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Os sambas de 2010 - Acesso A

Os sambas de 2010 - Acesso A por Marco Maciel


A GRAVAÇÃO DO CD – O que já estava bom, ficou ainda melhor! No CD de estreia da LESGA para os sambas do Acesso, a bateria foi o destaque absoluto do álbum. Porém, os corais despreparados, um tanto desentrosados e com falta de afinação em muitos momentos fizeram o disco ser bombardeado por críticas negativas. Ivo Meirelles, produtor do CD 2009, foi substituído por Leonardo Bessa, que voltou a ser o responsável pelo álbum do Grupo A. A missão de Bessa foi corrigir os defeitos do bom CD de 2009, a fim de torná-lo ainda melhor no ano seguinte. E a tarefa foi cumprida com louvor, pois Bessa traz para o amante de carnaval um dos melhores discos de samba-enredo da década. Bateria com força e cadência perfeita em praticamente todas as faixas, tornando as audições de cada faixa agradabilíssimas. E tanto o canto do intérprete como do coral estão no ponto certo, sobretudo com a afinação correta. Esse exemplo eu almejo para a evolução do CD do Grupo Especial. Se em 2010, depois de mais de uma década sem realizar produções ao vivo, a LIESA consegue produzir um bom CD já muito acima dos anteriores, os defeitos do álbum do Especial podem muito bem ser reparados no disco de 2011, bem como ocorreu com a nítida melhora do CD do Grupo A de um ano para o outro. Que Laila, Zacarias e Mário Jorge Bruno se espelhem em Leonardo Bessa. Sobre a safra, é superior à do ano anterior, que apresentou mais sambas ruins que bons. Já em 2010, não temos um samba que possamos considerar péssimo (São Clemente é o mais fraco, mas não chega a ser sofrível). A safra é bastante nivelada, de média para boa. Todos os sambas, em virtude da excelente gravação, garantem audições agradáveis. Apenas a Unidos de Padre Miguel errou a cadência da bateria no registro, mas nem por isso a faixa é ruim. NOTA DA GRAVAÇÃO: 9 (Marco Maciel). 

1 – RENASCER DE JACAREPAGUÁ – “O tempo não para, como uma onda do mar”. Numa menção ao clássico enredo “Tupinicópolis”, desenvolvido pelo saudoso Fernando Pinto para a Mocidade em 1987, a Renascer traz uma cidade não de índios, e sim no coração do mar: “Aquaticópolis”. A letra é bastante criativa, tem sacadas inteligentes como “Tormenta social, corrente da ressaca de ambição, é tão desigual a maré da exclusão”, nunca deixando de citar termos referentes à água e ao mar. Na melodia, a valentia se sobressai, com destaque maior para o belo refrão central, sem contar o intérprete Rogerinho, em perfeita atuação, valorizando ainda mais o belo samba da Renascer, que também contou com um show da bateria. Abre o CD em grande estilo. NOTA DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 

2 – ROCINHA – “Mulheres de luta, as filhas da guerra”. Mantém o bom nível do samba da Renascer, com uma melodia muito bem trabalhada e que tem, na sua primeira parte, o seu ponto forte. Os primeiros versos “Aurora de uma nação, o vento soprou: eram Miracemas...” melodicamente chegam a se remeter a sambas mais antigos. Muito bonito mesmo! Refrão central e segunda parte também correspondem muito bem. Talvez o refrão principal destoe um pouco das demais partes, de forma inferior. Mas nada que comprometa o bom samba da Rocinha, que se encaixou perfeitamente na voz de Leléu. NOTA DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 

3 – SÃO CLEMENTE – “Baderna em cada esquina, o gato agora é geral”. Exatamente 20 anos depois do clássico enredo “E o Samba Sambou...”, a escola realizará um desfile com crítica semelhante direcionada ao fim das tradições do carnaval e da proliferação do mercantilismo na folia, porém mais atualizada, tratando de questões como a rainha de bateria pagar para obter o posto nas escolas. Já foi prometido que a escola terá uma ala falando dos sambas-enredo fracos escolhidos atualmente. A ironia é que este mesmo samba da própria escola, que serve para criticar os atuais rumos tomados pelo carnaval, é muito fraco. É só compará-lo com o sensacional “E o Samba Sambou...” de 1990, para perceber que a diferença melódica e poética entre ambos é abissal. E ainda há uma contradição na letra do samba 2010, pois praticamente a primeira parte toda exaltando o Rio de Janeiro em pleno “choque de ordem na folia”, com a crítica despontando apenas a partir do refrão central e na segunda parte, com versos simples e diretos demais, como “Genitália apareceu, o Rei Momo emagreceu e a Rainha paga pra sambar” (com direito a Leonardo Bessa encarnando uma personagem do “Zorra Total”). O verso “Carnavalesco a esmolar” é muito pobre poeticamente. Enfim, faltou um choque de ordem na própria disputa de samba da São Clemente... Pelo visto, o samba continua sendo dirigido com sabor comercial! NOTA DO SAMBA: 7,5 (Marco Maciel). 

4 – ESTÁCIO – “Eu sou do Velho Estácio e se morrer é de emoção”. É um samba bonito, porém ainda creio que falte alguma coisa nele, tipo uma parte de maior explosão ou de maior lirismo para deixá-lo com um status marcante. A auto-homenagem da Estácio de Sá possui momentos inspirados, como o refrão central e a menção a Dominguinhos do Estácio na segunda parte. Como não poderia deixar de ser, possui um grande número de aspas em virtude da lembrança de canções de Ismael Silva e de desfiles clássicos da escola, como “Paulicéia Desvairada”, que rendeu o título de 1992 e “Arte Negra na Legendária Bahia” (1976). Poderia haver pelo menos menções a sambas famosos como “Rio Grande do Sul na Festa do Preto Forro” (1972) e “Festa do Círio de Nazaré” (1975), mas nada que comprometa a obra. Como ressaltei, falta um pouco mais de brilho, um toque especial que deixaria este samba diferenciado. Correta a atuação do Serginho do Porto, com destaque para a participação de Dominguinhos do Estácio cantando o alusivo. NOTA DO SAMBA: 9 (Marco Maciel). 

5 – SANTA CRUZ – “Vem pierrot, pra Colombina não te ver chorar”. O samba é curto, tem características funcionais, letra simples, com a marca do compositor multi-campeão Fernando de Lima... mas é encantador. A pureza da melodia, com refrões belíssimos e uma segunda parte muito bonita, aliada à forte interpretação de Igor Vianna (que precisou cantar numa de suas mais elevadas oitavas) e à excelente atuação da bateria, faz da faixa da Santa Cruz uma das melhores do CD, tanto pela qualidade da produção quanto pelo samba-enredo em si. Destaque para o curioso caco de Igor ao final do samba, “Fogo no palhaço”, que ele lançou no CD do Grupo Especial da LIESV 2009, quando defendeu o samba da escola virtual União do Samba Brasileiro (atual bicampeã). NOTA DO SAMBA: 9,3 (Marco Maciel). 

6 – PARAÍSO DO TUIUTI – “Voa e vai buscar na lua, onde ainda chora o seu pierrot”. O samba-enredo sobre a pesquisadora Eneida de Moraes ficou muito mais encorpado e valorizado com a interpretação de Anderson Paz, que também contou com uma excelente atuação da bateria. O refrão central, melodicamente, é a sua melhor parte. No mais, a letra e as demais partes melódicas são apenas corretas, com o refrão principal não se destacando muito. É um bom samba, porém sem brilho. NOTA DO SAMBA: 8,5 (Marco Maciel). 

7 – IMPÉRIO DA TIJUCA – “Quem sou eu? Guerreira que nasceu lá em Matamba”. Com um enredo afro, homenageando a rainha africana Ginga, o samba-enredo corresponde as expectativas, sendo bastante valente, com a letra em primeira pessoa, refrões fortes e melodia bem variada, com cada nota sendo valorizada por Pixulé, um dos melhores intérpretes da atualidade. Certamente, um dos melhores do Grupo A. NOTA DO SAMBA: 9,4 (Marco Maciel). 

8 – INOCENTES DE BELFORD ROXO – “Vou matar minha sede na mensagem de fé”. O samba tem um formato diferente, com primeira parte longa e a segunda curta, mais refrões fortes, com amplo destaque para o diferenciado refrão central “Roda d’água, faz mover o meu pilão...”. O samba-enredo tem um absurdo crescimento devido a mais uma fantástica gravação de Preto Jóia, talvez o melhor intérprete da atualidade em gravações de sambas-enredo para discos. Impressiona a facilidade que o ex-intérprete da Imperatriz possui para se adequar aos sambas que canta. Ele consegue imprimir sempre o seu mesmo estilo malandreado em sambas das mais distintas qualidades, sem que estes percam suas identidades originais. Feliz a Inocentes em trazer Preto Jóia de volta ao carnaval, mais feliz ainda fica o bamba. Que nunca mais Preto Jóia se afaste do carnaval carioca. NOTA DO SAMBA: 9,2 (Marco Maciel). 

9 – CAPRICHOSOS – “Tem bumbum de fora pra chuchu”. O samba-enredo dispensa comentários adicionais. É conhecido por todos, é um dos maiores clássicos do gênero e símbolo da abertura política que se desenhava definitivamente a partir daquele distante carnaval de 1985. O único problema é que a letra da obra é datada no início da segunda parte, por se referir à ausência das eleições diretas para presidente, restabelecidas desde 1989. Mas esse trecho é de menos, já que o restante da segunda é bem atual, principalmente nos trechos “Hoje está tudo mudado, tem muita gente no lugar errado, onde andam vocês, antigos carnavais...”. Vale destacar a excelente estreia do jovem intérprete Thiago Brito. Com um estilo semelhante ao do saudoso Jackson Martins e de Zé Paulo, Thiago segura tranquilamente o famoso samba-enredo, com a categoria de um veterano. Deverá ter um futuro brilhante pela frente!  Bonita a homenagem à Carlinhos de Pilares no final da faixa. NOTA DO SAMBA: 10 (Marco Maciel). 

10 – IMPÉRIO SERRANO – “Me amparo na lança do Santo Guerreiro”. É um caso à parte. O Império tinha, em sua disputa final, dois sambas superiores a este vencedor, principalmente a obra-prima de Arlindo Cruz e um dos refrões mais emocionantes dos últimos tempos (“Quem é Império Serrano não chora...”). Porém, a escola optou por este samba-enredo, o mais valente dos três finalistas, talvez objetivando um sacode semelhante ao executado no desfile de 2008 em homenagem a Carmem Miranda. Pela gravação, você já pode prever com total precisão: este samba-enredo promete promover um dos maiores sacodes da história do Sambódromo. Se optasse pela obra da parceria de Arlindo Cruz, a escola teria o melhor samba-enredo disparado do Grupo de Acesso, já que era um samba de apelo semelhante ao vencedor, mas com melodia muito melhor trabalhada. Mas o Império planeja colocar a Sapucaí abaixo, com um samba bem superior ao de 2008 e com uma capacidade ainda maior de embalar um desfile histórico da Serrinha. A aceleração em demasia da bateria na faixa deixa clara a intenção do Império Serrano, ao colocar o exato ritmo de avenida no CD: a emoção aumenta a cada audição. O samba tem um apelo impressionante, um clamor que atrai o bamba a se apaixonar cada vez mais por esta escola: uma verdadeira vanguarda do samba, uma das poucas que não abre mão de suas tradições em contrapartida a um sistema injusto que insiste em rebaixá-la porque esta quer apenas fazer seu carnaval tradicional, sem qualquer tipo de luxo, mas com chão e emoção. A voz que se sobressai na gravação é a do intérprete Bira Silva, que terá vários cantores da casa para auxiliá-lo no desfile. Enfim, pela capacidade de emocionar o bamba e o componente, é o melhor samba do Grupo A (não contando a reedição da Caprichosos). Curiosidades: a bossa de agogô no início da faixa faz menção à música “O Descobridor dos Sete Mares”, na gravação de Tim Maia. E o único porém da faixa, aquele “Império Serrano é a sinfônica”, lembra muito um recente comercial de sandálias: “Só Ipanema tem as anatômicas”, também repetido exaustivamente. Procurem no YouTube e comparem... NOTA DO SAMBA: 9,7 (Marco Maciel). 

11 – UNIDOS DE PADRE MIGUEL – “Sou aço da lança, trazendo a bonança, pra comunidade da Vila Vintém”. Na gravação, a bateria da Padre Miguel errou a mão. Acelerou demais o andamento, comprometendo a melodia e a interpretação de Edson Carvalho, apenas discreta, de maneira a não ouvirmos o que canta em alguns trechos, em função da bateria abafar a sua voz. Sobre o samba, o estilo melódico é bem característico dos famigerados sambas de escritório, a começar pelo refrão central com a fórmula “pergunta e resposta”, sem contar a descrição em terceira pessoa do aço, com melodia genérica em muitos trechos. O refrão principal, que é a parte mais bem desenvolvida em termos melódicos, foi muito prejudicado pela bateria acelerada. NOTA DO SAMBA: 8,4 (Marco Maciel). 

12 – CUBANGO – “Mais doido é o povo ou quem te governa?”. Decididamente, a irreverência de Milton Cunha não tem a cara da escola. É o carnavalesco quem está colocando a sua cara ao Cubango, de maneira ao intérprete Tiãozinho Cruz soltar o bizarro caco “Milton Cunha chiquérrimo” ao término da faixa. Em detrimento aos tradicionais enredos de tendência afro do Cubango, ele traz para a verde-e-branco de Niterói um tema sobre... a loucura. O samba-enredo, como esperado, é animado, completamente pra cima, e será o fundo musical de um espetáculo irreverente, bem como o samba, com trechos divertidos como “Ta lotado de maluco” e “O meu Brasil pinel desperta pra folia”. O hino é bom para descontrair. Mas é totalmente diferente do estilo cubanguense. NOTA DO SAMBA: 8,8 (Marco Maciel).