Durante
quase duas décadas, ele foi a cara e a voz da Acadêmicos
do Salgueiro. Assim poderia ser definido o puxador Rico Medeiros. Sua
voz sempre foi identificada com facilidade: uma voz rouca e levemente
falseteada, conduzindo o samba com competência. O
intérprete esteve à ativa, cantando samba na avenida,
até poucos meses antes de seu falecimento, aos 84 anos de idade.
Nascido em Niterói, Rico começou sua trajetória no
mundo do samba na Estação Primeira de Mangueira.
Além de ser cantor de carnaval, também interpretava
vários estilos de música. Participou de vários
programas de calouros na TV como Buzina do Chacrinha, Carlos Imperial,
Jair de Taumaturgo, César de Alencar entre outros, sendo o
primeiro colocado em todos.
Tamanho destaque nos meios de comunicação acabou lhe
rendendo convite para interpretar samba na Estação
Primeira de Mangueira. Em 1975, ganhou o concurso de melhor puxador de
samba, na qual também defendeu o samba campeão dos
compositores Tolito e Rubens da Mangueira que descreveram o enredo
“No Reino da Mãe do Ouro”. Rico Medeiros passou a
ser o primeiro puxador de samba da verde e rosa dentro da quadra,
já que na avenida, o cargo era reservado para o
intérprete oficial Jamelão, que na época
não participava das gravações originais dos
LP’s. Depois de ter gravado no estúdio o samba da
Mangueira para o Carnaval 1976, os produtores excluíram sua voz
do disco e colocaram a de Rubens da Mangueira, irmão de Zuzuca
do Salgueiro, e um dos autores do samba.
Profundamente decepcionado, Rico pensou em desistir do carnaval e
até da carreira musical. Porém, logo em seguida foi
chamado pela gravadora Top Tape, para gravar o samba “Sonhos
Dourados” (de Pedrinho da Flor) do então bloco
carnavalesco Flor da Mina do Andaraí para o carnaval de 1976. O
cantor logo em seguida gravou no LP Carnaval 77 Ensaio Geral, o samba
“Nossa querida Mangueira”, do compositor Ney, e o
álbum Os Melhores Sambas-Enredo 1977 – Ala dos
Compositores, na faixa “Vamos falar de saudade”, dos
autores Jonas, Djalma e Tião Grande, um dos sambas derrotados na
disputa da Unidos de Vila Isabel.
Rico Medeiros foi levado pelo compositor Renato de Verdade para
defender sua obra que concorria pelo Salgueiro ao carnaval de 1978,
consagrando o samba campeão na quadra. “Do Yorubá
à Luz, à Aurora dos Deuses”, foi vencedor do
Estandarte de Ouro de melhor samba-enredo, prêmio oferecido pelo
Jornal O Globo. A partir daí e por quase 15 anos (com breves
interrupções), Rico se tornou a voz oficial do Salgueiro
tanto na avenida quanto nas gravações dos discos de
samba-enredo.
Para o carnaval de 1981, gravou duas faixas no LP de sambas-enredos das
escolas do Grupo 2-B: Unidos de Nilópolis e Unidos de Cosmos.
Fora do Rio de Janeiro no ano seguinte, foi intérprete oficial
da Embaixada do Morro, uma das mais tradicionais e vitoriosas escolas
de samba de Guaratinguetá, em São Paulo.
Rico Medeiros atribuía para si a arte de ter sido o criador dos
alusivos nos discos de samba enredo. Os alusivos são a
introdução que os puxadores cantam antes de
começar a entoar o samba-enredo propriamente dito na
gravação ou no desfile de avenida. Geralmente executados
de forma dolente e em ritmo mais lento, os alusivos são formados
por um trecho melódico do samba-enredo do ano, por versos de um
samba-exaltação da escola, ou são compostos
unicamente com o fim de serem alusivos. Foi o que Rico fez. De volta
para o Salgueiro após um ano sabático, o
intérprete colocou a voz no samba “Traços e
Troças” (Bala e Celso Trindade) para o carnaval de 1983.
Dentro do estúdio Hawaí, o cantor pediu aos
músicos que o acompanhassem em ritmo lento o seguinte
refrão: O carnaval é a maior caricatura / na folia o povo esquece a amargura.
Em 1984, tornou-se um coadjuvante de luxo no carro de som do Salgueiro,
tendo em vista que a preferência para a titularidade do microfone
foi dada para David Correa, um dos autores vencedores do samba
“Skindô, Skindô”. No ano seguinte, Rico retomou
o microfone número 1 na vermelho e branco e também gravou
o samba-enredo “Feliz por um dia” (Cícero Pereira e
Rocha), da Lins Imperial, pelo Grupo 1-B, mas não pôde
desfilar na escola do grupo de acesso devido ao falecimento de seu pai.
Ainda com o Salgueiro, ao gravar o samba para o carnaval de 1986, Rico
prestou uma homenagem ao compositor Bicho de Pena, apelido de Pedro
Correia de Carvalho, o Pedro Marreco (1957 - 1987), chamado pelos
jornais da época de “Dono do Morro”. Por 13 anos,
Marreco dominou o comércio de drogas em boa parte da Tijuca. O
enredo do Salgueiro era “Tem que se tirar da cabeça aquilo
que não se tem no bolso – Tributo a Fernando
Pamplona” (dos autores Jorge Melodia, Paulo Emílio,
Marcelo Lessa e ele, Bicho de Pena). Na segunda volta da
gravação, entre seus cacos, Rico entoa “Alô,
Bicho de Pena!”, Segundo o cantor, era uma homenagem ao
compositor-traficante, que ouvira e aprovara as mudanças
melódicas na gravação do samba, que ficou muito
diferente de quando vencera na quadra.
No mesmo ano de 1986 um problema ocorrido no carnaval de Belém
do Pará resultou na sua demissão do Salgueiro. Rico
Medeiros havia sido contratado para cantar na Acadêmicos da
Pedreira no sábado de carnaval. Dominguinhos do Estácio
também iria cantar na capital paraense no mesmo dia, na escola
de samba Rancho Não Posso Me Amofiná, que por ter sido a
campeã no ano anterior iria encerrar o desfile. Só que o
desfile todo atrasou, e Dominguinhos foi embora, pois tinha voo marcado
para retornar ao Rio de Janeiro, a tempo de puxar a Estácio de
Sá, que seria a segunda escola a desfilar no domingo na
Sapucaí. Alegando que se não chegasse a tempo corria o
risco de até ser assassinado, Dominguinhos pediu para que Rico o
substituísse em Belém, pois o salgueirense só iria
cantar no sambódromo carioca na noite de segunda-feira. Por ter
cantado dois sambas-enredos na mesma noite em Belém, Rico
Medeiros foi mandado embora pelo presidente do Salgueiro, Miro Garcia,
após o desfile porque sua voz não estava cem por cento. O
que afetou a apresentação na avenida, pois, na
apuração, o Salgueiro levou um 10 e um 9 no quesito
Harmonia, respectivamente pelos jurados Edialeda Nascimento e Milton
Gonçalves. A performance do samba-enredo não foi muito
bem, recebendo a avaliação de duas notas 9, dadas pelos
jurados Iara Vargas e Caribé da Rocha.
No carnaval de 1987, teve uma breve passagem no carro de som da
Imperatriz Leopoldinense, a convite do presidente Luizinho Drummond,
revezando com Alexandre D’Mendes como cantor principal da escola.
Retorna dois anos depois ao Salgueiro – novamente na
condição de coadjuvante de luxo – do titular Rixxa.
Sua última passagem como intérprete oficial do Sal foi em
1990 com o samba “Sou Amigo do Rei” (Alaor Macedo,
Arizão, Demá Chagas, Pedrinho da Flor e Fernando Baster).
No ano de 1993, Medeiros atravessou a ponte e trocou a Cidade
Maravilhosa pela sua cidade natal Niterói, mas permaneceu nas
cores vermelha e branca. Entrou para a ala de compositores da Unidos da
Viradouro e foi o segundo puxador ao lado de Quinzinho no carro de som
da escola. Nos dois carnavais seguintes, em 1994 e 1995, Rico assumiu o
microfone principal da Viradouro.
Em 1999 defendeu o samba campeão da Viradouro para o enredo
“Anita Garibaldi, Heroína das Sete Magias”, dos
compositores Gilberto Gomes, Gusttavo, Mocotó, PC Portugal e
Dadinho. No ano de 2002 foi vencedor na quadra da Acadêmicos do
Cubango do samba-enredo “África, o Exuberante
Paraíso Negro”, composto por Jacy
Inspiração, Celso Tropical, Rogerão e Gilberth
Castro. Em 2010, foi intérprete da escola de samba Souza Soares,
de Niterói, com o samba-enredo “Maria Quitéria de
Jesus, o Soldado Medeiros”, dos compositores Cabral, Fernanda
Lopes, Antônio Carlos e Pará da Souza. Em 2020, seu
último carnaval, já com 84 anos idade, gravou e puxou o
samba da Acadêmicos da Pedreira, escola onde cantou por mais de
30 anos em Belém do Pará.
Rico Medeiros não ficava limitado a interpretar músicas
para serem cantadas apenas na passarela do samba. O cantor gravou e
compôs sambas de meio de ano. É autor de “Blusa
Amarela”, parceria sua com Moacir MM, que foi muito executada nas
rádios e nos programas de televisão tornando-se um grande
sucesso no final da década de 70 e no início dos anos 80.
A música também foi gravada pelos grupos Originais do
Samba, Banda Rio-Copa e Terra Samba. Como compositor, Rico teve ainda
músicas gravadas pelos sambistas Neguinho da Beija-Flor e
Reginaldo Terto.
O sambista também foi político, tendo exercido um mandato
de vereador por São Gonçalo-RJ entre 1982 e 1988, sendo o
sexto mais votado do município na década de 80.
Em 1986 Rico Medeiros teve participação especial na
gravação de “Rei por um Dia” (Almir de
Araújo, Marquinho Lessa, Balinha, Hércules Corrêa e
Carlinhos de Pilares), faixa do álbum Amor e Paixão,
da cantora Simone, juntamente com outros puxadores de samba, como
Neguinho da Beija-Flor, Dominguinhos do Estácio, Dedé da
Portela, Sobrinho e Carlinhos de Pilares.
Rico participou da coletânea “Escolas de Samba
Enredo”, da gravadora Sony Music, no CD da Acadêmicos do
Salgueiro, na faixa “Quilombo dos Palmares” (Anescar e Noel
Rosa de Oliveira), de 1960. Foi homenageado pela Viradouro na parceria
de PC Portugal para o Carnaval 2018, quando compôs o palco e
gravou a obra ao lado de outro ex-cantor da escola niteroiense
Quinzinho.
Como se não bastasse tudo isso, sua voz ecoou em um filme de Hollywood. O filme 007 Contra o Foguete da Morte,
11º filme da série James Bond, teve várias cenas
rodadas no Rio de Janeiro em 1978 e alguns registros do desfile do
Salgueiro – no qual Rico Medeiros canta – foram utilizados
para a película.
O intérprete faleceu em 24 de abril de 2020, aos 84 anos.
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Início: Acadêmicos do Salgueiro, em 1978
1978, 1979, 1980, 1981, 1983, 1985, 1986 e 1990 – Salgueiro (intérprete oficial)
1981 – Unidos de Nilópolis e Unidos de Cosmos (só gravou os sambas no disco)
1982, 1983, 1984, 1985, 1987, 1988 e 1990 – Embaixada do Morro (Guaratinguetá/SP)
1983 – Boêmios da Madama (Niterói)
1984 – Salgueiro (apoio de David Correa)
1985 – Lins Imperial (só gravou o samba no disco)
Entre 1986 e 2020 – Acadêmicos da Pedreira (Belém do Pará)
1987 – Imperatriz Leopoldinense (oficial, junto com Alexandre D’Mendes)
1987 – Vitória Régia (Manaus) – só gravou o samba no disco
1989 – Salgueiro (apoio de Rixxa)
1991 – Jovens Livres (Manaus) – só gravou o samba no disco
1993 – Viradouro (apoio de Quinzinho)
1994 e 1995 – Viradouro (intérprete oficial)
2010 – Souza Soares (Niterói)
GRITO DE GUERRA:
Simbora, Salgueirooo! (durante seu tempo no Salgueiro) e Alô
niteroiense e gonçalense. Explode, Viradooourooo! (na sua
passagem pela escola de Niterói). Quando interpretava outras
escolas não tinha um grito de guerra específico, variando
de agremiação para agremiação
CACOS
CARACTERÍSTICOS:
“Nossa Senhora!”; “muito bonito”; “que
beleza”; “simbora pastoras”; “que
maravilha”; “deixa pra mim”; “aí,
bateria”; “vou chegar juntinho”; “vamos
chegando”; “haaaay”; “obrigado”;
“alô Bicho de Pena”, "boníquito".
SAMBAS DE SUA AUTORIA: “O
Bailar da Lua no Esplendor da Noite” (Embaixada do Morro/1982,
com Tinca, Danilo e Brando); “Tereza de Benguela, uma Rainha
Negra no Pantanal” (Viradouro/1994, com Gilberto Fabrino, Jorge
Baiano e PC Portugal); “O Rei e os Três Espantos de
Debret” (Viradouro/1995, com Bernardo, Gilberto Fabrino, Gonzaga,
João Sergio, José Antonio Olivério, PC Portugal e
Wilsinho); “Além do Imaginário ao Reino de
Manôa” (Acadêmicos da Pedreira/2020, com Alfredo Reis
e Celso Tropical).
SUCESSOS:
“Blusa
Amarela” (com Moacir MM) e “Tempero de Maria” (com
Robertinho Devagar) – Canta: Rico Medeiros em compacto simples do
cantor (RCA/Victor, 1978);
“Blusa Amarela” (com
Moacir MM) – Canta: Os Originais do Samba no disco
“Aniversário do Tarzan” (RCA/Victor, 1978);
“Blusa Amarela” (com Moacir MM) – Canta: Terra Samba no disco “Gerasamba” (Independente, 1989)
“Deixa Eu Te Amar Mais Uma Vez” (com Gesony) – Canta:
Neguinho da Beija-Flor no disco “Meu Mundo Novo” (Top Tape,
1983);
“Subindo nas Paredes” (com Elias Silva e Reginaldo Terto)
– Canta: Reginaldo Terto no disco “Carnaval 83 – Vol.
2” (Araponga/Lança/Polygram, 1982).
DISCOGRAFIA SOLO:
Compacto simples “Blusa Amarela” / “Tempero de Maria” (RCA/Victor, 1978)
DISCOGRAFIA DE CARNAVAL:
LP Sambas Enredo dos Blocos Carnavalescos do Estado da Guanabara 1976 (faixa Flor da Mina do Andaraí)
LP Carnaval 77 Ensaio Geral (faixa “Nossa Querida Mangueira”)
LP Os Melhores Sambas-Enredo 1977 – Ala dos Compositores (faixa “Vamos Falar de Saudade”)
LP Sambas Enredo Grupo 1 1978 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Grupo 1 1979 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Grupo 1 1980 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Grupo 1 1981 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Grupo 2-B 1981 (faixas Unidos de Cosmos e Unidos de Nilópolis)
LP Sambas de Enredo das Escolas de Samba de Guaratinguetá (SP) – Carnaval 1982 (faixa Embaixada do Morro)
LP Sambas Enredo Carnaval de Niterói 1983 (faixa Boêmios da Madama)
LP Sambas Enredo Grupo 1-A 1983 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Grupo 1-A 1985 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Grupo 1-B 1985 (faixa Lins Imperial)
LP Sambas Enredo Grupo 1-A 1986 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Escolas de Samba de Manaus 1987 (faixa Vitória Régia)
LP Sambas Enredo Grupo 1-A 1990 (faixa Salgueiro)
LP Sambas Enredo Escolas de Samba de Manaus 1991 (faixa Jovens Livres).
CD Escolas de Sambas-Enredo Acadêmicos do Salgueiro – Coletânea Sony (1993)
CD Sambas Enredo Grupo Especial 1994 (faixa Viradouro)
CD Sambas Enredo Grupo Especial 1995 (faixa Viradouro)
PARTICIPAÇÃO:
LP Amor e Paixão, de Simone (Sony, 1986), na faixa “Rei por um dia”, com outros puxadores do samba.
FILMOGRAFIA:
007 contra o Foguete da Morte (1979, de Lewis Gilbert)
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