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O Alabê de Jerusalém, a Saga de Ogundana (Viradouro - 2016)
O Alabê de Jerusalém, a Saga de Ogundana (Viradouro - 2016)

Introdução:

Motivado, sobretudo, pelos dramáticos conflitos étnicos e religiosos que assolam o ventre da Mãe Terra, o G.R.E.S. Unidos do Viradouro propõe como enredo para o carnaval de 2016 a saga de Ogundana, o Alabê de Jerusalém, cujo principal objetivo é a união entre os povos através do que há em comum entre eles, independente de suas diversidades.

O africano contemporâneo de Jesus Cristo, Ogundana, o Alabê de Jerusalém, é o principal personagem da obra literária e de uma ópera com o mesmo nome que, ao ser encenada no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, recebeu uma série de comentários elogiosos. O enredo será apresentado em quatro partes:

Gênese:

Há dois mil anos, início da Era Cristã, nasce em Ifé, reino Ioruba do anigo Daomé, Ogundana, filho espiritual de Oxum e Xangô.

Às véspera de completar seus doze outonos, Ogundana é iniciado um “Alabê” (Cuidador da música nos rituais tribais) e, recebe dos sacerdotes a empunhadura do archoete que ilumina os fundamentos dos Orixás, o conhecimento dos segredos terapêuticos dos metais, folhas, raízes e o saber de que com cânticos, preces, cura-se doentes da alma, traumas desaparecem e, que quando um Orixá desce na cabeça de um Iniciado, todo o mal pode ser neutralizado e até as feras obedecem.

Ao ser portador desses dons, o espírito cigano que desde muito cedo o acompanha se manifesta em plenitude.

Então, numa daquelas noites, quando a aldeia dorme, busca as bênçãos dos Orixás, faz a Oxum e Xangô oferendas e parte em direção ao Norte africano à busca do desconhecido, compreendendo que, vai como galho de uma árvore ao quintal do vizinho, mas que com permissão da raiz e, que se sangrar os pés no caminho a Mãe Terra o reconhecerá onde quer que esteja.

Trajetória:

Na solidão da dura caminhada, restaura-lhe a altivez, o destemor, a irradiação de calor da faísca de Xangô em suas veias, das mãos de Oxum descem águas do Orum nas tranças do seu cabelo, a lança de Exu, o Agadá de Ogum, cruzando-lhe no céu lhe doam o anel e o colar dos guerreiros, da concha do mar, ouve a voz de Iemanjá revelando-lhe segredos, quando a tristeza o fustiga, sente as mãos de Omulu e Nanã lhe acariciando a fronte.

E assim, seguindo em frente, Ogundana foi agricultor junto aos núbios, pastor de ovelhas entre os árabes, condutor de parelha de bois nas savanas sudanesas. Ao conhecer o deserto inclina-se diante de sua soberania, reverencia sua coroa, compreendendo que quem ao deserto se alia, o trata sem heresia, respeita sua geografia, a si mesmo aperfeiçoa. Assim foi feito.

Chegando à primazia na leitura dos búzios, reconhece o poder medicinal nas novas plantas que encontra, assim sendo, chega à fama de curador, entre os pobres e a nobreza.

No Egito, encanta-se com as divindades Ísis, Horus e principalmente com majestade do espírito doador do Nilo. Nessas terras conheceu seu primeiro amor.

Por onde passa, Ogundana percebe a presença dos Orixás em confraternização com deuses de outros povos e certifica-se, cada vez mais, que o Divino em nós é que nos aproxima.

No reino da Núbia, Ogundana deparando-se com um centurião romano, gravemente ferido em batalha, põe-se a cuidar do guerreiro com ervas sagradas, cânticos e preces.

O Centurião, quando curado, encantado com sua sabedoria, o convida a ir para Roma.

Na cidade das setes colinas, Ogundana reconhece algumas afinidades entre alguns deuses romanos e iorubás e, reconhecida sua competência, passa a receber soldo militar para cuidar dos oficiais, senadores do Império Romano e suas famílias.

Encontro:

Depois de algum tempo, seus feitos causam inveja e despeito em romanos, aos quais estava ligado em função de seu ofícios, fatos que o levam a temer por sua integridade.

Alertado pelo amigo centurião, Ogundana integra-se, como médico, à tropa do novo Procurador da Judeia, Pôncio Pilatos e cruza o Mediterrâneo em direção ao Oriente Médio.

Em Cesareia, domínio de Herodes Antipas, a uma unha da águia romana, Ogundana tem contato com um homem que lhe parece possuir a vibração de Xangô, o gigante do deserto, João, o Batista.

Herodes Antipas costumava promover festas monumentais nos suntuosos jardins de seu palácio com a presença de escravas para servir à volúpia de seus aduladores.

Num desses festejos, exibiu-se Salomé, oferecendo-se ao soberano em troca da cabeça do grande João Batista.

Ogundana desgastado com os exageros dos que lhe garantiam o salário, mesmo continuando em Cesareia, abandona as tropas do Império.

Um dia, passeando às margens do Mediterrâneo, encontra aquela que se tornaria o grande amor de sua vida, a bela judia da comunidade essênia, Judith.

Fundem-se suas almas, suas culturas, como se fundem os matizes de uma original tintura extraída de diferentes raízes, pra assim tornar possível uma pintura nova, fecunda e arrojada.

Judith aprende os preceitos das cerimônias yorubanas, ao toque dos tambores dança como uma africana. Ogundana encanta-se com as homilias dos profetas, a maestria do poeta dos salmos, com as danças, as profanas e as sagradas. Unem-se então, num ritual híbrido, judaico-africano.

Judith, orgulhosa do seu homem, o leva a Galiléia para que conheça o mais jovem profeta da Judéia. Ogundana se comove ao ouvi-lo no poema do Sermão das Bem-Aventuranças e vai às lágrimas quando a luminosidade do jovem Jesus o remete a Oxalá.

Ao retornarem a Cesareia, Herodes Antipas cometera mais uma de suas levianas atitudes, confiscara propriedades de grupos religiosos, entre as quais, a doce morada dos vinhedos, onde vivia a família de Judith.

Com ajuda financeira de Ogundana, a família ruma a Jerusalém, onde viviam alguns parentes. Judith a acompanha. Ogundana ainda não, pois não teria como abandonar uns tantos enfermos aos seus cuidados.

Meses depois, chegando em Jerusalém, impressiona-se com a beleza da cidade que lhe parece uma joia dourada incrustada sobre a rocha, seus muros iluminados por tochas, um colar majestoso, um protetor orgulhosos daquele lugar feminino tomado por viajantes das mais variadas origens, uma bela mistura de idiomas e etnias.

Todavia, toma consciência da tensão ambiente, por conta da perturbação dos sacerdotes com a presença do jovem ornamentado com os diamantes da dignidade espiritual, vestido com os esvoaçantes tecidos da sabedoria ornados com filamentos da ética e do respeito, bordados com pérolas raras da inacessível verdade, Jesus.

Ogundana reencontra, então, sua amada Judith.

O belo casal tem contato com outros seguidores do Messias, entres esses, um libanês que promovia encontros em sua casa. Num deles, Ogundana conhece as Mães de Belém que tiveram seus filhos mortos por Herodes, O Grande. Elas foram a Jerusalém para rever Jesus, o único menino sobrevivente àqueles terríveis dias.

Acompanhando Jesus Cristo, Ogundana afirma, em seu íntimo, a certeza das estreitas relações entre todas as formas de religiosidade e, de que só com sincera busca do Divino em nós é que pode produzir a igualdade entre os humanos.

Com a morte de Jesus a cidade perdendo encanto, Ogundana e Judith decidem descer Jerusalém e viver próximo ao Mar da Galiléia.

Antes da partida, vão ao Gólgota para matar saudade do Meste, lá encontram grande quantidade de seguidores e, aos prantos ao assiste Maria acalentando o coração da senhora que lhe foi pedir perdão pelo erro do filho, a mãe de Judas Iscariotes.

Purificação:

Hoje, mais de dois mil anos depois que o sol nasceu e se pôs, esse filho da terra dos Orixás que andou pelos três continentes conhecidos em sua época, África, Europa e Ásia, é uma luminos entidade espiritual que se manifesta nos templos de matriz africana. O Alabê de Jerusalém que, retornando à Mãe Terra para cumprimentar o Novo Mundo das Américas escolhe o Brasil, pátria do céu do Cruzeiro do Sul, para onde migrou o Panteão de Daomé, do povo Yorubá, Gege, Banto, Keto, Nagô, que une branco e pretos em torno dos atabaques, os da alta roda, os do gueto, os sem camisa e os de fraque na celebração da vida.

Quando questionando sobre a que rumo tomar para que, entre os humanos, se manifeste, em plenitude, o sublime responde:

A Terra ficou pequena, às gerações por vir, menor ainda. No meu tempo eram os tambores a transmitir mensagens, hoje, na velocidade da comunicação, as diferenças entre vós, tribos terrestres, se agigantam, é o que, eventualmente, vos parece.

Mas sois um único povo, cuja beleza reside nos tantos matizes a colorir vossos corpos, almas, cidades, países, continentes, sois cidadãos de uma única pátria, a TERRA, cuja bandeira é ainda por ser concebida e hino por ser inspirado.

Os grandes Avatares já vos visitaram e, por amor e bondade, impuseram-se a dores e angústias pesadas. Não há dúvida que sabiam que vosso limitado olhar poderia transformar suas orientações em vergões a vos fustigar, assim tem sido feito.

Corrigirão equívocos, as gerações por vir, não que seja melhores que as velhas gerações, essa é a estrada. Todavia, a lentidção nesse avanço já não vos é permitida, torna-se urgente a negação do futuro paraíso ou seu posto, dois imaginários reinos que vos afastaram de casa. Demonstrai gratidão pelos elementos que Terra vos empresa na construção do magnífico corpo físico.

Devolvei esse carinho preservando o ar, a água dos mares, dos rios, as florestas, os preciosos bens naturais que vos mantém vivos.

Assim sereis religados à soma de todos os “eus”, Deus.

É o bastante, pois não há como unificar os homens, agrupá-los numa única fé, nem tampouco o porquê. É bem mais bonito saber que Deus manifesta-se de muitas formas diferentes e, de que em nenhum lugar é ausente.

No Egito, os que adoravam Ísis, não eram menos felizes que nenhum de vós, quando estive em suas terras, não tenho nenhuma dúvida que a divindade do Nilo veio sempre em meu auxílio ao ouvir a minha voz.

Como reverenciar na Judeia, a divindade das florestas, se lá elas não existem, a entidade do rio, se eles são tão poucos, como crer que Iemanjá é rainha do mar, se na Judeia o mar, é Mar Morto?

Assim, o Alabê de Jerusalém, um filho de Daomé, que conduzindo a fé, um dia, em sua caminhada encontra com a Sagrada Luz de Jesus, o Nazareno, hoje, na linha dos Pretos-Velhos retorna à Mãe Terra, a cortina do tempo descerra e, sob os auspícios da arte, ao som dos atabaques, reparte o vinho de sua trajetória, reacende a luz da memória e canta.

“Meu nome é Alabê de Jerusalém, chamado por esse tão querida Irmandade, cheguei pra matar saudade.”

Que os tambores ronquem por essa doce entidade que, com delicadeza, respeito e alegria, vem nos falar sobre solidariedade, tolerância, união e harmonia.

Altay Veloso, Max Lopes e Marco Beja