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Os sambas de 2012 por Marco Maciel

Os sambas de 2012 por Marco Maciel


As avaliações referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

A GRAVAÇÃO DO CD – A produção segue a cartilha dos últimos dois álbuns, com a gravação da base e coro na Cidade do Samba e o intérprete colocando a voz no estúdio. No CD 2012, muitos efeitos sonoros adicionais são notados, como teclados, berimbaus, acordeom, guitarras e violinos. As cordas também se destacam mais do que nos últimos discos. Os andamentos dos sambas também foram um tanto alterados em relação ao álbum anterior, onde se apresentam mais cadenciados. Os sambas-enredo se mantêm num ritmo bastante pesado. A bateria continua como destaque e o coral formado por integrantes de cada escola acompanha o intérprete durante todo o tempo, com o volume do coro sendo elevado na segunda passada, onde as baterias investem mais nas bossas. Um expediente de 2012 se revelou um tanto dispensável. Após as divertidas chamadas dos puxadores ao colega que cantaria a faixa seguinte, dessa vez a voz das apurações da LIESA, Jorge Perlingeiro, anuncia cada escola no começo das faixas, na intenção de repetir um expediente similar ao de 2005, quando o locutor oficial da Sapucaí, Demétrio Costa, também revelava a agremiação da faixa a ser tocada. Perlingeiro também abre o CD 2011, mais ele anuncia apenas a faixa de abertura, a da então campeã Unidos da Tijuca.

A safra 2012 é uma das mais qualificadas dos últimos tempos, em sua ampla maioria formada por bons sambas, com alguns deles lançando mão da nostalgia e também arriscando tudo numa artimanha inédita nos sambas de enredo. A produção do álbum testou mais um expediente diferenciado na faixa mangueirense, colocando vários nomes consagrados no mundo do samba pra gravar o hino da verde-e-rosa. A Portela apresenta o melhor samba-enredo do milênio até aqui, e também nos brinda com a melhor gravação, num registro fonográfico antológico. A Vila Isabel esbanja ousadia ao apresentar uma obra extraordinária sem refrão central e com contracantos na segunda e um efeito stereo no mesmo. Beija-Flor, Unidos da Tijuca, Mangueira, Imperatriz e Mocidade também terão excelentes sambas. Já Salgueiro, União da Ilha, Renascer e São Clemente levarão para a Sapucaí obras apenas razoáveis. Porto da Pedra e Grande Rio são as responsáveis pelos hinos mais contestados de 2012. NOTA DA GRAVAÇÃO: 8,5 (Marco Maciel).

1 – BEIJA-FLOR – “Tem magia em cada palmeira que brota em seu chão”. Onze anos depois, a agremiação nilopolitana volta a citar São Luís do Maranhão em seu refrão principal, dessa vez com a própria capital maranhense sendo o enredo da escola, que abre o CD em grande estilo. O samba-enredo é originado de uma junção de dois concorrentes, algo que o diretor de harmonia Laíla já está há quase quatro décadas habituado. O único porém que aponto para a boa obra é a transição ainda um tanto estranha de um samba para outro, através do verso “irmão, seu olhar mareja” em que a melodia aparenta não ter ligação com a do trecho seguinte “no balanço da maré”, por sinal um dos destaques melódicos do samba-enredo (faço uma pequena ressalva para a rima mares/lugares, com ambas as palavras no plural um tanto forçado). O refrão central é a melhor parte do hino, impondo explosão e valentia. A segunda parte é outra a apresentar excelente conjunto melódico num todo, em especial no início “Ê rainha, o bumba meu boi vem de lá”. O contestado trecho “No rádio, o reggae do bom” fecha o samba em grande estilo em termos melódicos e realiza ótima transição para o bom refrão principal, que pertence ao outro samba concorrente. Neguinho da Beija-Flor tem boa atuação na condução do hino, o que não chega a ser novidade. NOTA DO SAMBA: 9,5 (Marco Maciel).

2 – UNIDOS DA TIJUCASimbora que a noite já vem, saudades do meu São João”. Uma agradável surpresa pelas bandas tijucanas. Com uma proposta de enredo um tanto diferenciada em relação aos últimos apresentados pelo carnavalesco Paulo Barros, o samba-enredo em homenagem a Luiz Gonzaga no ano de seu centenário é distinto dos apresentados pela agremiação desde 2004. Uma obra repleta de trechos emocionantes e de excelente qualidade melódica, em muitos momentos se remetendo a canções nordestinas, relação praticamente inevitável. O refrão principal é o único trecho que destoa do restante. As boas variações estão presentes nas demais partes. A primeira alia ginga e dolência. O estribilho central mantém o bom nível, funcionando bem na transição para a segunda, primorosa a partir do verso “Simbora que a noite já vem” até o último, numa sequência muito feliz por parte dos compositores. Na letra, as aspas que se remetem a canções do “Rei do Sertão” foram bem utilizadas, todas com contexto na linha poética do enredo, sem forçar. Bruno Ribas acrescenta qualidade à obra, com uma interpretação segura. NOTA DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 

3 – MANGUEIRA – “Respeite quem pode chegar onde a gente chegou”. Numa gravação que divide opiniões, o presidente Ivo Meirelles convocou os maiores expoentes do Cacique de Ramos, o tradicional bloco homenageado pela verde-e-rosa, para gravarem trechos do belo hino mangueirense, que mantém a linha dos anteriores apresentados pela escola. O que foi considerado no mundo do samba como o “We Are the World” carnavalesco, com vários artistas renomados registrando suas vozes numa única canção – e a base se resumindo apenas no surdo de marcação, no cavaco e no pandeiro -, revelou uma gravação um tanto irregular num conjunto geral. Irregularidade evidenciada com a participação de Jorge Aragão, que canta o trecho final que faz menção a sambas de sua autoria numa oitava abaixo dos demais. A segunda passada é executada com a bateria pelo coral de sambistas. Nenhuma voz se sobressai à outra, com direito a um pequeno paradão da “Surdo Um”, uma amostra do que virá por aí. O samba alia muito bem dolência, valentia e animação e promete mais um show mangueirense na Sapucaí. Os refrãos são de explosão (“Vem festejar na palma da mão” está dentro do contexto do enredo) e a linha poética está bem resolvida, embora gere polêmica a inclusão de um “novo” no verso “Salve o novo Palácio do Samba”, devido a conotações políticas, além de “A Surdo Um faz festa” ainda soar um tanto esquisito. De maneira a se ouvir uma risadinha de Beth Carvalho no fim da faixa, na hora em que os integrantes da bateria bradam o grito de guerra popularizado por Ivo “É Surdo Um, mané!”. A segunda parte representa o melhor momento da obra e o “hey, hey, hey” acabou sendo um recurso bem sucedido para reparar um buraco melódico entre um verso e outro. Curiosidade: Jorge Perlingeiro anuncia o trio de intérpretes Luizito, Zé Paulo e Ciganerey, suprimindo o nome de Vadinho Freire, aquisição recente que aparece mencionado no encarte. E a única vez em que a voz de Ciganerey é percebida ocorre no verso “Cacique e Mangueira num só coração”. NOTA DO SAMBA: 9,5 (Marco Maciel).

4 – VILA ISABEL “Viva o povo de Angola e o negro Rei Martinho”. Um primor. Apesar da levada um pouco para trás no CD, o samba da Vila torna nítido a poesia de primeiríssima qualidade, além de uma melodia esplêndida em vários trechos, em especial no falso refrão central sem repetição “Reina ginga ê matamba...”, além de toda a segunda parte. É nela que aparece a maior ousadia dos últimos tempos em um samba-enredo e que até despertou certa polêmica. A primeira versão do concorrente de Martinho para o enredo sobre Noel Rosa em 2010 apresentava contracantos na segunda, mas a direção da escola os vetou e o compositor precisou realizar alterações na obra, que seria a vencedora daquele carnaval. Dois anos depois, eis que os mesmos contracantos aparecem, numa ousadia arriscadíssima, mas de excelente agrado. Ou eles representarão um sucesso absoluto no desfile ou um fracasso retumbante. São estes contracantos que centralizam atenção num trecho absurdamente fantástico, que culmina num fechamento apoteótico através do “Viva o povo de Angola e o negro Rei Martinho”, funcionando muito bem na transição para o explosivo refrão principal. Vai depender do gogó afiado dos componentes da Vila. Segundo melhor samba do ano no Grupo Especial, com Tinga tendo condução correta. NOTA DO SAMBA: 9,9 (Marco Maciel).

5 – SALGUEIRO – “Salgueiro, teus trovadores são poetas da canção”. Para falar de cordel, a Academia apresenta um samba simpático e animado, mantendo a linha das obras anteriores, embora esta seja inferior a do ano passado. Mas o hino para 2012 contém diversas partes de explosão que deverão inflamar o componente e permitir mais uma boa passagem da escola na Sapucaí em termos de samba. Os refrãos são fortes, o que é comum no contemporâneo repertório salgueirense. As expressões nordestinas são bem empregadas e a melodia do samba-enredo, embora apresente poucas inovações, mantém uma linha correta. O maior destaque melódico é o trecho “Oh, meu padinho, venha me abençoar/Meu santo é forte, desse cão vai me apartar. Ao contrário da Mangueira, que costuma espalhar cada verso na voz de um intérprete diferente, o Salgueiro realiza um coerente revezamento entre seus trios de cantores. Os trechos defendidos por Quinho, Serginho do Porto e Leonardo Bessa se encaixam bem na voz de cada um. NOTA DO SAMBA: 9,0 (Marco Maciel).

6 – IMPERATRIZ – “A brisa a embalar histórias que falam de amor”. A agremiação gresilense apresenta mais um belo samba, fazendo jus à sua Ala de Compositores, atualmente a melhor da atualidade no Grupo Especial. A escola homenageará Jorge Amado na Sapucaí, mas a linha poética do samba-enredo deixou de lado as então prováveis menções às obras literárias do escritor, dando mais destaque às características da Bahia. Todo o samba é forte e pesado, com destaque absoluto para a segunda parte, tomada por variações de excelente qualidade que aliam dolência e explosão. A primorosa interpretação do experiente Dominguinhos do Estácio no álbum é uma atração à parte. NOTA DO SAMBA: 9,5 (Marco Maciel).

7 – MOCIDADE“Planta a semente do sonho em verde matiz”. A verde-e-branco de Padre Miguel abortou a linha de sambas arrasta-povo após o mau desempenho da obra de 2011 e volta a apostar num samba-enredo dolente. Para falar de Cândido Portinari, a Mocidade terá uma obra cujo destaque vai para a interessante linha poética. O hino é repleto de belos trechos, configurando uma bela coesão melódica (num geral, dolente e pesada) e com variações que favorecem o timbre agudo de Luizinho Andanças, estreante na agremiação e que tem excelente desempenho na faixa. O andamento da bateria “Não Existe Mais Quente” é o melhor do disco, fruto da aquisição do extraordinário Mestre Odilon. O desempenho dos herdeiros de André será determinante para o funcionamento do samba. NOTA DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel).

8 – PORTO DA PEDRA“É no mel que se adoça a magia dessas cores”. O criticadíssimo enredo sobre o iogurte, patrocinado por uma empresa de lacticínios, no final acabou não gerando um samba tão trágico como o esperado. Mas salientar que “iogurte deu samba” já é um senhor exagero. O samba-enredo do Tigre de São Gonçalo não chega a ser um boi-com-abóbora: é até um hino simpático e de audição agradável. Até peço desculpas ao internauta ao apelar para o inevitável clichê de que os compositores “tiraram leite de pedra”. Na letra, felizmente não são percebidos trechos tão forçados. Versos didáticos despontam como “A essência é derivada da mistura dos sabores/é no mel que se adoça a magia dessas cores”. E a melodia apresenta trechos interessantes. A boa condução do estreante na escola Wander Pires fornece qualidade ao samba, que ainda assim está muito aquém do que o bamba realmente gosta de ouvir. Pra se ter uma ideia, a obra está anos-luz atrás do hino de 2011 apresentado pela agremiação. Mas fica o consolo de que “poderia ser pior”. No CD, destaque para o agogô presente em toda a faixa. Curiosidade: durante o anúncio de Perlingeiro do samba do Porto, ainda é possível ouvir o coro “Mocidade, Mocidade”, em referência à faixa anterior. NOTA DO SAMBA: 8,2 (Marco Maciel).

9 – SÃO CLEMENTE“Tem bububu no bobobó, sem sassarico é uó”. O hino de 2012 da agremiação da Zona Sul resgata a tradicional irreverência da escola, característica nos anos 80 e 90. O samba é animado, funcional, pra cima e com alguns trechos dolentes, como recomendado para agremiações que abrirão uma noite de desfiles. O refrão principal se remete a um espetáculo musical nos tempos do Teatro de Revista, o Bububu no Bobobó, que, embora não mencionado na sinopse, é o maior destaque da obra. O que é visto como mau-gosto poético, no caso o trecho “bumbum de fora” e o trocadilho “puxa, aqui Paris”, na verdade representa um resgate oitentista de versos característicos da abertura política pós-ditadura, comuns na metade daquela década, e com um toque atual através da rima de “Bobobó” com a recente expressão coloquial “uó”. O violino presente em toda a faixa, absolutamente dentro do contexto do enredo, marca o retorno do instrumento em discos de sambas-enredo do Rio. Antes reproduzidos por teclados, o som não aparecia desde o álbum de 1999. Igor Sorriso defende o samba com garra, tendo uma das melhores atuações do disco. NOTA DO SAMBA: 8,6 (Marco Maciel).

10 – GRANDE RIO“Quem me viu chorar, vai me ver sorrir”. A faixa, num todo, chama mais a atenção com Wantuir, aos berros, clamando no começo da faixa: “Toca, toca, toca Invocada”. Apesar da referência ao nome do coração da escola de Duque de Caxias, as conotações de duplo sentido são naturalmente inevitáveis. O samba fala de superação, mas de antemão foram vetadas referências ao incêndio no barracão da agremiação que destruiu a maioria das fantasias e alegorias da escola a um mês dos desfiles de 2011, apesar do surgimento do enredo ter sido gancho inevitável do ocorrido. Os refrãos são bons, de longe as melhores partes do hino, que num todo não possui brilho. O que poderia ser um samba-enredo emocionante se tornou apenas uma obra burocrática, com duas partes que não chamam atenção e variações melódicas escassas. Por fim, a inclusão de Parintins na letra acabou desnecessária, destoando da subjetividade original da linha poética. NOTA DO SAMBA: 8,0 (Marco Maciel).

11 – PORTELA – “Eu venho estender o nosso manto aos meus santos do samba que são Orixás”. Uma celebração em forma de samba! Qualquer elogio a essa obra-prima nostálgica, com a cara da homenageada Bahia e que nos remete a sambas dos anos 70, pode soar como pieguice. Após os maravilhosos sambas de Vila Isabel e Imperatriz em 2010 não terem surtido efeito numa primeira tentativa de revolução no gênero, a Portela dois anos depois é a próxima na intenção de reconduzir o samba-enredo às massas, apesar de algumas subidas de tons com relação à obra original. O samba é completamente distinto da padronização atual, apresentando três refrãos fortes e três estrofes, das quais duas ágeis e a última com versos mais estendidos. O resultado final é inigualável. Um refrão principal arrasa-quarteirão, trechos gingados, com especial no primor da segunda estrofe “Vou no gongá bater tambor”, esta de uma felicidade ímpar, resultando num dos melhores conjuntos melódicos dos últimos tempos no Carnaval, pra ainda servir de transição para mais um estribilho, através da explosão do “Iaiá”. O último trecho é mais leve, e apresenta ao final uma explosão que serve perfeitamente para a apoteose do refrão principal. Talvez o único temor se encontre no canto embolado de alguns versos - fundamentais para a beleza do samba - na hora do desfile. A faixa ganhou um balanço irresistível da bateria portelense e uma interpretação de gala de Gilsinho. A bossa final na última passada do “Madureira sobe o Pelô” é algo que embarga a voz do sambista. Enfim, o samba-enredo do século até agora. NOTA DO SAMBA: 10 (Marco Maciel).

12 – UNIÃO DA ILHA“Vou botar molho inglês na feijoada, misturar chá com cachaça”. A agremiação insulana, apesar dos corretos canetaços sofridos em virtude da desnecessária fusão de 2010, novamente decide arriscar realizando uma nova junção de dois concorrentes. Mais uma vez, um dos campeões apresenta muito mais versos com relação ao outro. E numa atitude mais arrojada, ocorreu uma fusão de refrãos, com um novo sendo criado através de dois versos de cada samba vencedor. Mas o resultado final se configurou num hino agradável, embora muito distante dos clássicos insulanos e com ausência de inovações melódicas, mas ainda assim bem superior ao samba-enredo de 2011. A letra do samba que fala sobre a Inglaterra e faz referências aos Jogos Olímpicos de Londres-2012 apresenta sacadas criativas, como “A minha Ilha é ouro, é prata, tem o bronze da mulata”, além do comentado estribilho central, que sintetiza a tradicional animação da escola através do “Vou botar molho inglês na feijoada, misturar chá com cachaça”. Atual bicampeão do Estandarte de Ouro, Ito Melodia mais uma vez tem uma boa interpretação. Nada difícil, para mais um samba que casa perfeitamente com sua voz. NOTA DO SAMBA: 8,8 (Marco Maciel).

13 – RENASCER DE JACAREPAGUÁ“Moleque Recife é saudade”. A escola se apresentará pela primeira vez no Grupo Especial e abrirá os desfiles de domingo com um samba um pouco mais pesado que o recomendado, para homenagear o pintor Romero Brito. Valente, a agremiação de Jacarepaguá fecha o CD com um samba de audição agradável, mas distante em termos de qualidade da maioria dos hinos do grupo. O samba-enredo melhorou muito na voz de Rogerinho Renascer, que retorna à elite do carnaval carioca depois de sua última passagem pela Portela em 1999, e o embalo da excelente bateria da escola dá um toque especial à faixa, em especial na bossa da segunda passada do melhor trecho da obra, a partir do “Do alto do morro o redentor”. Alguns trechos de letra são um tanto contestados, como “pop arte ao mundo espalhou”, que poderia ganhar uma solução mais poética. NOTA DO SAMBA: 8,7 (Marco Maciel).

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