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Samba Paulistano
 
17 de dezembro de 2021, nº 61

SAMBA-ENREDO ÁGUIA DE OURO 2022
por Bruno Malta

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Baseada na luta contra a intolerância religiosa, temática parte do conceito da mitologia do orixá da paz (Oxalá) que, nesse cenário, será celebrado numa festa (Afoxé) que pregará amor, respeito e esperança por dias melhores.

Afoxé de Oxalá — No ‘Cortejo de Bàbá’ Um Canto de Luz em Tempos de Trevas — Logo oficial (Créditos: Divulgação oficial)
Enredo: Afoxé de Oxalá — No ‘Cortejo de Bàbá’ Um Canto de Luz em Tempos de Trevas
Carnavalesco: Sidnei França

A linda música Afoxé de Oxalá é o mote de um enredo que prega o respeito para a construção de um novo mundo.

Sinopse do Enredo

“Afoxé de Oxalá — No ‘Cortejo de Bàbá’ Um Canto de Luz em Tempos de Trevas”.

Sob a luz do carnaval, o G.R.C.S.E.S. Águia de Ouro pede agô às energias ancestrais e declara todo o seu orgulho como eterna guardiã da cultura afro-brasileira. Desta maneira, orgulhosamente, fazemos do nosso desfile para o carnaval 2022 verdadeiro afoxé – cortejo — de exaltação à diversidade étnica, ode à pluralidade cultural e manifesto contra a intolerância religiosa. Afinal, somos frutos de um país miscigenado na pele e sincretizado na fé!

Que Oxalá atenda ao clamor de sete iaôs… Que o Grande Pai derrame sua luz sobre nós… Que saibamos pedir, mas também agradecer… Que seu Alá nos cubra com a profunda e verdadeira paz!

Axé, Águia de Ouro!
Xeu Êpa, Bàbá!

Evocação

⦁    Be wi rò ko Ájàlá (Oxalá… Suplicamos que venha nos trazer a paz)

⦁    Mò rò Bàbá e ye (Pai… Queremos sua paz em nossa vida)
Compadecidos dos rumos sombrios da humanidade, carregando a fé ardente de quem vive e conhece os caminhos do axé, assim clamaram setes iaôs — iniciados no candomblé e filhos do grande pai funfun… Orixá da criação… Senhor de sabedoria ancestral… Guardião da paz…Orixalá — O Grande Orixá!

⦁    Bàbá o ké di am-nó re ki Ájàlá (Pai Supremo, saudamos a sua misericórdia, saudamos Oxalá)

Num gesto de amor e proteção, Oxalá — unindo o Orum ao Ayê e emanando intensa luz — baixa em Terra, bate três vezes seu opaxorô, e diz:
- Óh, filhos meus… Se clamam por misericórdia e paz, somente há um caminho a seguir: Ouçam a voz da energia ancestral emanada no ritual das Águas de Oxalá e conhecerão um intenso canto de luz… Peçam com toda a fé que houver em seu coração e — somente pelas bençãos celestiais — a luz triunfará sobre as trevas!

Águas de Oxalá

Ó fúruù lóòréré o Àilaá Bàbá (O grande Pai Oxalá aparece no horizonte trajado todo de branco!) Oxalá, saudoso de seu amigo Xangô, decide visitá-lo… Após longas paragens, finalmente chega ao distante reino de Oyó. Ainda na fronteira, reconhece — perdido — o cavalo branco que ele mesmo havia presenteado o rei. Afinal, na África somente os grandes reis possuíam cavalos… Eis que o animal passa a segui-lo e, desta maneira, os guerreiros de Xangô confundem Oxalá com um ladrão e o prendem. São sete anos de prisão. Neste período, Oyó padece da fome, da peste, as chuvas não caem e o fim era iminente… Xangô decide consultar Ifá, que revela o motivo de tantas mazelas em seu reino: um inocente estava preso em seus domínios. Manda então vasculharem as prisões e descobre o grande equívoco ocorrido com Oxalá. Curvando-se ao orixá funfun, Xangô roga piedade e misericórdia ao povo de Oyó. Ordena a todos que se vistam de branco e que tragam águas das mais límpidas fontes, três vezes, para lavar o Grande Pai. Ao retornar para o seu reino — Ejigbó — Oxalá foi celebrado e recebeu um banquete com seu prato predileto — o inhame — como prato principal. A felicidade voltou a reinar em Oyó e Ejigbó. Assim, respeitosamente, essa passagem da vida de Oxalá é revivida no ritual das Águas de Oxalá! Cumprido o ritual com sagrada e usual reverência, é concedido aos sete filhos do Grande Orixá a dádiva de ouvir, conhecer e propagar o entoar do ‘canto de luz’, dedicado à sagração às duas principais qualidades de Oxalá — Oxalufã e Oxaguiã –, que trará alento aos mortais sedentos de amor, respeito e esperança… Eis o único caminho para a conquista da paz profunda e verdadeira!

Canto de Luz — Sagração à Oxalufã e à Oxaguiã

Bàbá é Senhor idoso
É o Moço que faz a guerra
É o ar que alimenta o fogo
É a chuva que molha a terra
Cajado e Opaxorô
Bàbá me estenda a mão
Alivia minha dor enquanto pila o pilão

O canto de luz, ouvido pelos sete iaôs após o ritual das Águas de Oxalá, traz o amor de Oxalufã….

Oxalufã — velho e paciencioso — é dono de sabedoria ancestral, haja visto que recebeu a missão de criar não somente o universo, como todos os seres, todas as coisas que existiriam no mundo. Para que cumprisse sua missão foi dotado de duas poderosas forças: o poder da perpetuação e o poder da realização. Saudar Oxalufã — o Grande Pai — é um ato de amor. Amor pela humanidade. Criar os seres humanos não é o que faz de Oxalufã, o pai da humanidade. Sua proteção constante, seus cuidados, é o que faz dele o Grande Pai. Oxalá é pai que ama, que acalenta, aconselha e mostra o caminho do bem. É pai a vida inteira — dos filhos que erram e dos filhos que acertam — que perdoa porque ama, porque é Pai!

O canto de luz, entoado pelos sete iaôs após o ritual das Águas de Oxalá, traz o respeito de Oxaguiã….

Oxaguiã — jovem e guerreiro — defende o respeito, pois carrega consigo a contradição básica de todo ser: ser igual na essência, mas diferente na aparência. Superar essa guerra e viver em comunhão é o grande desafio deste orixá. A guerra pela comunhão parece contraditório, mas é importante destacar que Oxalufã luta para que todos estejam unidos em torno de um mesmo diálogo, para que o respeito às diferenças possa prevalecer e a paz seja a bandeira de todos os homens. O canto de luz em sagração à Oxalufã e Oxaguiã nos preenche de esperança… Esperança de misericórdia, esperança nas bençãos de Oxalá, esperança por dias de paz… Esperança!

Oferendas

Do alto de sua sabedoria ancestral, Oxalá segue nos ensinamentos a serem repassados aos seus filhos, para que esses façam do canto de luz do orixá funfun o triunfo daqueles que buscam a paz como fim dos dias de trevas. Placidamente, diz Oxalá:

- Óh, filhos meus… O equilíbrio, no axé, se faz de muitas maneiras… Todas elas ricas e valorosas…
Das mais belas e sublimes está o ato de saber pedir, mas — sobretudo — saber agradecer… Vocês entoaram o canto em sagração à Oxalufã e Oxaguiã, e louvar ao sagrado em súplicas é preciso; mas, para que seus desejos sejam alcançados, consagrem sua fé em oferendas… E eu vos darei toda a minha misericórdia aos homens! Assim, em profunda reverência ao Grande Pai, os filhos-de-santo se curvam aos preceitos do divino orixá. Afinal, é preciso compreender que os orixás devem ser agradados para que seus desígnios recaiam sobre nós! Que se façam as oferendas funfun… Muito ebô, acaçá, igbin e inhame pilado!

Regozijo em Oxalá

Ó fí là aláyé ó… Iré ilé awá (Oh! Senhor do mundo que usa Alá… Faça nossa casa feliz)
E assim, louvado pelos seus, Orixalá — O Grande Pai Funfun — se compadece da humanidade assombrada pelas trevas e cobre a todos com seu imaculado Alá — sagrado pano branco — que nos protege e faz sentir sua assombrosa força, inundando-nos na mais profunda e verdadeira paz. Oxalá, altivo e orgulhoso dos sete iaôs — invocadores do canto de luz — convoca um xirê dos orixás para reunir as forças do Orum e decretar o fim dos dias sombrios… Pois onde estiver Oxalá no comando, a luz se fará presente… A luz que se propaga pelo ar, elemento de seu domínio… O ar que nos sustenta no chamado… Sopro da vida!

Xeu, Êpa, Bàbá!
Sidnei França — Carnavalesco — 20 de Maio de 2020

Glossário da Sinopse
Afoxé — Cortejo
Bàbá — Pai, Papai
Agô — Licença; Permissão
Iaô — Iniciado no Candomblé Que Não Chegaram aos 7 Anos de Iniciação
Alá — Pano Branco de Oxalá; Forte Representação da Paz Oferecida Por Oxalá
Axé — Energia Vital; Poder Vital; Força Vital
Xeu, Êpa Bàbá — Saudação ao Orixá Oxalá
Funfun — Termo Utilizado em Menção aos Orixás da Criação; Orixás “Brancos” (Cor da Criação)
Orum — Céu
Ayê — Terra
Opaxorô — Cajado; Acessório de Oxalá/Oxalufã
Pilão — Acessório de Oxaguiã
Ifá — Orixá da Adivinhação e do Destino; Oráculo de Adivinhação
Ebô — Milho Branco Cozido (Comida de Oxalá)
Acaçá — de Milho Branco (Comida de Oxalá)
Igbin — Caramujo (Comida de Oxalá)
Inhame — Comida de Oxalá; Na África Ancestral-Tribal o Equivalente ao “Pão Nosso de Cada Dia”
Xirê — Festa; Congraçamento; Roda dos Orixás; Reunião do Panteão dos Orixás

Observação 1: Os trechos destacados em itálico contêm passagens de livre interpretação do livro “Candomblé — A Panela do Segredo”, de Pai Cido de Oxum com a colaboração de Rodney William Eugênio
Observação 2: O texto conta com trechos destacados em itálico da canção ‘Ó Fúruù Lóòréré’, interpretada por Carlinhos Brown e Grupo Ofá na faixa para o álbum “Obàtalá — Homenagem à Mãe Carmem”
Observação 3: O texto conta com trechos destacados em itálico da canção ‘Cortejo de Bàbá — Afoxé de Oxalá’, do historiador, professor, autor e compositor Luiz Antônio Simas. A canção inspirou este enredo.

Samba-Enredo

Gravação do Estúdio


Créditos: Divulgação oficial — Liga/SP

Samba ao vivo


Créditos: Site Carnavalesco

Compositores: Dominguinhos do Estácio, Jorginho Moreira, João Perigo, Lico Monteiro, Leandro Thomaz, Telmo Augusto, Jefferson Oliveira, Jota Pê, Lanza RafaBerê, Araken Kaoma, Solano Laranjo, Serginho Rocco, Rosali Ahumada Carvalho, Lequinho, Junior Fionda, Claudio Russo, Rafael Tinguinha, Gustavinho Oliveira, Waldir Corrêa, Orlando Ambrósio e Wiverson Machado.
Intérpretes: Douglinhas Aguiar, Darlan Alves e Tinga
Participação Especial: Carol Desiderato

Letra do samba

Bateu forte, opaxorô e a terra tremeu
O mundo se modificou,
Clemência e paz aos filhos teus
Clamavam sete yaôs

Levando canto de axé… Axé
Cabeça feita na fé
Meu Pai nos dê proteção
Na escuridão a tua luz… a luz

O horizonte veste branco
Para amenizar a dor
Lavar o engano que sofreu o Criador
O Criador

Na gira do ilê
No toque do Alabê
Oxalufã Bàbá
Oxaguiã é luta e guerra
Ar que espalha o fogo
Chuva que molha a terra

Awurê, Awurê, Awurê ao dono do saber
Derrame seu amor glorioso Protetor
Awurê, Awurê menino… o respeito há de ter
Quem semeia intolerância perde a paz no coração

Senhor, em tua honra tudo se faz lento
Os atabaques rompem o silêncio
No sopro da vida, o meu despertar
Luz que atravessa o Orum
A força no clamor dos orixás
Na gratidão de cada filho seu
Pompéia pede paz!

Epa Babá… Xeu Epa Babá
Vai ter xirê até o dia clarear
Nesse afoxé Águia de Ouro lava a alma
Nas águas de Oxalá

Análise

Atual campeão do Carnaval de São Paulo, o Águia de Ouro apresenta o enredo “Afoxé de Oxalá — No ‘Cortejo de Bàbá’ Um Canto de Luz em Tempos de Trevas” que conta uma história forte, densa e conectada no momento em que vivemos. É como se o desfile servisse como um manifesto contra a intolerância religiosa em tempos difíceis, especialmente para as vertentes das religiões afro-brasileiras. A proposta é construída através da música “Afoxé de Oxalá” de Luiz Antônio Simas e conclama um cortejo (afoxé) para o orixá da paz (Oxalá). Nessa passagem, o amor e a esperança por dias melhores são fundamentais.

A junção de duas composições no concurso interno resultou numa obra assinada por vinte e um compositores. São eles: Dominguinhos do Estácio, Jorginho Moreira, João Perigo, Lico Monteiro, Leandro Thomaz, Telmo Augusto, Jefferson Oliveira, Jota Pê, Lanza RafaBerê, Araken Kaoma, Solano Laranjo, Serginho Rocco, Rosali Ahumada Carvalho, Lequinho, Junior Fionda, Claudio Russo, Rafael Tinguinha, Gustavinho Oliveira, Waldir Corrêa, Orlando Ambrósio e Wiverson Machado. O resultado dessa união rompe alguns paradigmas na cidade em termos de defesa da temática, mesmo que ainda não seja exatamente perfeito perante o critério técnico.

O início da primeira começa com “Bateu forte, opaxorô e a terra tremeu // o mundo se modificou // clêmencia e paz aos filhos teus // clamavam sete yaôs”. Para contextualizar, o enredo começa com a chegada de Oxalá na terra. Ele bateu forte com seu cajado e sentenciou: “Se clamam por misericórdia e paz, somente há um caminho a seguir: Ouçam a voz da energia ancestral emanada no ritual das Águas de Oxalá e conhecerão um intenso canto de luz”. É nesse contexto que a história é desenvolvida. Sete yaôs seguem os caminhos propostos pelo grande Babalorixá em busca de clemência e paz para a terra. O problema é o que vem depois. “Levando o canto de axé…axé // cabeça feita na fé // Meu pai nos dê proteção na escuridão…a tua luz // a luz”. O canto que traz a energia vital, a busca incessante pela fé, o pedido pela proteção…mas quem faz tudo isso? Os iaôs, certo? Mas eles já não pediam a clemência e a paz no início? Redundante, certamente (-0,1 fid.).

Para a sequência, o samba engata com “O horizonte veste branco // Para amenizar a dor // Lavar o engano que sofreu o Criador // O Criador”. Aqui o samba tem um grave erro. Por qual motivo o horizonte veste branco? Qual foi o engano que o criador sofreu? Por mais que com a sinopse, as duas coisas fiquem tão óbvias —  branco é a cor da paz, quem veste branco, serve como representação da paz e o engano sofrido pelo criador se refere ao fato de Orixá ser preso, por engano, durante sete anos — , sem as informações adicionais, quem apenas lê o samba, não consegue ter essa exata noção, prejudicando a adequação. (-0,1 adeq.)

O refrão central começa com “Na gira do ilê, no toque do alabê” que busca estabelecer os ensinamentos de Oxalá. É como se o terreiro fosse preparado com os tocadores para a convocação de Oxalufã e Oxaguiã, orixás com os fundamentos principais da filosofia do babalorixá-chave.

Para explicar quem são: o primeiro é um velho sábio que criou o universo e todas as coisas que existem nele. Já o segundo é um jovem guerreiro que defende o respeito a todas as diferenças. Eles se complementam. Um luta para que todos tenham o mesmo ideal, o mesmo caminho, já o outro prega o respeito, mesmo que exista diferenças nesse “modo de seguir”. A elaboração traduz isso bem com Oxalufã sendo complementado como Bàbá (pai) e Oxaguiã como luta e guerra.

O problema é que melodicamente, na estrutura da métrica, o verso que faz a referência ao segundo — “Oxaguiã é luta e guerra” —  ficou mal encaixado sem espaço para respiro, o que prejudica a unidade e o canto (-0,1 div.mel). Por fim, a finalização do trecho reforça como a “dupla” é fundamental para o universo, já que regem todos os elementos. A construção é interessante já que não ficou no evitável formato lista criando o enlace no “Ar que espalha o fogo // Chuva que molha a terra”.

O início da segunda era — originalmente — um refrão central de um dos sambas vencedores. O problema é que ele ficou, ligeiramente, redundante. Observem: Lembra que o refrão central já apresenta os orixás Oxalufã e Oxaguiã? Então, nesse momento, eles são “novamente” representados. Com a expressão “Awurê” (boa sorte ou bênção), uma saudação a dupla de orixá é a orientação. No primeiro trecho é em formato de respeito com “benção” ao mais velho e mais sábio. Já na segundo é um “boa sorte” ao jovem guerreiro que não pode perder de vista que ser intolerante afeta a paz do coração. Por mais importantes que sejam, a repetição poderia ser evitada, pois prejudica a adequação ao tema. (-0,1 adeq.)

Na terceira estrofe, o samba parte para o fim da epopeia. É como se após a contextualização histórica da parte dos orixás e dos pontos chaves do tema, o momento passasse a ser de, literalmente, agradecer. O enredo, inclusive, é bem claro nisso. Logo no início da sinopse, há um trecho que diz que é hora de pedir, mas também de agradecer e nisso, a ideia dos compositores é muito boa. Na construção temática, esse trecho é representado na expressão de “Regozijo a Oxalá” quando o orixá da paz orgulhoso do que construiu convoca o xirê de seus iaôs para decretar o fim dos tempos sombrios.

A realização é de qualidade nos versos “No sopro da vida, o meu despertar // Luz que atravessa o Orum // A força no clamor dos orixás // Na gratidão de cada filho seu // Pompéia pede paz!” que também prepara adequadamente para o refrão principal. Os versos “Epa Babá… Xeu Epa Babá // Vai ter xirê até o dia clarear” evocam uma saudação ao pai e ainda reforça a ideia da “festa” que é complementado de maneira sublime pelo “Nesse afoxé, Águia de Ouro lava a alma nas águas de Oxalá” que faz uma referência ao fato do Águia (a escola, a comunidade e etc) lavar “sua alma” nesse cortejo. É como se a agremiação, após o desfile mergulhar nas águas de Oxalá, estivesse pronta para propagar os ideais do orixá em nome do fim da intolerância e da esperança de dias melhores.

Ao fim da audição, observando a obra com mais cuidado, algo me chamou a atenção — infelizmente — no sentido negativo. As inúmeras repetições de expressão ou de palavras de mesmo sentido. Só na primeira parte e refrão central, são quatro “Clamavam // Clemência, Axé//Axé, Luz//Luz e Criador//Criador”. Além disso, no início da segunda, em quatro versos, a palavra Awurê aparece cinco vezes. Por mais que seja uma saudação, causa um esgotamento. Somado ao fato exposto anteriormente, é impossível não perceber certa pobreza na construção. É como se tudo andasse em círculos. (-0,1 riq. poé)

Feita a explanação, penso que a trilha rompe alguns paradigmas. Com um desenvolvimento ousado e ainda com alguns percalços a serem superados pela junção, existem vários caminhos para interpretações sobre o que cada verso significa. É impossível, apenas lendo a obra, o enredo ser compreendido em sua totalidade. Isso, com certeza, rompe um padrão na cidade que se acostumou a ter, nos últimos anos. Quase todas as composições que passaram no Anhembi tiveram o cuidado de ter tudo destrinchado em letras que meramente seguem os caminhos estabelecidos pelo texto explanação do tema. Nesse caso específico, isso muda.

Mesmo assim, creio que faltou mais cuidado na contextualização. A composição, certamente, poderia ter sido mais trabalhada para que os elementos fosse apresentados com clareza, evitando, desse modo, dúvidas sobre quem são os participantes do tema e, acima de tudo, para evitando redundância ou repetição de citações. É evidente que não é preciso ser copia e cola de sinopse, isso é um dos problemas do gênero na Terra da Garoa. Só que especialmente, numa temática com essa vertente, é necessário que se faça algumas concessões em nome do entendimento. De todo modo, é um belíssimo samba que tende a crescer na avenida, especialmente, se for bem trabalhado pelo conjunto da excelente ala musical e da bateria comandada por Mestre Juca.

Nota: 9,5

Falhas: 

⦁    Fidelidade: -0,1

⦁    Riqueza Poética: -0,1

⦁    Divisão Melódica: -0,1

⦁    Adequação: -0,2

Bruno Malta
Twitter: @BrunoMalta_