Os sambas de 2012 - Grupo Especial e Acesso (São Paulo) por Ronaldo Figueira
Os sambas de 2012 - Grupo Especial e Acesso (São Paulo) por Ronaldo Figueira
As
avaliações referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri
oficial, em nada relacionados aos desempenhos que as obras virão a
ter no desfile
Observação:
Em meus comentários utilizo o método comparativo entre os sambas num geral,
tanto especial quando acesso e mesmo com outras cidades. Para 2012, por
exemplo, os sambas nota 10 são Império Serrano e Nenê de Vila Matilde. Levo em
consideração o processo de escola do samba, sua qualidade em si (ou a falta
dela) e a influência da gravação no produto final.
Gravação do CD
Finalmente
a divisão política no nosso carnaval deixou de existir e temos um CD único,
duplo com as 22 escolas pertencentes aos grupos especial e de acesso. Este ano,
a produção decidiu por destacar o coro das escolas e os arranjos nos sambas. Em
comparação com a gravação da Liga em 2011 (a melhor desde 2001, na minha
opinião), a bateria perdeu destaque e em alguns momentos sequer conseguimos
ouvi-la pela presença forte do coro. Acredito que essas mudanças tiveram o
intuito de aumentar a sensação de "ao vivo" no CD, intenção que em
alguma medida não foi bem sucedida. Embora com os instrumentos e as
características bem gravadas, as baterias ficaram apáticas no CD, com raras
exceções (como Tucuruvi). Em comparação com 2011/Liga, ficou um tanto aquém.
Nota: 9
VAI-VAI
"Hoje és
presidente e me rendo à teus pés..."
Um
bom samba, sem o brilhantismo de 2008/9, mas que conta o enredo com uma boa
letra e melodia. A segunda parte é cheia de bons versos subjetivos, elevando a
qualidade da obra e culminando em dois bons refrões. Na primeira passagem, há
um perceptível desencontro entre a voz de Wander Pires e o coro da escola,
causando uma má impressa do CD numa primeira audição. Nas eliminatórias não
havia nenhum samba que se destacasse mais que o campeão. Boa escolha. Nota: 9,1.
TUCURUVI
"Sou Tucuruvi,
tua história meu samba, vai revelar!"
Um
samba que surgiu de uma fusão que buscava agradar à gregos e troianos e, em sua
proposta, foi feliz. De pai bom e mãe nem tanto, tem a primeira parte com um
estilo mais objetivo e a segunda mais subjetiva e poética, começando com o
brilhante "No dia a dia,/A arte era a tradução da criação/Modelada pelas
mãos/A inspiração transformou-se em alegria". Nos fóruns e rodas de amigos
é tido como um dos melhores sambas da safra e de fato é muito bom mesmo, o
melhor da escola desde 2001. Na gravação, a proposta da produção aparece na
faixa da Tucuruvi como a melhor executada, ficando nítidos bateria e coro, além
da excelente interpretação de Igor Vianna, que estréia na escola. Nota: 9,5
VILA MARIA
"Quem é Vila
Maria, levante as mãos/ É a força infinita da criação!"
Começando
num refrão fantástico que sintetiza toda a obra ao referir-se às mãos como
"a força infinita da criação", a letra e a melodia seguem a mesma
alta qualidade por todo o samba, sendo poético e animado, sem versos pobres
injustificados. O ponto negativo fica pela gravação. A voz de Nego, um dos
melhores intérpretes do carnaval brasileiro, não se encaixa muito bem com os
breques da bateria da Vila Maria, igualmente uma das melhores. Pelos erros de
mixagem a faixa torna-se uma das mais áridas de se ouvir, infelizmente. Nota:
9,7
MANCHA VERDE
"Faz a justiça
vencer, meu pai Xangô!"
Um
samba médio, com trechos médios como, por exemplo, as rimas saber/aprender, ou
"eu sou mais um dos filhos deste chão", além da relação de
causalidade sem sentido em "Se Olorun é o pai da criação / Eu sou mais um
dos filhos deste chão". A letra não é tão clara e passa muito por cima,
sem o detalhamento necessário à história de
Odu Obará escrita na sinopse e cita, como que por obrigação, os nomes
dos orixás. Poderia ser mais um samba médio, que me transmitisse sensações
médias, não fosse o desgosto... Um
samba médio é até justificável numa eliminatória média. Uma má escolha de samba
não é desejável, mas acontece às vezes. O grande problema é que o samba
descartado na final da Mancha não foi qualquer samba simplesmente bom que, por
um acaso, foi trocado por um não tão bom. Tento, na medida do possível,
transmitir a vocês a análise desse samba pelo que ele é e não pelo que
representa, mas dadas as circunstancias é impossível! Por vezes, é impossível
ouvi-lo sem lembrar o que poderia ter sido. Nota: 7,5
GAVIÕES DA FIEL
"Corinthiano
loucamente apaixonado!"
Após
trágicas escolhas em anos anteriores, finalmente a Gaviões acertou em 2012! O
brilhante enredo sobre o ex-presidente Lula originou uma composição que
ultrapassa o bom. A melodia passa a
"valentia" que se espera do enredo, com uma letra poética que não
fica nem um pouco estranha cantada por um corintiano mais fanático. Seu melhor
momento, a partir de "solta o grito da garganta e vem comemorar..."
até o final tem todos os versos podendo figurar fácil em uma conversa sobre
melhores trechos de sambas enredo. O refrão principal é seu ápice. Peca somente
no refrão do meio que destoa do restante da obra, numa melodia um tanto manjada
no formato dos sambas contemporâneos. Nota: 9,7
ÁGUIA DE OURO
"A nave louca
partiu a dor foi demais"
O
samba da Águia é entoado no ritmo característico de sua bateria, marca da
escola. O casamento entre Serginho do Porto e o coro ficou muito bom. Enquanto
ao samba, passa muitos dos elementos do enredo de forma aleatória utilizando
fórmulas conhecidas como "guitarras", "rock" (que inclui o
típico arranjo), "notas musicais" e o famigerado "caldeirão de
cultura popular". Apesar disso, o samba causa uma boa impressão ao
ouvinte, principalmente pelos trechos com boas sacadas melódicas, como o bom
refrão central seguido da entrada da segunda parte. destaque também para o
"A nave louca partiu...". Na disputa havia o genial samba de Marcio
Pessi interpretado por Carlos Junior que foi descartado, não me surpreendi.
Nota: 8,7
MOCIDADE ALEGRE
"Conduz a mão
que escreve um mundo novo"
Retornando
a uma linha de enredo diferente da adotada desde 2007 pela Mocidade, este samba
é também o melhor da escola no período e o de escolha mais óbvia do ano pra
quem acompanhou as eliminatórias na quadra. Desde o começo contou com grande
apoio da comunidade, devido principalmente à sua melodia irreparável. A
primeira parte conta com o único porém do samba, o verso de interpretação meio
dúbia: "E nessa terra o negro vence". Seguido, contudo, de um
salvador "Contra o preconceito ao seu povo / conduz a mão que escreve um
mundo novo". A segunda parte chega perto de ser uma obra prima, não fosse
a rima cantar/emocionar/embalar e o já batido "o povo canta em
oração" (como em Pérola 2011: http://www.sasp.com.br/a_eliminatoria_samba.asp?rg_eliminatoria=1339).
Nota: 9,8
ROSAS DE OURO
"As damas da
corte num doce bailar"
O
enredo nada convincente da escola gerou um samba não mais convincente. Inventar
um reino fabuloso para homenagear o publicitário Roberto Justus – tornado
"menino rei" pelos compositores – não me agrada de forma alguma. O
samba até tem bons momentos melódicos como em "E a rosa encantada, o mais
lindo cenário enfeitou". Já a letra segue as fórmulas padrão em se tratando
de enredos fabulosos/ homenagem com damas da corte, bailes, violinos. A letra é
concluída com o verso genérico "Honrando as cores do meu pavilhão"
que no samba aparece sem sentido e soa como recurso para conclusão, na falta de
algo melhor ou mais adequado ao enredo. Nota: 8,3
TOM MAIOR
"Um 'Marko' em
nossa história"
Não
podemos botar toda a culpa ou méritos de um samba em cima do compositor. Os
bons sambas nascem dos bons enredos. O samba enredo é, em sua gênese, produto
de uma história já pré-moldada antes do compositor por a mão. Silas de Oliveira
nunca foi obrigado a gastar rios de dinheiro para concorrer numa eliminatória
homenageando, sei lá, Roberto Justus. O enredo da Tom Maior preza pelo
em-cima-do-muro. Fazendo um discurso bonitinho e vazio, quer fazer o bem e incentivar
o voluntarismo, sem necessariamente definir o que é o bem. Entenda, cada
pessoa, de cada ideologia, tem uma visão diferente sobre o que é o tal do bem.
A Vila Maria em 2002, por exemplo, fez um enredo que, se uns, como eu, acham
fantástico, outros podem achar absurdo e repulsivo, na medida em que reprovam
as ideias de tolerância expostas. O samba da Tom Maior, limitado ao enredo,
bate na tecla de "fazer o bem sem distinção por onde for" sem deixar
claro exatamente qual a ideia de "bem" defendida porque, bem, na
verdade, não existe uma grande ideia. Dentro dos limites, a letra é boa, conta
o enredo escrito na sinopse. A melodia é bastante agradável de se ouvir e ainda
melhorada por Renê Sobral e a bateria, ambos entre os melhores do carnaval
paulistano. Ponto positivíssimo e de destaque é a homenagem ao presidente
Marquinho. Nota: 8
X-9 PAULISTANA
"É tão divino
o meu maracatu (poeira, poeira!)"
O
retorno de Royce à escola só fez bem, tornando a faixa uma das mais agradáveis
do CD. Um enredo que mostrava descaradamente, desde o logo e o título, um
patrocínio, mostrou-se, no fim das contas, criativíssimo e com conteúdo
interessante, à exemplo da Império de Casa Verde no ano passado. A letra tem
altos e baixos com momentos poéticos e outros de gosto duvidoso como "O
meio ambiente é fundamental". A melodia é bem animada com muitas variações
por todo o samba, passando a "emoção" correta de cada trecho, sem
monotonia ou repetição. Destaque para "É tão divino o meu maracatu
(poeira, poeira)" no qual Royce dá um show de interpretação. Nota: 9
PÉROLA NEGRA
"Reluz
Amazônia paulista/ Traduz a beleza infinita"
Fugindo
em grande parte do previsível em se tratando de um enredo sobre uma cidade,
André Machado concebeu um enredo dos melhores para o carnaval 2012. A poesia da
sinopse reflete no samba, uma das fusões que deu mais certo em carnavais desde
que eu me lembre. Um samba parece ter sido feito pra outro, com letra
encaixada, melodia perfeita. O refrão principal é forte e explosivo, clamando
todo o mundo a conhecer a cidade de Itanhaém. A primeira parte tem belíssimas
variações melódicas se destacando o trecho: "Canoa de fé esperança/ o
pescador não se cansa". A segunda não deixa por menos, com uma excelente
entrada: "Divina a cidade está em festa/ saudando a bandeira da corte
imperial". Douglinhas e coro da escola caíram como uma luva para esse
samba, ao lado de Mocidade, o melhor de 2012. Nota: 9,8
IMPÉRIO DE CASA
VERDE
"Tô nessa onda
de esquimó e vou zoar!"
A
melhor faixa do CD tem um ótimo e divertido samba (não tão divertido quanto o
do ano passado), com versos diferentes. O enredo é bem estruturado e rico, o
que ajudou os compositores a criar a boa letra. A melodia, bastante animada,
tem seu ápice no "Tô nessa onda de esquimó e vou zoar", um dos melhores
versos do ano. Os pontos negativos do samba ficam por conta do refrão principal
que utiliza o recurso de "pergunta e resposta" muito comum nos sambas
atuais e do penúltimo verso do refrão do meio "vou mergulhar na moda de um
profissional" com sentido prejudicado no animado refrão. Nota: 9,3
DRAGÕES DA REAL
"O seu olhar
me viu nascer, crescer, viver/ E ser quem sou"
Estreando
no grupo especial, o samba da Dragões é um dos que mais cresceu no CD em
relação à versão concorrente, tem letra ok e passando bem o enredo, simples e
bem estruturado, seguindo a proposta que a escola apresentou no ano passado. O
que não ficou tão bom, apesar da melhora, é a melodia acelerada e marcheada.
Talvez por abrir os desfiles de sábado, a escola optou por um andamento (bem)
mais pra frente na bateria. A gravação do CD é divertida, com até boas
variações melódicas mas, ao vivo, o samba passa reto. Nota: 8,8
CAMISA VERDE E
BRANCO
"Inexplicável
pode transformar e mudar a humanidade"
Buscando
mais uma vez se manter no grupo especial, a escola optou por um samba correto e
padronizado, aquele que chamamos de "funcional". A letra acompanha
bem o enredo ao citar os diversos tipos de amor às vezes sem manter uma ordem e
relação que os ligue, como, por exemplo na transição "Do outro lado da vida
existe a beleza / Nas ondas do rádio, casais apaixonados". Tirando a
fragmentação do enredo, os trechos sobre cada tipo de amor são bonitos e passam
uma mensagem clara, com destaque a "É divinal, é imortal e vai se propagar
/ Inexplicável pode transformar, e mudar a humanidade". Para contemplar
todo o enredo no samba, os compositores inseriram versos de gosto duvidoso como
"Sem preconceito eu sou, é colorido o amor" e os versos finais do
samba, numa menção genérica ao carnaval. Nota: 8,3.
NENÊ DE VILA MATILDE
"Vem do céu
pro encontro divinal/ Seu Nenê e a velha guarda..."
Depois
do triste rebaixamento de 2011, a escola se reorganizou, trocou carnavalesco a
apostou em um enredo afro com ênfase nas personalidades negras brasileiras. É
muito difícil destacar a melhor parte desse samba. É simplesmente uma obra
prima da cultura popular brasileira. Os compositores e as escolas que ainda
optam pela funcionalidade deveriam olhar o exemplo da Nenê como uma
possibilidade real de inovar e preservar a tradição do samba. Deixo só meu
protesto pela Liga não deixar rolar duas passadas inteiras do samba,
padronizando as faixas em tempo de duração. Nota 10
UNIDOS DO PERUCHE
"Eu peço ao
pai cantando em prece"
Tentando
retornar à elite do carnaval, o samba da Peruche apresenta o enredo de forma
linear e seqüencial, indo da destruição do planeta pelo homem até a tomada de
consciência e, por fim, a regeneração do mundo. É um enredo
"bonitinho" no mesmo estilo da Tom Maior, alertando sobre o futuro e
pedindo a regeneração do homem... Blá, blá, blá politicamente correto que não
me agrada nem um pouco. Tirando o péssimo refrão principal, o samba é bem
mediano e não deve atrapalhar o desenvolvimento do desfile da escola. Nota: 8
MORRO DA CASA VERDE
"Sou Morro,
não fujo da luta/ Mais uma disputa, mais um carnaval"
Com
um bom enredo sobre guerreiros, comete o mesmo erro do Camisa ao deixar a coisa
fragmentada. Os trechos sobre cada "guerreiro" são bons,
destacando-se o que cita Clara Nunes, a melodia é ótima, mas a ligação entre as
partes do enredo não fica muito clara. Chega ao final falando dos grandes
carnavais da Morro sem cair no clichê de citar nomes de enredos, com um refrão
emocionante que é um dos melhores do
ano. Nota: 9.
IMPERADOR DO
IPIRANGA
"Vai ter que
respeitar... Minha coroa"
Tendo
o mesmo problema que a Morro, citando desconexamente as "estrelas" do
enredo, a principal diferença é que os trechos separados não exprimem a mesma
força e qualidade. Único ponto de destaque no samba é o refrão principal,
clamando respeito ao símbolo da escola. Nota 8,1
LEANDRO DE ITAQUERA
"Quando a
baiana girar/ Vitória régia vai guiar o amor"
Se
depender da vontade dos carnavalescos de São Paulo, o meio ambiente está salvo.
Anunciando o fim do mundo, o apocalipse, o caos, a mensagem da Leandro de
Itaquera é a de que podemos salvar tudo reciclando. A parte estranha é, na
segunda parte, "São Paulo segue o caminho da preservação", num claro
ato de politicagem, prenunciado desde o anúncio do enredo com a presença do
governador de São Paulo. O samba mistura versos manjados sobre meio ambiente
com outros de péssimo gosto musical ("Fiscais da natureza, preservam rara
beleza" é só um deles). Fico triste com o caminho que a escola tem tomado
desde que caiu em 2010. Nota: 7,7
ACADÊMICOS DO
TATUAPÉ
"Guerreira,
subiu o morro ao som de um surdo de primeira"
Um
bom enredo que deu um bom samba, estruturado, com bons versos e boa melodia.
Destaque positivíssimo pro breque imitando a bateria da Mangueira em
"Guerreira, subiu o morro ao som do surdo de primeira". Em meio ao CD
do acesso é um samba que se destaca dos demais. O interessante de olhar as
entrelinhas é que os compositores desse samba são os mesmos de Mocidade Alegre
e, alguns deles, Leandro, ficando claro que sinopse e projeto político de cada
escola influem e muito na qualidade do samba. Nota: 8,9
ESTRELA DO TERCEIRO
MILÊNIO
"Se querer é
poder/ só o sábio é quem diz"
Campeã
do grupo 1 em 2011, a Estrela estréia no acesso com um confuso enredo sobre
sabedoria. A confusão influi diretamente no samba, sendo difícil por sua
leitura compreender a proposta. A letra exprime de forma comum os trechos do
enredo, sem momentos poéticos ou rebuscados. Já a melodia é um tanto
interessante com momentos gostosos de ouvir como, por exemplo, a entrada da
segunda parte e o refrão principal. Nota: 8.
SÃO LUCAS
"Hoje eu sou/
a luz das estrelas no céu"
De
volta ao grupo de acesso, a escola da Zona Leste aposta numa homenagem ao gênio
do rock-baião brasileiro Raul Seixas. A presença de uma voz feminina no CD dá
um toque especial e diferencia a faixa da São Lucas das demais. O samba é bom,
expressando o enredo e a homenagem proposta pela escola de forma clara e
objetiva. Tem sacadas melódicas interessantes, destacando-se o trecho:
"Xaxado, xote, baião/ Riquezas musicais". Nota: 8,9
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