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Os sambas de 2010

Os sambas de 2010 por João Marcos

A GRAVAÇÃO DO CD - O Carnaval de 2010 traz algumas mudanças no CD dos Sambas-Enredo do Grupo Especial do Rio de Janeiro. A maior delas, obviamente, é a produção, que tenta trazer o clima das faixas para algo mais aproximado ao que se ouve nas quadras e na avenida. Até o fim dos anos 90, a marca das produções dos CDs era a gravação ao vivo, apenas com a pós-produção no estúdio. A sonoridade pesada começou a afastar os sambas das rádios. A partir de 1999, começou uma grande mudança: tentaram encontrar uma sonoridade parecida com a dos CDs de “pagode mauricinho”, que faziam gigantesco sucesso na época. Não deu certo. Depois, em especial a partir de 2005, voltou-se para um estilo próximo ao dos LPs do final dos anos 80, só que os "neo-sambistas" consideravam o CD “frio”. Agora, temos de volta a gravação ao vivo, com destaques para os corais e a bateria. Mas já que a onda são as citações, como a da “jaqueira da Portela”, vou pegar uma, do mesmo disco do Paulinho da Viola, da música “Argumento”– “olha que a rapaziada está sentindo a falta / de um cavaco de um pandeiro ou de um tamborim”. O som do CD é uma massaroca densa, onde mal se consegue ouvir alguma coisa além de surdo, caixas e chocalhos. Nenhum arranjo especial, nenhum violão esperto, nenhum instrumento inusitado, nenhum capricho, nada - só paulada na moleira. E o andamento? Aceleradíssimo, o que deixa as letras e a melodia em segundo plano. Não seguiram mais um dos conselhos do mestre: “Faça como um velho marinheiro / Que durante o nevoeiro / Leva o barco devagar”. Mas quem é Paulinho da Viola, não é verdade? Enfim, é tudo muito barulhento, cansativo, estressante e enfadonho. No meio de tanta poluição sonora, samba ruim e samba bom acabam nivelados, e isso é esquisito porque, na safra 2010, temos obras excelentes e coisas muito ruins. Do meio para o fim, o CD chega à beira do insuportável. Tirando Vila, Imperatriz e Beija-Flor (talvez Mangueira, com alguma boa vontade), os sambas são fracos, e pelo menos metade deles merecia uma canetada firme dos jurados. NOTA DA GRAVAÇÃO: 2,5 (João Marcos).

 

1 - SALGUEIRO – O samba salgueirense mantém basicamente o nível das obras dos últimos anos. Em comparação ao samba do título de 2009, p.ex., tem letra mais inspirada, que conta o enredo com clareza. O samba é muito alegre, mas a melodia não está redondinha: em alguns momentos, em especial na segunda parte, parece que os compositores se depararam com ciladas melódicas e não tiveram paciência de achar soluções criativas para resolvê-las, como p.ex. em “O faz-de-conta inocente da criança / Ficou guardado na lembrança”, que soa forçado, como se tivessem os versos sido acrescidos apenas para o enredo ficar completo. Como resolver? Colocando qualquer melodia só para o samba seguir. A mudança de melodia em “Divina criação, primeira impressão” foi benéfica, já que o trecho estava muito indefinido. Por fim, e é de se frisar: o refrão de cabeça é um arrasa-quarteirão daqueles que a escola não tinha há muito tempo. Se não é uma obra-prima, é simpática e uma audição divertida. NOTA DO SAMBA: 8,1 (João Marcos). 


2 - BEIJA-FLOR – O samba, que em sua versão concorrente, era arrastado, ganhou uma interpretação soberba - Neguinho da Beija-Flor acrescenta muita intensidade à faixa. A força e o clima do samba é de rolo-compressor, lembrando muito “Caruanas”, o excelente samba de 1998. Com trechos a menos e algumas correções, poderia facilmente entrar na lista dos melhores da história da escola. Infelizmente, Laila deixou passar algumas imperfeições técnicas, que dificultam muito o canto, como o claríssimo problema de métrica em “Segue a missão a caravana em jornada / Enfim a natureza em sua essência revelada”. A melodia, no entanto, compensa tudo isso. Como não se render à subida em “A força que fluiu desse amor é Paranoá... Paranoá”. As variações são riquíssimas e a melodia não cansa, apesar de alguns trechos não estarem do mesmo nível do resto do samba. Enfim, não é tão técnico como outros que a escola tinha à disposição, em especial o de Tom Tom e Cia., mas é tão forte e valente que merece todos os elogios. É samba de escola campeã. NOTA DO SAMBA: 9,3 (João Marcos). 

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3 - PORTELA – Vamos separar as coisas aqui. A faixa da Portela é a melhor produção do CD. O andamento acelerado da bateria fez bem para Gilsinho, que conseguiu o seu melhor desempenho em estúdio desde que chegou à escola. O samba pode tirar duzentas notas 10 dos jurados, PORÉM não resiste a uma audição mais criteriosa. Repousa numa melodia que, apesar de redonda, recicla as mesmas soluções dos sambas anteriores da parceria – um exemplo: novamente, abre como nos anos anteriores: “Portela segue os passos da evolução... Liberdade!” como em “O mensageiro do Olimpo anunciou... É carnaval!”, ou seja, com um verso que prepara para uma palavra que estica as sílabas, um “É caaaaarnaaaaavaaaaal” que poderia ser um “Meeeeeeeeu aaaaaaaaamooooooor”. É uma solução manjadíssima. E todos esses recursos estão repetidos ao longo do samba, num deja vu que irrita o mais atento. A letra, por sua vez, é formada por clichês e termos sobre a internet que a deixam trash até o talo. Um exemplo claro é o refrão do meio: “O meu pavilhão é minha paixão! A luz da ciência é ela... / é samba, é jaqueira que não vai tombar / Sou Portela!” Que diabos quer dizer isso? A Portela é jaqueira e luz da ciência? A jaqueira é a luz da ciência? O discurso não tem a menor coerência. Aliás, o expediente de citar um samba de quadra antigo da escola, no caso o “Jaqueira da Portela”, de Zé Kéti, que inclusive foi colocado de forma totalmente imprópria e sem qualquer ligação com o enredo, é mais um dos lugares comuns usados nos sambas atuais – foi legal no concorrente do “É de Arrepiar” do Clarão, foi legal no samba da Mangueira e no da Vila do ano passado, mas já se tornou repetitivo e chato. Se é para citar a jaqueira, prefiro o samba “Saudade da Jaqueira”, de Jacyr da Portela, comparando o samba de antigamente, o tempo da jaqueira, com o samba atual: “Hoje, nosso samba é diferente / Já não traz a poesia de Chico Santana e João da Gente/ Não existia sofisticação / Era espontânea a inspiração/ Não me leve a mal este recado / O comércio tomou conta / Hoje o samba é fabricado”. O comércio tomou conta mesmo, até uma empresa que vende computadores de péssima qualidade é citada na letra. Para não dizer que o samba da Portela não tem nada de interessante, a variação em “Rainha da PAAASSAAAAREEELAAAA” é bonitinha. Mas a obra é requentada e não está no nível de uma escola como a Portela. NOTA DO SAMBA: 6,7 (João Marcos). 


4 - VILA ISABEL - O SAMBARIO documentou tudo pelo qual passou o samba de Martinho, desde a versão cantada pelo próprio, disponibilizada aqui em primeira mão com exclusividade, depois as diversas versões com Wantuir. Agora, temos a versão final. O samba já teve andamento lento, já teve contracanto, já teve refrão curto, já teve refrão longo, já teve a segunda parte jogada para baixo, jogada para cima, e... continua sensacional. A força da melodia, a beleza da letra, do sentimento e da homenagem persiste, sobreviveu a tudo a que foi submetido este samba em nome de sua modernização para os desfiles atuais. Se a versão original continua sendo ainda a minha preferida, esta do CD, mesmo com as pequenas mudanças na divisão das sílabas, mesmo com o andamento incompreensivelmente acelerado, continua sendo o destaque absoluto da safra. É um samba que, realmente, tem a energia da nossa Vila Isabel. Desde “Manoa”, eu esperei um samba para dar a nota máxima. Chegou a hora. NOTA DO SAMBA: 10,0 (João Marcos).


5 - GRANDE RIO – Este samba é a materialização de tudo que aconteceu de errado na Grande Rio na última década. A escola abriu mão dos sambas classudos dos anos 90 e da bateria espetacular para fazer um samba “para cima” com andamento acelerado. O enredo não deixa a menor dúvida do patrocinador e de como os compositores foram obrigados a citá-lo diretamente. E aí, chega aos nossos ouvidos o “explode o camarote número 1” que, talvez, seja, um comando para a ação de algum terrorista, sei lá. Ou será que a arquibancada vibra quando o camarote explode? Sejamos sinceros, a coisa é bem clara – o camarote explode, mas a arquibancada só vibra, dando bem a dimensão de para quem esse desfile será voltado. Quanto ao samba, bem marcheado, tem um ou dois trechos mais inspirados, como no refrão do meio, que começa bem, mas termina com o verso de gosto duvidoso “quero mais que nota trinta pro talento do João”. A parte que enumera os desfiles famosos não possui nenhuma poesia, e vem com mais versos forçadíssimos como o “Será que no terceiro milênio haverá / Festa cigana na Avenida?” Mesmo quando o samba tem momentos que chegam a algo perto de uma emoção, como na homenagem a Jamelão, que é bonita e aponta para uma variação melódica que deveria ter sido mais bem explorada, a coisa dura pouco e a bateria ainda fez uma simulação da batida da Mangueira que distrai o ouvinte. NOTA DO SAMBA: 6,9 (João Marcos). 


6 - MANGUEIRA – Os “três tenores” foram uma ótima jogada de marketing, mas deixaram a dúvida – como ficaria a divisão dos intérpretes na gravação? Cantariam em uníssono? Daria certo? Eu diria que não comprometeu o samba. Porém, os estilos dos tenores são muito diferentes entre si e como cada um deles cantou apenas determinados versos, evidentemente, alguém teria de sair prejudicado – e no caso, sobrou para o Zé Paulo, que teve de cantar num tom mais baixo para acompanhar Rixxa e Luizito e acabou sendo menos vibrante do que de costume. Agora, apesar da qualidade dos intérpretes, acho que a idéia dos “três tenores” acaba afastando o conceito de “voz da Mangueira”, que sempre foi uma das marcas da escola, e isto justamente quando Luizito começava a se firmar como essa “nova voz”. Mas voltando ao samba, os bons refrões e a melodia são muito interessantes e poderão dar muito certo na avenida. A letra é que se baseia demais em citações e, basicamente, toda a poesia do samba é calcada nestas “aspas”. A única sacada realmente original são os versos “Atrás do trio eu quero ver / O baile começar e a noite adormecer”, que falam dos trios elétricos e dos bailes funk sem apelar ao popularesco e sem quebrar o discurso poético. É um samba muito bonito e melhor que o de 2009, que levou o Estandarte de Ouro. NOTA DO SAMBA: 8,7 (João Marcos). 


7 - IMPERATRIZ – O samba é, sem dúvidas, um dos melhores do milênio, é moderno e une tudo que um bom samba atual deve ter – letra poética sem aspas e sem rebuscamentos desnecessários, valentia, variações melódica inteligentes. O refrão de cabeça é um achado. Minha única observação é para o verso “Traços de tradições”, que é meio “trava língua” (um tigre, dois tigres, três tigres), mas isso aí é mais chatice do que problema do samba. Só é inferior ao samba da Vila. NOTA DO SAMBA: 9,8 (João Marcos). 


8 - VIRADOURO – A partir daqui, a queda de qualidade nos sambas é muito grande. O da Viradouro é uma daquelas obras que não causam grandes impressões no ouvinte. O discurso poético não se define em momento algum – o samba se mostra em primeira pessoa, em terceira pessoa; uma hora o poeta é o México, outra é o povo. Os rebuscamentos deixam a coisa sem sentido: “Um dia sangra o chão / desejo do invasor / Sofri na traição do opressor”. É o mesmo tipo de erro do samba da Vila Isabel do ano passado, a letra desconjuntada, a ausência de artigos definindo as expressões. A melodia tenta ter bons momentos, em especial, em “Os templos sagrados vão resplandecer”, mas na segunda parte, a coisa fica confusa, sem definição, não se encontra até chegar ao refrão principal, que é genérico, sem força. O refrão do meio é um pouco mais interessante, mas não salva o samba. NOTA DO SAMBA: 7,0 (João Marcos).


9 - UNIDOS DA TIJUCA – Se o samba da Viradouro não causa grandes impressões, o da Unidos da Tijuca menos ainda. É mais certinho, mais redondo em melodia, mas também é mais cansativo, até porque a única solução realmente interessante, a variação melódica no verso “Unidos da Tijuca, não é segredo eu amar você”, que já é bem comum nos sambas atuais (é uma solução semelhante ao “Arriba Vila, forte e unida”), também é repetida na segunda parte, em outro verso, servindo como anticlímax. O refrão do meio não tem grande força e o de cabeça é apenas correto. A letra é pontual, sem nenhuma sacada brilhante – coisa que vários outros concorrentes da escola tinham – e também deixa o ouvinte um pouco perdido quanto ao foco do enredo. É um samba que gera um efeito semelhante ao de 2009, ou seja, é um tanto frio, apesar de não ter erros relevantes, e, na comparação, não possui nem a melodia sofisticada, nem a poesia do samba sobre o céu. NOTA DO SAMBA: 7,2 (João Marcos).


10 - PORTO DA PEDRAA escola não tinha muitas opções – o enredo não inspirou a ala de compositores. Mas esse samba é difícil de ouvir. O refrão é tão genérico, mas tão genérico, que além da melodia requentada, consegue a façanha de rimar “cidade” com “felicidade”, talvez a rima mais manjada desde o... “Ita”? E o que dizer da inspiração de versos como “Há muito tempo o homem deu no couro / Encontrou esse tesouro /De roupa resolveu chamar”? E o pior é que nessa parte, que tenta ser um pouco irreverente, a melodia banca emoção, num desencontro, num equívoco tão grande que é quase bizarro. O resto do samba segue o mesmo caminho – quer mais um exemplo? O refrão do meio, com um “modéstia a parte” sem sentido e deslocadíssimo, apenas para completar o verso, sem qualquer outra função na letra. Samba desse nível eu até aceitaria numa escola que desfile na Intendente Magalhães; no Grupo Especial, não pode caber algo assim, nem levando em conta a qualidade dos sambas atuais. É muito, muito ruim. NOTA DO SAMBA: 5,8 (João Marcos).


11 - MOCIDADE – O samba da Mocidade é uma marcha assumidíssima, que “não tá nem aí” para os críticos chatos e ranzinzas, como eu. E, talvez, essa seja a sua grande virtude – tecnicamente, é um horror, mas é muito gostoso de cantar. Sinceramente, prefiro muito mais algo assim, solto, brincalhão, do que os sambas-xarope de qualidade duvidosa que, nos últimos anos, a escola vinha escolhendo. O refrão de cabeça é divertidíssimo e a primeira parte só cai um pouco no finalzinho, no verso “Sem trégua, nem légua” que, aliás, não tem sentido algum e está um pouco sem definição melódica. O refrão do meio não é muito forte, mas acaba fazendo com que a entrada da segunda seja bem para cima. A síntese do que é este samba é o final, preparando para o refrão: “Estrela faz o meu sonho mais real / Sacode a Sapucaí / É carnaval” – é evidente que isso aí é para encher lingüiça, é clichezão, mas e daí? Os sambas do final dos anos 80 eram mais ou menos assim (convenhamos, “Liberdade, Liberdade” era exceção, não regra) e os LPs eram bem mais divertidos. E o samba da Mocidade, por mais defeitos que possua, pelo menos alivia um pouco o ouvinte do sofrimento anterior. NOTA DO SAMBA: 8,0 (João Marcos).


12 - UNIÃO DA ILHA – A Ilha vem com um samba superior ao que vinha apresentando nos últimos anos. No entanto, ainda está bem abaixo do padrão de qualidade da escola, que a tornou tão popular e querida para os foliões. O refrão de cabeça tem melodia requentada e o do meio, adicionado numa fusão desnecessária, estraga o clima do samba porque muda o discurso poético, com seu “o povo grita olé” e “a bateria deita e rola”, que apelam a um popularesco que não se vê em nenhuma outra parte do samba. Aliás, a repetição da palavra “povo”, sem causar efeito algum, foi um descuido que um jurado atento pode tomar por falta de criatividade. A melodia é bem simples e não chega a empolgar e a letra, mesmo sem grandes momentos, passa a idéia geral do enredo. Enfim, não é uma grande obra, mas bastante digna. NOTA DO SAMBA: 7,7 (João Marcos).

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