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Os sambas de 2015 - Série A por Marco Maciel
As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile A
GRAVAÇÃO DO CD – Na
primeira vez em que ouvi as faixas do álbum, tive uma
agradável surpresa. Após o feijão-com-arroz dos
dois últimos CDs do Acesso produzidos por Leonardo Bessa, eis
que nos deparamos com um dos trabalhos mais minuciosos do gênero.
Com uma qualidade ímpar de produção, os sambas de
2015 da Série A aparecem no CD tendo suas melodias
valorizadíssmas. É o grande trunfo deste trabalho de
Bessa: o destaque à melodia, acima de tudo. A
sonorização é mais limpa, sem um canal de cacos na
gravação, e o coro é profissional, não com
componentes das respectivas escolas. O distanciamento das faixas do
clima de quadra e de avenida é nítido. A fórmula
da primeira passada sem bateria já é conhecida de
álbuns passados, como algumas faixas do Especial-1996,
além das íntegras do Especial-2004 e do Grupo B-2009. O
diferencial é que uma frigideira dá um toque de classe
nestas deliciosas passadas iniciais. E o canto do intérprete com
o coral é mesclado neste momento, havendo um revezamento entre
ambos, ao invés da fórmula já tradicional do
puxador comandando as ações na primeira com o coro
despontando na segunda. Cordas e teclado aparecem com
frequência, ajudando o ouvinte a se familiarizar com a melodia
das obras e dando mais lirismo a estas. Em termos técnicos,
é um disco que nos remete, por exemplo, ao CD do Especial-1999.
Em entrevista ao site Carnavalesco,
Leonardo Bessa afirma ser este o seu melhor trabalho como produtor de
um CD de samba de enredo. Sou obrigado a corroborar com o relator.
É um trabalho que será referência por anos no
gênero. Sobre a ótima safra, uma das melhores dos
últimos tempos no grupo, Renascer é candidatíssima
ao Estandarte de melhor samba. Estácio, Império da
Tijuca, Cubango e Império Serrano também aparecem com
ótimos sambas. NOTA
DA GRAVAÇÃO: 9,8 (Marco Maciel). 1
– ESTÁCIO
–
“Parabéns meu Rio, continua lindo, continua
sendo meu amor”. Depois de 15 anos (não contando
reedições), Dominguinhos volta a emplacar um samba na sua
Estácio. O último havia sido "Envergo mas não
Quebro" em 2000. O próprio mais uma vez divide o microfone
oficial com
Leandro Santos, aumentando mais a sintonia entre ambos, numa parceria
iniciada no Carnaval 2014. Em mais uma exaltação da
escola ao Rio, a obra abre o CD em grande estilo. Valente, na
gravação o samba adquire mais lirismo, emocionando em
vários momentos. Destaque para o arranjo no começo da
segunda parte, onde as cordas e o teclado se sobressaem. Os
refrões são fortes, sobretudo o principal, e a melodia
é de excelente qualidade, em reciprocidade com a letra. NOTA
DO SAMBA: 9,7 (Marco Maciel). 2
– UNIDOS DE PADRE MIGUEL
–
“Chora a poesia pra cotovia que
não voa mais”. Com o enredo anunciado um pouco
antes de sua morte, Padre Miguel cantará Ariano Suassuna na
Sapucaí. A gravação escancara uma
característica da produção, de utilizar teclados e
instrumentos que se relacionem ao tema, como o triângulo, o que
acontece no começo da segunda parte na citação ao
Nordeste, quando o samba é executado no ritmo de forró
(mais a adaptação do verso para "a bataia acuntece" (sic)). A letra
é complexa, seguindo a riqueza do enredo em homenagem ao saudoso
"cavaleiro" paraibano, e a melodia apresenta ótimos momentos,
como "Ao lado de Caetana a mais de
uma semana". Porém, os refrões carecem de maior
explosão. Marquinho Art Samba conduz o samba corretamente. NOTA DO SAMBA: 9,4
(Marco Maciel). 3
– IMPÉRIO DA TIJUCA
–
“Nossa padroeira a desaguar, a fé no
coração de cada um”. Pelo terceiro ano seguido,
a escola do Morro da Formiga apresenta um samba de temática
afro. E confirmando as expectativas, trata-se de mais uma excelente
obra. Porém, como será observado também na faixa
da Cubango, o estilo de gravação adotado por Leonardo
Bessa termina por não casar com o estilo do hino imperiano. A
pegada que o samba-enredo possui desaparece na produção,
de maneira a Pixulé cantá-lo num tom abaixo em
relação à versão concorrente defendida por
Wander Pires. Melodicamente, possui grandes momentos, como os dois
refrões (principalmente o tom menor ousadíssimo em "Do Alafim de Oió", na
transição para a segunda parte), além dos versos "Mãe das mães reflete a luz
da vida, nesta avenida... Axé". NOTA DO SAMBA: 9,7 (Marco Maciel). 4
– PORTO DA PEDRA
–
“Na transição a marcação,
o repique modulando a conversão”. Se Pixulé
canta o samba imperiano de maneira mais contida, em contrapartida
Anderson Paz executa o samba do Tigre num tom altíssimo,
praticamente berrado. Expediente que acaba valorizando a boa obra da
escola de São Gonçalo. O grande destaque melódico,
sem dúvidas, é a melodia do refrão central, que a
produção requintada de Leonardo Bessa valoriza ainda
mais. Apesar do enredo abstrato sobre energia, versos como "Se der apagão na sua
consciência" poderiam ser evitados. NOTA DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 5
– CUBANGO
–
“Somos uma corrente de irmãos, orgulho de uma
negra nação”. Como já mencionado, a
produção deixou o samba da escola niteroiense cadenciado
demais, faltando pegada. Como já é tradição
desde os anos 70, mais uma vez a Cubango nos brinda com uma grande obra
afro. E nos honra com a voz do grande Preto Jóia, que mais uma
vez empresta sua histórica categoria para interpretar o
samba-enredo. Tem como grandes momentos em termos de melodia o
refrão central, com o "lerê
lerê" e o "laiá
laiá" primorosos como complemento, além dos versos
"Me embala no teu colo oh mãe"
e o trecho a partir de "Não
foi em vão nossa fé" até o final. NOTA
DO SAMBA: 9,7 (Marco Maciel). 7
– CURICICA
–
“Meu samba hoje vai vadiar”. Num ousado
enredo sobre três grandes sambistas como Martinho da Vila,
Monarco e Arlindo Cruz, considerados pela escola os "Três
Tenores" do ritmo, a União do Parque Curicica nos oferece um
samba simpático e muito gostoso de se ouvir, mais uma vez muito
bem defendido por Ronaldo Yllê (desde 2008 na
agremiação). O fato da letra ter que resumir em poucos
versos a trajetória de uma trinca de mestres do samba torna
inevitáveis as muitas citações a famosos sambas
destes, mas todas feitas de forma adequada e com boas sacadas. Os dois
refrões são as melhores partes, em especial o do meio,
com uma irresistível bossa na segunda passada, durante a
citação ao "Devagar, Devagarinho", que proporciona um dos
melhores momentos do CD. NOTA
DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 8
– TUIUTI
–
“Eu quero ser índio, valente e feliz”.
Para o enredo sobre a expedição do alemão Hans
Staden em terras indígenas, o Paraíso do Tuiuti opta por
um samba correto, funcional e de ótima
interpretação de Daniel Silva, o ponto forte da faixa. As
soluções poéticas e melódicas encontradas
para ilustrarem a obra não possuem tantos diferenciais, com o
hino buscando atrelar fórmulas já conhecidas ao ouvido do
bamba. NOTA DO SAMBA: 9,3
(Marco Maciel). 9
– CAPRICHOSOS
– “É
sensacional... Tem xêpa no Brasil colonial”.
A azul-e-branco de Pilares tenta resgatar sua irreverência
oitentista com este samba sobre o comércio ambulante e suas
origens, com a maior curiosidade da obra a mea-culpa que assume das
disputas de samba-enredo atuais, através do verso "Tem escritório de samba quebrando a
firma", entoado no refrão com alguns erros de
métrica. Tal mea-culpa segue com a mercantilização
das escolas ("quem dá mais no
mestre-sala, quanto vale a tradição?", "depois que o dinheiro comprou, o sambista
a bandeira rasgou"), porém, no final, a
letra exclama que o amor pela Caprichosos não tem
preço. Será?? Fiel à sinopse, o samba traz
citações irreverentes e coloquiais, com uma melodia pra
cima e condução correta de Thiago Brito. NOTA
DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 10
– INOCENTES DE BELFORD ROXO
–
“Nelson, bendito seja este dia”. É o
samba que mais se adaptou à produção do
álbum, tirando proveito de seu lirismo do primeiro ao
último verso. A atuação de Nino do Milênio
(de volta à Belford Roxo depois de cinco anos) contribui ainda
mais para a dolência do belo samba da Inocentes sobre Nelson
Sargento, à altura do poeta mangueirense. Encomendado à
ala de compositores, tanto letra quanto melodia são requintadas
em excesso, com inspirados trechos como "fere a nota ao violão" e "pelos quintais da poesia, sempre que regas
melodia vejo brotar a flor do samba", além de
ótimas sacadas à patente de Nelson, como "das vielas sua gente vem prestar a
continência". Grande momento do CD! NOTA DO
SAMBA: 9,6 (Marco Maciel). 11
– RENASCER DE JACAREPAGUÁ
–
“O seu grito a ecoar: okê
arô odé maior”. O grande
samba-enredo do ano, contando também Grupo Especial. Para
homenagear Candeia, a Renascer repete o bem-sucedido expediente do ano
passado, ao encomendar a obra para Moacyr Luz e Cláudio Russo.
Dessa vez, a dupla recebe o adendo de Tereza Cristina, que participa do
início da faixa. A primeira parte do samba-enredo, sem exagero,
é uma das melhores sequências melódicas dos
últimos tempos no gênero. Simplesmente uma obra-prima! O
curto e simples refrão central de dois versos complementa a
primorosa primeira do samba com louvor. A segunda parte mantém o
nível de excelência do hino, persistindo sua intensa
valentia, mas sem desperdiçar a beleza em nenhum verso
sequer, até explodir no refrão principal. Sem rodeios:
samba impecável, bem como a atuação da dupla
Evandro Malandro e Diego Nicolau. NOTA DO SAMBA: 10 (Marco Maciel). 12
– SANTA CRUZ
–
“És prata da noite, a estrela negra”.
A Santa Cruz, também em termos de samba, segue sua zona de
conforto no Grupo de Acesso, na mesma fórmula já definida
há anos e consagrada pelo compositor Fernando de Lima, apesar
deste amargar seu maior jejum desde quando chegou na escola (segundo
ano seguido sem triunfar na Zona Oeste). Para homenagear Grande Otelo,
um novo samba pra cima e sem muitas inovações
melódicas, apesar da audição divertida. David do
Pandeiro inicia terceira passagem pela agremiação, tendo
Pavaroti ao seu lado. Vale frisar algumas curiosidades: a
produção de Bessa é tão técnica que
não se deu ao luxo de inserir um sugestivo berro do coral depois
do "se você tá feliz,
dá um grito". No refrão central, forçada a
expressão "ao TÉ-lo"
só pra fazer o trocadilho e rimar com Otelo, quando que o
correto é "ao TÊ-lo".
Por fim, Grande Otelo tinha como um dos bordões "aqüi, qui
qüeres". Porém, a trema, como na nova ortografia da
língua portuguesa, também foi deixada de lado no verso "Eustáquio, que queres moleque".
NOTA DO SAMBA: 9,1 (Marco
Maciel). 13 – EM CIMA DA HORA – “Canta, Em Cima da Hora... Inshalá”. Com Ciganerey estreando em Cavalcante, a Em Cima da Hora, pra falar da imigração árabe no Rio de Janeiro, aposta num samba valente, pra cima e mais funcional, cujo ponto forte é o refrão central. Visando a permanência no grupo, a azul-e-branco, apesar da inexplicável caneta em "Os Sertões" em 2014 por parte de jurados desqualificados, aposta num samba mais pragmático. NOTA DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 14
–
ALEGRIA DA ZONA SUL
–
“'Mermão' se liga no papo, sou do balacobaco”.
A escola de Copacabana exalta a alegria de "ser carioca" num samba
irreverente e que não poupa polêmica, através do
verso "tiro onda com paulista",
um tanto arriscado com a onda do chatíssimo politicamente
incorreto que impera nos dias atuais. A melodia da obra é leve,
pra cima, com a letra direta não fazendo questão de
disfarçar o coloquialismo em determinados momentos, sendo muito
gostoso de ouvir. Destaque para a ótima
interpretação do veterano Alexandre D'Mendes, uma das
melhores do disco. NOTA DO
SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 15
– UNIDOS DE BANGU –
“Sapucaí Imperium do
Carnaval”. É muito gratificante
poder contar novamente com a Unidos de Bangu na Passarela do Samba,
depois de mais de uma década inativa, brilhantemente resgatada
por jovens do bairro. Nos anos 80, nos ofereceu belíssimos
sambas, como em 1981 e 1983. De volta à Sapucaí,
abrirá os desfiles de 2015 com um enredo sobre a história
dos grandes impérios da humanidade com um bom samba, apesar de
alguns problemas, mas bem adequado para quem terá a ingrata
função de ser a primeira a adentrar a pista da
Marquês. O refrão principal é a parte mais
destoante, de melodia genérica e que apenas exalta a escola.
Mesmo com alguns clichês de letra (rima "glória-história" e "a emoção vai nos levar"),
possui belos trechos melódicos, em especial na segunda parte
como "maias, astecas e incas,
mistérios além da razão". Uma pena que a
direção de harmonia tenha sacado um dos dois "no mar", que abria muito bem a
segunda do samba, defendido corretamente por Marcelo Rodrigues ("minha
paixão!") e Alex Soares. NOTA
DO SAMBA: 9,3
(Marco Maciel). |
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