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Coluna do Rixxa Jr.

TOP 10 SAMBARIO - DEZ DOS MAIORES SAMBAS SEM REFRÃO

10 de setembro de 2011, nº 29, ano VIII

Fazer samba enredo hoje em dia é muito fácil. Inspiração, se houver, sozinha, não ganha mais carnaval, isso todos estão carecas de saber e não vou incomodar meus leitores com essa história manjada. Óbvio que o samba tem que se adequar à sinopse, ao tema enredo. Mas há uma formulinha bem fácil que os fazedores de samba enredo hoje produzem em larga escala: Refrão principal + 1ª parte (em tom maior) + Refrão do meio + 2ª parte (caindo para o tom menor). Quando a coisa é clichezona, o refrão principal começa em maior e, na metade da estrofe, cai para menor e é quase um alusivo, um chamamento para o componente vibrar, bater no peito e se sentir orgulhoso de sua agremiação. Noventa e nove por cento dos atuais sambas têm essa configuração, estabelecida pelos que eu chamo de “fazedores de samba” porque Compositor (e com c maiúsculo), há muito tempo não aparece por aí.

Mas, acreditem! Houve uma época em que o samba para explodir, não precisava ter refrão para encerrar com chave de ouro. O(s) compositor(es) era(m) tão habilidoso(s) e tinha(m) um vasto leque de possilibilidades de melodia e harmonia que se dava(m) ao luxo até de compor um samba e o mesmo não precisar ter aquele refrão apoteótico ou refrão arrasta-povo em seu encerramento. Mas vejam bem. Não se deve confundir refrão com estrofe que repete (ou tem bis). A seguir, dez exemplos de pérolas carnavalescas que prescindiram do elemento “refrão” para fazer sucesso, funcionar na avenida e entrar para a história.

10º lugar: “Pare a Big Bang-Bang, nem todo amarelo é ouro, nem todo vermelho é sangue” (Unidos de Lucas 1991)

O enredo pacifista e de temática crítica criado pelo emblemático Ney Roriz (mais informações sobre este carnavalesco podem ser obtidas na coluna 12) rendeu um samba raro, sem refrões e nem bis. O hino foi concebido pela dupla Luiz de Lima e Cosminho Magnata em 37 linhas e seis estrofes. A música é tão bem amarrada, tão cheia de embalo que a ausência de refrões e de repetições nem é sentida. O Galo da Leopoldina ousou escolher um samba com estilo diferente. As estrofes têm uma estrutura rimada digna de belas obras literárias. Aparecem versos que foram rimadas a primeira com a terceira frase, a primeira e a segunda e a segunda com a quarta frase. Levado à passarela há mais de duas décadas, é o mais “moderno”samba sem refrão da lista. E acredito também ser o último a ser apresentado na Sapucaí sob esse formato (sem contar, lógico, as reedições).

9º lugar – “Viagem fantástica às terras da Ibirapitanga” (Imperatriz Leopoldinense 1977)

O samba escolhido guarda uma particularidade. Um dos seus compositores, Walter da Imperatriz (os outros são Carlinhos Madrugada e Nelson Lima) foi assassinado logo após o samba ter sido escolhido para representar a escola. O crime, ao que se comentou na época, estaria ligado a essa escolha. O samba é de estilo descritivo, com letra extensa, sem bordados ou maiores vôos, e também é cantado em um fôlego só.

8º lugar – “Geraldo Pereira” (Unidos do Jacarezinho 1982)

Monarco, baluarte da Velha Guarda da Portela, jamais venceu samba enredo em sua escola do coração. No entanto, ele foi autor de belas obras para a Unidos do Jacarezinho nas décadas de 70 e 80. Esta homenagem a Geraldo Pereira é um samba enredo de estilo clássico, em tom menor, e de bela poesia. Não há refrões, e nem se sente falta deste tipo de recurso tal a riqueza musical da obra.

7º lugar – “Memórias de um sargento de milícias” (Portela 1966)

Já falamos desta obra na coluna nº 19, sobre os dez sambas-lençol. Mas é bom ressaltar que o único samba composto por Paulinho da Viola levado para a avenida pela Portela é um samba de letra extensa e com total ausência de refrões, apenas por três vezes, há repetição de versos, mas não caracterizando refrões.

6º lugar – “Exaltação a Tiradentes” (Império Serrano 1949)

Pérola do repertório imperiano, do carnaval e da música popular brasileira. Incrível o poder de síntese do trio Mano Décio da Viola, Estanislau Silva e Penteado ao resumir a figura heróica do mártir da Independência. A “primeira” do samba está incrustada no imaginário musical brasileiro: Joaquim José da Silva Xavier / Morreu a 21 de abril / Pela Independência do Brasil / Foi traído e não traiu jamais / A Inconfidência de Minas Gerais, sendo estes dois últimos os únicos versos que se repetem em todo samba.

5º lugar – “Dona Beja, feiticeira de Araxá” (Acadêmicos do Salgueiro 1968)

Justificando o lema de não ser melhor nem pior, apenas diferente, o Salgueiro recorreu à originalidade em novamente apresentar mais um personagem oculto nos livros de História do Brasil, a mítica Ana Jacintha de São José, uma bela moça que foi raptada pelo Ouvidor Geral, passou a ser uma pessoa indesejada e marginalizada pela sociedade, se transformou em uma prostituta, tornou-se amante de todos os homens que estavam casados com as mulheres que a condenaram e construiu um luxuoso bordel (a Chácara do Jatobá) tendo como cenário a cidade mineira de Araxá. O samba é simplesmente antológico, de autoria de Áureo Campagnac de Souza, o Aurinho da Ilha. E, ao que consta, o também legendário compositor Didi, de vários sambas da União da Ilha do Governador, foi o co-autor da obra, mas sem assinar oficialmente. Foi com lirismo e poesia que os compositores trataram a vida de Dona Beja. Era tão linda, tão meiga, tão bela / Ninguém mais formosa que ela / No reino daquele Ouvidor / Ela com seu trejeito reticente / Fez um reinado diferente / Na corte de Araxá.

4º lugar – “O melhor da raça, o melhor do carnaval” (Tradição 1988)

Os craques João Nogueira e Paulo César Pinheiro foram os autores dos primeiros sambas da primeira fase da Tradição (1985-89). “O melhor da raça, o melhor do carnaval”, foi o quarto dos cinco sambas da dupla e marcou a estréia da escola de Campinho no Grupo Especial. A obra era diferenciada. Além de estar fora do esquema “samba-enredo-estilo-marchinha-feito-para-tocar-nos-bailes-pré-carnavalescos”, o hino fugia da estética pasteurizada que passou a assolar o cenário dos desfiles no final dos anos 1990 e, principalmente, tomou conta a partir dos anos 2000. Mesmo sem refrões, o samba tem uma melodia linda e a letra (poesia pura) conta com clareza o enredo, que abordava a influência da miscigenação de raças e etnias que formam o país. Clássico total! Um dos maiores sambas enredo da era Sambódromo.

3º lugar – “Mangueira em tempo de folclore” (Mangueira 1974)

Apesar de belo e envolvente, este é um dos sambas menos divulgados da Mangueira, formando uma espécie de “lado B” das obras da verde e rosa. É também um dos raros sambas totalmente em tom menor da Estação Primeira. Para tentar conquistar o bicampeonato em 1974, a Mangueira falou em folclore e apostou em outro hino dos vencedores do ano anterior (Jajá, Manoel e Preto Rico). O samba tem apenas 16 versos, mas é tão bem construído melodicamente que nem se nota que é tão curto e não tem refrões. Os versos A congada, boi-bumbá / Ô meu santo, sarava / Ô rendeira, mulher rendá / Ô baiana, ó sinhá são magníficos. Impedido de colocar a voz nos discos oficiais de samba enredo, Jamelão fez uma gravação arrebatadora deste samba em seu disco de carreira em 1974. Até a década de 1970, a Mangueira tinha uma certa tradição de desfilar com sambas sem refrão, a exemplo deste, de “Lendas do Abaeté” (1973) e “Panapanã, o segredo do amor” (1977).

2º lugar – “Sonho de um sonho” (Vila Isabel 1980)

O mestre Martinho da Vila sempre fugiu da obviedade e preferiu sambas de estrutura diferenciada. Foi assim desde seus primeiros sambas para a Vila Isabel. Em “Carnaval das ilusões” (1967), botou uma cantiga infantil no refrão de um samba assemelhado ao esquema do partido alto. A partir da década de 1980, sempre procurou escapar das armadilhas do formulismo fácil. E foi assim com este magnífico “Sonho de um sonho” (em parceria com Rodolpho e Tião Graúna), baseado na obra de Carlos Drummond de Andrade. A melodia possui uma leveza impressionante, e é um samba que tem uma quantidade bem pequena de variações melódicas. A obra não tem refrões, na verdade, tem duas estrofes com versos bem curtos que se repetem, não se caracterizando exatamente em refrões. A letra tem momentos inspiradíssimos, como os versos Ai meu Deus / Falso sonho que eu sonhava / Ai de mim / Eu sonhei que não sonhava (mas sonhei). O samba levou um merecido Estandarte de Ouro.

1º lugar – “Ao povo em forma de arte” (GRANES Quilombo 1978)

No carnaval de 1978 houve uma escola que não participou dos desfiles oficiais e nem foi aplaudida por milhares de turistas. Uma escola de samba diferente. Que protesta contra a comercialização e a exploração turística dos desfiles. Assim era a Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, fundada por Antonio Candeia Filho, em 8 de dezembro de 1975 (cujas cores eram branco, dourado e lilás), como um movimento de resistência à descaracterização das escolas de samba no Rio de Janeiro. Mas a Quilombo não era apenas uma escola de samba. A agremiação se propunha a resgatar a cultura negra, a cultura dos morros e subúrbios cariocas, a cultura trazida, transformada e recriada pelos negros do Brasil, antepassados daqueles sambistas que ali se reuniam. Havia vários grupos de danças de origem negra (jongo, maracatu, maculelê, caxambu, afoxé, samba de lenço, samba de caboclo, lundu e capoeira). Após dois anos com escassa estrutura e com muitas dificuldades para desfilar, mas apresentando muita animação e sem fantasia, a escola desfilou nas ruas do subúrbio de Coelho Neto (bairro onde se localizava sua sede) e fechou o carnaval na Presidente Vargas no desfile das campeãs em 1977. A Quilombo não se preocupava em filiar-se a entidades nem em participar de desfiles oficiais. Também não disputava campeonato. Aceitava o convite da Riotur para se apresentar na Avenida, mas não deixava de desfilar também nas ruas do subúrbio. E foi assim que em 1978 com o enredo “Ao povo em forma de arte” composto pela dupla Wilson Moreira e Nei Lopes, a Quilombo mais uma vez apresentou um desfile da maior qualidade e comprovava que as tais “inovações” no samba não eram necessárias para se fazer um belo carnaval.

Samba

O título do enredo de 1978 foi retirado de uma frase proferida pelo poeta Solano Trindade. "A gente precisa pesquisar na fonte de origem e devolver ao povo em forma de arte”. E o samba? Bem, chamar de magistral é pouco. Uma levada do mais autêntico e melodia clássica de samba enredo. A letra trata da epopéia das formas de arte e manifestações artísticas negras que tiveram início no continente africano desde o Egito, passando pela Etiópia, sendo exportada para o mundo grego, se estendendo a reinos suntuosos africanos de nível cultural superior até desembarcar no Brasil. O samba tem apenas dois versos que se repetem Que hoje são lembranças de um passado / Que a força da ambição exterminou não caracterizando exatamente um refrão.

Depois do carnaval de 1978, o dinheiro que sobrou do desfile, sem ostentação, foi utilizado para comprar uniformes escolares para as crianças pobres do bairro onde ficava a sede da escola. E logo em seguida, foi escolhido o enredo para o ano seguinte, Noventa anos de Abolição (1979), cujo samba seria novamente composto pelos mestres poetas Nei e Wilson. Entretanto, em 16 de novembro de 1978, Candeia morria no Hospital Cardoso Fontes, por causa de crise renal-hepática. Sua morte foi um baque na luta intensa em defesa das raízes das escolas e do samba. Houve um grande vazio na comunidade “quilombola”, pois Candeia era o principal líder e organizador. A escola ficou sem sede. Por iniciativa de várias pessoas a sede pode voltar a existir na Fazenda Botafogo, em Acari. A escola continuou existindo na década de 80, embora com menor destaque, mas sempre pesquisando na origem e devolvendo ao povo em forma de arte.

Assista o samba “Ao povo em forma de arte”, da Quilombo, cantado por Candeia em um clipe do Fantástico em 1978.

http://caieca.multiply.com/video/item/493