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Os sambas de 2016 - Série A por Marco Maciel

Os sambas de 2016 - Série A por Marco Maciel


As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

A GRAVAÇÃO DO CD – Mesmo com o êxito de crítica e público do CD de 2015, que rendeu um disco de ouro em função das 40 mil cópias vendidas, Leonardo Bessa não foi mantido pela LIERJ para a produção do álbum seguinte. O cargo voltou a ser de Ivo Meirelles, responsável pelo CD de 2009 da extinta LESGA. A LIERJ inovou ao vender o álbum inicialmente nas plataformas digitais. Mas o produto final gerou muitas críticas negativas e diversas contestações. Na intenção de priorizar o canto do samba-enredo, Ivo deixou o grito de guerra do intérprete pro meio da faixa, durante a segunda passada do refrão principal. Ivo já havia cortado alguns gritos no disco de 2009, pra efeitos de comparação. A primeira passada em ritmo de pagode, como se o cantor entoasse o samba no bar, não causou boa impressão, embora eu já tenha me acostumado. Ivo planejou um efeito semelhante ao da faixa da Mangueira de 2012 - quando presidia a escola -, que popularmente ganhou o apelido de "We Are the World" do samba. Mas ali erros graves de mixagem são percebidos. Na faixa imperiana, o eco que sobrepõe a voz de Pixulé exatamente no momento em que a letra menciona a partida de Silas de Oliveira, motivou brincadeiras como a insinuação que é o espírito do Viga-Mestre que baixa naquele instante. No samba da Porto da Pedra, há uma pausa brusca entre o refrão central e o começo da segunda parte, com o microfone de Anderson Paz desligado no momento em que ele solta um caco. No encerramento da faixa da Tuiuti, é possível ouvir uma componente tossindo. No fim do canto da Santa Cruz, no momento em que a bateria começa uma bossa, nota-se a voz de alguém balbuciando algo. O nível melhora com a entrada da bateria na segunda passada, mas sem o mesmo brilho das baterias do CD de 2009, e o excesso de pratos não era necessário. Ao contrário do CD de 2015, tanto cordas quanto o coro ficam em segundo plano, com a responsabilidade quase que exclusiva dos intérpretes. Aliás, o coro em algumas faixas é muito fraco, chegando a ser inexpressivo. E a influência do Funk'n Lata de Ivo fica clara no final das faixas, com bossas semelhantes ao grupo de percussão criado pelo ex-presidente mangueirense, mais os integrantes das baterias entoando os gritos de guerra destas. Apesar dos problemas relatados, o CD dos sambas-enredo da Série A reserva ótimos momentos, como o jongo que encerra a faixa do Império Serrano (o momento mais emocionante do álbum), as brilhantes participações de Gabby Moura e Elba Ramalho e a produção da faixa do Alegria da Zona Sul, de longe a melhor do disco. Sobre a mediana safra, o samba do Alegria só não supera a lindíssima obra da Viradouro, que merecia um registro fonográfico melhor. Tuiuti, Renascer e Santa Cruz são outros destaques da temporada. Após o belo CD de 2009, que deu ênfase às baterias e à força do coro da comunidade (ainda que alguns desafinados, mas que inseriam emoção), Ivo Meirelles retornou dando prioridade ao canto do samba e à voz do intérprete, resultando num produto final um tanto frio. Mas se for mantido na empreitada pela LIERJ para o CD de 2017, precisa rever alguns conceitos. Como se espelhar mais no ótimo disco da LESGA-2009, produzido por ele mesmo. NOTA DA GRAVAÇÃO: 8 (Marco Maciel).

1 – UNIDOS DE PADRE MIGUEL – “Liberdade ainda que folia”. A vermelho-e-branco de Padre Miguel abre o CD com um samba bem humorado, cujo enredo irreverente deixa claro que o velho jeitinho brasileiro é oriundo dos tempos de Cabral, e a influência da corrupção vem do Rei Dom João VI. Afinal, quem tem muito, sempre quer ter mais. O samba é correto, com dois bons refrães, uma interpretação segura de Luizinho Andanças (que estreia na agremiação), e possui ótimos momentos de letra, como negão veio de lá, da África pra cá/se ele soubesse pulava no mar e mamaram nas tetas das Minas Gerais. É um hino mais funcional, sem muitas inovações melódicas. NOTA DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel).

2 – IMPÉRIO SERRANO – “Imperiano volte ao seu lugar vencedor”. Se esperava mais de um samba que exalta o centenário do maior de todos os compositores do gênero. A obra tem como principal característica a letra extensa, como é de costume por parte de Aloísio Machado, e em primeira pessoa, como se o próprio Silas de Oliveira contasse a história. A bela poesia (com menções ao clássico "Heróis da Liberdade" espalhadas) supera a melodia do samba, que tem bons momentos, porém é um tanto arrastada. Mesmo com a irrepreensível atuação de Pixulé (para mim, a melhor do disco), o fato do samba ter sido gravado num andamento pra trás revela até uma melancolia na faixa. Na primeira parte, a palavra "saúde" está solta na melodia, além do verso Com água na cachoeira ter problemas de métrica. Se o refrão principal carece de força, o do meio é mais interessante. Destaco melodicamente o trecho a partir de Quando parti, de longe eu vi mudar, tudo se modernizar... É um samba muito aquém do que o Império costuma apresentar. NOTA DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 

3 - VIRADOURO – “Oh meu Brasil cuidado com a intolerância”. A Viradouro não só desfilará com o melhor samba da Série A-2016, como cantará um dos melhores de sua história. É uma obra que mexe com o brio do bamba desde o início, com um refrão belíssimo que exalta o santo protetor da escola, como uma forma de introdução a um enredo que, baseado na ópera de Altay Veloso, combaterá a intolerância religiosa que tanto assola o ser humano, através das andanças de Ogundana, o Alabê de Jerusalém. É um samba forte do primeiro ao último verso, possui uma primeira parte envolvente em que, mesmo com boa parte dos versos entoados rapidamente, não deve prejudicar o canto. A melodia se torna mais dolente a partir do refrão do meio, mantendo o excelente nível de variações melódicas. A segunda parte é espetacular, tanto em poesia como em melodia. Destaque para os trechos O rei dos reis que conheci se espanta/e chora com essa guerra santa/que sangra esse planeta azul/Oh meu Brasil cuidado com a intolerância/Tu és a pátria da esperança/a luz do Cruzeiro do Sul, que beiram a perfeição em todos os sentidos. É um samba belo, mas que acabou não combinando com o estilo de gravação de Ivo Meirelles. Casaria melhor com a produção de Leonardo Bessa de 2015, por exemplo. Zé Paulo Sierra se esforça, mostrando garra na faixa, mas sua atuação fica aquém da de Wander Pires na versão concorrente. NOTA DO SAMBA: 10 (Marco Maciel). 

4 - CUBANGO – “É a Cubango dando um banho de alegria”. A Cubango falará da água, um enredo não muito original, deixando um pouco de lado as envolventes obras de temática afro que costuma apresentar. O samba pra 2016 é mais dolente, mas que no CD foi gravado num ritmo mais acelerado do que o recomendável, o que abreviou a beleza de sua melodia. A letra tem elementos inevitáveis em enredos sobre mar, como Netuno, maré, sereia, Iemanjá... O intérprete Hugo Júnior, de volta à escola depois de quatro anos, tem uma atuação correta na faixa. Na primeira parte, é cantado "Brávura", com a sílaba tônica errada, o que pode ocasionar problemas com os jurados. NOTA DO SAMBA: 9,2 (Marco Maciel). 

5 - TUIUTI – “Arrasta a sandália, beato”. Para falar da lenda do boi milagreiro que se torna mártir, o Paraíso do Tuiuti opta por um samba forte, envolvente, de bons momentos melódicos. Possui ótimos refrães e, como todo samba com enredo de temática nordestina, apresenta diversas expressões "arretadas" da região. A cabeça utiliza o já batido efeito do "ser tão" na referência futura a "sertão". O melhor momento do hino está no excelente refrão do meio, quando os ditos milagres do Boi Mansinho começam a ser relatados: quem foi que mandou o chuvaréu, é água meu Deus, tá caindo o céu. É um samba competente e, ao mesmo tempo, divertido. Daniel Silva tem bom desempenho, com Ciganerey fazendo participação especial. NOTA DO SAMBA: 9,5 (Marco Maciel). 

6 - IMPÉRIO DA TIJUCA – “Bye bye menino, bye bye gigante”. A homenagem a José Wilker gerou um samba muito limitado, mas divertido de se ouvir e que casou bem na voz de Rogerinho, estreante na escola. O refrão principal é a parte mais interessante, que ganhou uma fluência melhor com a queda da repetição no verso O tempo ruge e a Sapucaí é grande, já que este bisava na versão original. No mais, a melodia não chama a atenção em nenhum momento, sendo genérica em sua maior parte. A alusão ao clássico bordão de Coronel Jesuíno em Hoje eu vou lhe usar fantasia soou forçada e não causou efeito, além da letra ser simples demais em o homem, o gênio, o mito/colecionador e crítico, e não abordar nada com coisa nenhuma no refrão central. Após uma sequência de grandes sambas no Morro da Formiga, a Império da Tijuca vem com uma obra muito aquém de seu brilhante acervo. Mas que deverá ser carinhosamente relembrada no futuro como mais um pro rol dos trashs simpáticos. O saudoso José Wilker merecia coisa melhor. NOTA DO SAMBA: 8,5 (Marco Maciel). 

7 - CAPRICHOSOS – “O samba contagia o mundo inteiro”. O contestado enredo que exalta o sucesso de estrangeiros no Brasil, com Petkovic como fio condutor, gerou um samba mediano, mas que possui alguns bons momentos melódicos. Destaque para o bom refrão do meio, além da segunda parte me agradar a partir do verso Então, da vida esqueci as ilusões... até o final. No entanto, o refrão principal não é dos melhores (comunidade dá show, dá show é complicado). Thiago Brito tem atuação segura pra um samba que, pela limitação do enredo, até superou as expectativas. NOTA DO SAMBA: 8,9 (Marco Maciel). 

8 - INOCENTES DE BELFORD ROXO – “Valeu Cacá por vir ao mundo e alegrar a tanta gente”. O samba-enredo que enaltece a obra do cineasta Cacá Diegues é denso, com ótimos momentos muito bem valorizados por Nino do Milênio, em ótima atuação no disco (apesar de alguns vibratos exagerados). Dois dos autores do hino são os filhos dos intérpretes Serginho do Porto e Temtem Sampaio, e também foi defendido nas eliminatórias da escola pelo herdeiro do saudoso Jackson Martins, o que dá margem a uma nova e promissora geração que vem surgindo. Sobre o samba, é extenso, dolente, com bons refrães, e apesar de alguns trechos possuírem melodia genérica, ela se apresenta coesa durante todo o tempo, mantendo sua regularidade do início ao fim. Talvez o verso Valeu Cacá por vir ao mundo e alegrar a tanta gente seja um tanto exagerado, mas inicia a melhor sequência melódica da obra. NOTA DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 

9 - RENASCER DE JACAREPAGUÁ – “Quem manda hoje é beijada, amor que traz proteção”. Pelo terceiro ano seguido, a Renascer encomenda seu samba aos compositores Moacyr Luz e Claudio Russo, com Tereza Cristina participando pela segunda vez consecutiva. Como a fórmula vem funcionando, com direito a um Estandarte de Ouro em 2015, a escola, para exaltar Cosme e Damião, mais uma vez levará para a Sapucaí um samba de qualidade, com um excelente refrão principal e a ousadia de não conter um refrão do meio. Mas este acaba não sendo necessário, de tão forte que a melodia se revela no restante da obra. São muitos os trechos de destaque, em especial Um tabuleiro de doces sinhá mandou preparar/Cocada branca, paçoca e bolo com guaraná, além da melhor parte do samba, que acarretou na dispensa do refrão central: O cravo brincou com a rosa/A flor se abriu em botão/pai Francisco entrou na roda/tocando o seu violão. Os versos finais que antecedem o refrão principal são mais pesados, mas fluem muito bem e funcionam perfeitamente como transição pro único refrão. Desde 2014, a Renascer possuir um dos melhores sambas do grupo não é mais novidade pra ninguém. E Diego Nicolau e Evandro Malandro seguem compondo uma dupla muito entrosada e de sintonia perfeita. NOTA DO SAMBA: 9,8 (Marco Maciel). 

10 – SANTA CRUZ – “Quem foi que atirou esta flecha no peito sagrado da vida”. Foi o samba que mais cresceu no CD. A participação especial da finalista do "The Voice Brasil" em 2013, Gabby Moura, abrilhanta a faixa e também ajuda a catapultar o bom desempenho de Pavarotti, efetivado como o único intérprete da verde-e-branco da Zona Oeste, após a saída de David do Pandeiro. O tema é praticamente o mesmo de 2009 da escola, sobre preservação da natureza. Mas o samba para 2016 apresenta melhores qualidades. Possui uma bela letra, além de bons e fortes refrões. A cabeça do hino é excelente, tanto em letra quanto em melodia. O samba mantém o ótimo nível, principalmente nos últimos versos da segunda, também de extrema qualidade: Hoje a nossa fantasia só não será em vão/se houver mais união e menos hipocrisia, funcionando como transição para o também ótimo refrão principal que, inspirado no título do enredo, faz o trocadilho de "desmata" com diz mata, eu digo verde. Um samba na contramão dos funcionais que a agremiação vinha levando nos últimos tempos, certamente o melhor da Santa Cruz desde 2003. NOTA DO SAMBA: 9,6 (Marco Maciel). 

11 – PORTO DA PEDRA – “Vamos juntos cantar aquela musiquinha”. Apesar do ótimo desempenho de Anderson Paz na faixa, a reputação do samba em homenagem ao Palhaço Carequinha não se altera. É uma obra animada, pra cima, porém limitada, e poucas partes chamam atenção. A que desperta mais curiosidade está no refrão do meio, que é até interessante melodicamente, porém a transição para a segunda é problemática, o que fica provado na longa pausa na primeira passada, com o caco "no encanto" solto com microfone desligado. Sobre a letra, descreve a sinopse com simplicidade ("aquela musiquinha", contestada por muitos, está lá no texto da escola), e o samba da Porto da Pedra está aí para cumprir seu papel funcional no desfile, nada mais do que isso. Sobre o "circo do Tigrão", vale lembrar que a agremiação já cantou seu símbolo no aumentativo no samba de 2003. NOTA DO SAMBA: 8,5 (Marco Maciel). 

12 – CURICICA – “Eu vou passar, mas a saudade fica”. O samba sobre os bonecos mamulengos que animam o Nordeste em caravanas tem uma estrutura bem complexa. Seu único refrão é a parte destoante do resto da obra, sendo bem animado, pra cima, e que faz você imaginar todos os fantoches coloridos dançando ao som de Vem meu amor mamulengar na caravana Curicica. Porém, o restante do samba é pesado, com a melodia dando a impressão de que se trata de uma colcha de retalhos. A primeira parte tem trechos estranhos, como pode-se a chegar e ei do baú surgiu, verso onde mais uma palavra poderia ser inserida para preencher a melodia. Já o que era pra ser originalmente o refrão do meio (a partir de tem comédia e terror), acabou perdendo a repetição devido à melodia ser mais retilínea, pra trás, o que arrastaria a obra. Porém, o trecho me pareceu deslocado com o fim do bis. Já a segunda parte é um pouco mais coesa, ainda que continue pesada e pra trás, e acaba não proporcionando a transição adequada para o refrão. Ronaldo Yllê me parece inseguro na condução da faixa e ela passaria despercebida no álbum, não fosse a linda participação de Elba Ramalho, que deu um toque especial e nordestino ao samba, além de encerrar entoando o samba-exaltação da Curicica. Bola dentro de Ivo Meirelles! Aliás, mais uma inovação ao inserir o alusivo no fim ao invés de introduzi-lo. NOTA DO SAMBA: 8,7 (Marco Maciel). 

13 – ALEGRIA DA ZONA SUL – “Ogum é Jorge, é religião”. Se Ivo Meirelles vem sofrendo uma enxurrada de críticas pelo resultado final do CD, a vibrante faixa do Alegria que exalta Ogum está longe de ser a responsável pelas contestações. Fazendo justiça a Ivo, ela já é antológica, um primor de produção, disparada a melhor do álbum. Na polêmica primeira passada sem bateria, os atabaques proporcionam um verdadeiro espetáculo, dando balanço e o toque afro adequado que a obra pede. O samba segue a cartilha dos hinos que seguem a temática, sendo pesado, de lindíssima melodia, com refrães fortes e repleto de expressões africanas na letra. Na safra, só é superado pela Viradouro. Impulsionado pela beleza da obra, Tiganá (estreante no Alegria) tem grande atuação. Até Ivo Meirelles encarnando o preto-velho no fim da faixa acaba dentro do contexto. NOTA DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel). 

14 – ROCINHA – “Sou a alma, a cara desse lugar”. Fechando o CD, a Rocinha retorna à Sapucaí depois de um ano na Intendente com um samba de melodia comum, sem muitas novidades na estrutura, daqueles altamente recomendáveis para uma escola que vai abrir os desfiles. Porém, o hino é muito bem defendido por Leléu, que como é característico, impôs muita força à obra no disco, com uma interpretação cheia de garra, tornando a faixa uma das melhores do disco (a bateria é a melhor das 14 no álbum). Vale ressaltar que o cantor, na Borboleta Encantada desde 2013, permaneceu na agremiação mesmo sem a pompa de defendê-la na Passarela do Samba em 2015. Sobre a letra, ela não esclarece com exatidão o confuso enredo, inspirado numa tese do professor Darcy Ribeiro de que o Brasil é uma Nova Roma, em que os italianos teriam conquistado a Península Ibérica e os portugueses o fizeram no Brasil da mesma forma que os romanos, impulsionando depois uma exaltação ao povo brasileiro. O samba, ainda que simpático, também se torna confuso. NOTA DO SAMBA: 9,1 (Marco Maciel). 

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