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Karajá, o povo das águas claras (Mocidade de Vicente de Carvalho - 2015)

Karajá, o povo das águas claras (Mocidade de Vicente de Carvalho - 2015)

No começo do mundo, quando foram criados pelo Ser supremo Kananciué, os Karajá eram imortais. Viviam como peixes - aruanãs - e, desenvoltos, circulavam por todo tipo de rios e águas. Não conheciam o sol e a lua, nem plantas e animais. Mas viviam felizes, pois gozavam de perene vitalidade.

Um jovem peixe Aruanã, filho de aruá que vivia triste no fundo das águas do imenso Araguaia. Exclamou o jovem Aruanã "Pobre de mim, nas águas nasci, nas águas me criei, contudo já não tenho felicidade!"

Avistando um feixe de luz por entre as pedras no fundo do Rio; nadou, nadou, até á superfície e ao colocar a cabeça fora da água, viu uma paisagem deslumbrante. Encontrou um mundo totalmente diverso do seu. Havia um céu de um azul muito profundo, com um sol irradiante, iluminando todas as coisas e aquecendo agradavelmente a atmosfera.

Aves coloridas, com seus gorjeios, davam musicalidade ao ar. Animais dos mais diversos tamanhos e cores circulavam pacificamente um ao lado do outro pelas campinas. Borboletas ziguezagueavam por sobre flores perfumadas e florestas exuberantes eram entremeadas por plantas carregadas de frutos.
Deslumbrado, o jovem Aruanã ficou apreciando aquele paraíso terrestre até o entardecer. Quis retornar, mas foi tomado por um cenário fascinante. Por detrás da verde mata nascia uma lua de prata, clareando o perfil das montanhas ao longe. No céu, uma miríade de estrelas o deixou boquiaberto.

E assim, embevecido, passou a noite até que começou novamente a clarear e desaparecer a lua. O sol, que parecia ter morrido na noite anterior, ressurgia, glorioso, no horizonte distante. Lembrando-se de seus irmãos peixes, regressou com os olhos cheios de beleza, passando rápido pelo buraco luminoso. Foi falar aos seus irmãos Aruanã o que tinha visto na superfície.

Mas o grande ser supremo - KANANCIUÉ, lhes alertou o que ocorreria ao se eles decidissem adentrar neste novo mundo. Eles perderiam a imortalidade pois lá tudo o que nasce, crescem, envelhecem e caminham para morte. São mortais. Vocês ganharão a liberdade, mas perderão a imortalidade.

Todos se calaram, e refletiram sobre o que haveria de acontecer; mais o jovem Aruanã decidido disse:

Sim , pai, quero ir viver no paraíso encantado dos mortais.
O ser supremo lhe respondeu:

Aceito sua decisão porque acima de tudo prezo a liberdade. Você trocara a imortalidade pelo dom precioso da liberdade.

E o jovem Aruanã passou entusiasmado pelo buraco luminoso do fundo do Rio. Chegou ao mundo dos mortais, da beleza efêmera e das alegrias finitas.
Rogaram ao Deus Tupã: _ senhor da vida e da natureza, na água nasci, mas nela não quero morrer. Se peixe é o meu corpo, meu coração é humano. Tira-me das águas que me faz infeliz e sem sentido, dá-me o ar como forma de pulsar e a condição de homem como realizador da vida.

As palavras de Aruanã saíram tão veementes, que Tupã percebeu o verdadeiro destino do valente peixe e a essência da sua alma. Compadecido, o senhor das matas desceu às profundezas do rio Araguaia, arrebatando de lá o infeliz peixe.

Tupã iniciou a metamorfose do peixe. Em vez da morte, Aruanã viu as escamas transformadas em pele, revestida de pêlos suaves que a brisa contornava em desenhos; braços e pernas musculadas davam-lhe o aspecto viril. O ar finalmente chegou-lhe aos pulmões. Sentiu o cheiro da Terra. Olhou emocionado para o seu corpo e sorriu feliz, já não era um peixe, e sim um homem, forte e belo .

Provaste que tens um coração grandioso e valente. - Disse-lhe Tupã. - Serás um grande guerreiro entre os homens; pai da mais sábia das tribos. Aruanã peixe foste, Aruanãs hás de te chamar como homem. Vá, cumpra o teu destino de homem guerreiro!

Para saldar o belo e jovem Aruanãs, as Parajás, entidades da justiça das matas, vieram e prestaram honras ao guerreiro. Deram a ele uma tribo e as mais belas mulheres. Unindo-se às mulheres, o jovem guerreiro gerou filhos e filhas, dando origem aos valentes Karajás, que formaram uma tribo de índios valentes a viver às margens do rio Araguaia. Todos os anos, por ocasião da Lua cheia, os Karajás realizam o Ritual do Aruanã, prestando, através da dança e do canto, a homenagem justa ao pai da nação Karajá.

Karajás... Karajás... Tiveram a coragem de renascer como seres de liberdade, o que continuam sendo até hoje; se subdividiram e outras duas denominações Xambioás e Javaés . Vivendo atualmente da agricultura, da caça de animais da região e principalmente da pesca, comercializam produtos da pesca, artesanato, entre outras atividades comerciais.

Um elemento cultural característicos dos Karajás é a elaboração de tradicionais bonecas de barro. Hoje reconhecidas oficialmente como patrimônio cultural imaterial brasileiro.

Karajá
Ah, ah, ah, o povo das águas,
Das águas, das águas
Do rio Araguaia

Claudio Fontes
Carnavalesco