Encantada, pra homenagear o saudoso carnavalesco Viriato
Ferreira, apresenta um samba envolvente, que ganha ainda mais corpo com
a vibrante interpretação de Leléu. A letra enumera
a trajetória do artista, citando seus principais desfiles, como
sugere qualquer enredo biográfico. Os refrães são
fortes, e o do meio alia bem valentia e lirismo pra falar da
relação de Viriato com Joãosinho Trinta. Afinal,
algumas
línguas dizem que, sem Viriato, não haveria ratos e
urubus... As demais partes também apresentam um bom conjunto
melódico, aprecio a transição do fim da primeira
parte para o refrão do meio. A única ressalva
é o trecho Amor... de Ramos vi brotar a linda flor/e hoje colhe os frutos que plantou lembrar o da Caprichosos de 2016 (Então... da vida esqueci as ilusões/com a bola conquistei os corações). Mas a Rocinha terá um bom samba para o desfile. NOTA
DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 14 – ACADÊMICOS DO SOSSEGO
–
“Muito prazer, eu sou Zezé”.
Pra fechar o CD, uma das mais emocionantes gravações de
um samba-enredo. Zezé Motta já tinha inspirado um samba
fantástico para o Arrastão de Cascadura em 1989, rendendo
o Estandarte do Acesso para a escola. Quase 30 anos depois, Zezé
retorna à Sapucaí como homenageada com uma obra que
reflete o auge criativo da parceria de Felipe Filósofo, que
já tinha gerado em 2016 para a mesma Sossego um samba
incrível sobre a obra de Manoel de Barros (tema semelhante ao do
Império Serrano) que impulsionou a escola ao título do
Grupo B, isso sem contar a obra-prima da Viradouro do ano passado.
Mesmo com a agremiação niteroiense tendo a sempre ingrata
missão de abrir os desfiles na sexta-feira, a
opção foi pela ousadíssima letra que mescla
primeira com terceira pessoa: um samba-diálogo. Propício
para Zezé cantar, numa atuação teatral, os versos
em primeira pessoa, enquanto Leandro Santos entoa os em terceira, como
se a letra fosse uma conversa. O refrão principal é
longo, mas fortíssimo e de excelente melodia, com as
repetições dos versos dando um ótimo efeito. O
conjunto melódico é todo dolente, gerando
emoção da primeira à última linha, como na
citação à peça Roda Viva antes do belo
refrão do meio e a abertura da segunda parte. A poesia
também é sofisticada, pois consegue dar sentido às
várias aspas presentes. A única ressalva à
belíssima obra que faço é a pouca
variação melódica nos últimos versos da
segunda, antes do refrão principal. Mas nada que comprometa.
Leonardo Bessa fecha lindamente o CD com essa produção
primorosa. NOTA
DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel). |
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