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Samba Paulistano

13 de setembro de 2011, nº 13, ano III

COMO A AVALIAÇÃO INFLUENCIA NA FORMA
Por Ronaldo Figueira

Lendo várias notícias de assuntos tão diferentes quanto aleatórios no meu google reader, passei por uma que, em outro momento, poderia ter visto como mais uma notícia aleatória, que falava a respeito da ala de passistas tornar-se quesito. Passei batido e segui lendo mais coisas.

Mais tarde, no mesmo dia, vejo o vídeo da Solange, presidente da Mocidade Alegre, apresentando o programa No Mundo do Samba e, ao chamar um passista, fez um comentário não muito extenso a respeito de em São Paulo não ter assim muitos passistas. Aí minha cabeça fundiu essa frase com a notícia que li mais cedo e transformou as duas coisas em uma só, que passa por essa ala, mas não fica só nisso.

Quero falar a respeito de algumas ideias que tenho sobre o regulamento e o julgamento do carnaval de São Paulo e, de modo mais geral, dos vários pequenos desfiles de escola de samba que existem em vários lugares do Brasil.

Não quero responder ou elucidar nenhuma pergunta, quero apenas mostrar as minhas dúvidas -assim, ou alguém responde elas com clareza e eu fico satisfeito, ou todos passam a compartilhar da minha inquietude.

O objetivo desse texto também não é finalizar um debate é criar um. Também não é meu objetivo me tornar mediador ou guru deste debate, quero apenas contribuir com minhas opiniões, perguntas e, talvez, respostas. Quero que você, caso se interesse, participe onde quer que esteja, por qualquer meio que seja.

Aqui vai.

1. Modelo dos desfiles de escola de samba

Numa suposição, é realmente implantado o quesito de ala de passistas no carnaval do Rio de Janeiro. Poderia, um dia, o carnaval de São Paulo aderir ao quesito também? Quanto tempo demoraria?

O nosso modo de julgamento é, hoje, muito parecido com o do Rio: os mesmos quesitos, exceto conjunto. Recentemente, tiramos melodia e letra e fizemos um quesito só, samba-enredo, à exemplo do Rio. Em 2012 teremos, pela primeira vez, o fracionamento das notas em décimos, como já acontece por lá.

Sempre que há um debate comparando o carnaval paulistano ao carioca, alguém tenta terminá-lo com a linda frase "São Paulo não é melhor que o Rio, nem pior. Apenas é diferente, porque teve uma formação cultural diferente...", ou variações dessa frase ou argumento.

Concordo com o argumento, por isso não vou atacá-lo, vou apenas extendê-lo com algumas perguntas: aproximar os dois carnavais na avaliação não é, indiretamente, aproximá-los na forma?

Fazer carnaval apenas por gosto, hoje, só é possível num universo paralelo onde o amor não enche a barriga apenas de metade da humanidade. Qualquer escola de samba, naturalmente, vai fazer um desfile para tentar, ao máximo, ir bem nos critérios que a avaliam. Se a avaliação cobra as mesmas coisas, natural que as escolas façam as mesmas coisas.

Mas quem escolhe como vai ser a avaliação são as escolas. Se todas as escolas do grupo especial quiserem que qualquer coisa vire quesito, virará.

2. Histórico de avaliação

No Rio de Janeiro, até 1984, as comissões de frente vinham atrás do carro abre-alas. Fizeram o sambódromo, o negócio era realmente muito grande e, em 1985, no segundo carnaval lá, a maioria das escolas já trouxe a comissão de frente antes do abre-alas, porque os carnavalescos acharam que seria melhor com o novo palco.

A primeira vez que as alas foram organizadas em "filinha" foi na Imperatriz Leopoldinense, em 1989.

Em 1963, eram quesitos lá no Rio: alegorias; bateria e melodia; comissão de frente e bandeira; desfile; enredo e letra; evolução e conjunto; fantasia; harmonia; e mestre-sala e porta-bandeira.

De São Paulo essa é uma informação mais difícil de se conseguir, mas duvido que os quesitos tenham sido os mesmos até hoje. Nem é segredo, aliás, que as agremiações carnavalescas abandonaram a formação de cordões e passaram à escolas de samba, sobretudo à partir de 1968. Seguindo o modelo, é claro, do Rio.

De cordão pra escola, substitui-se a marcha sambada pelo samba-enredo. A bateria perde os instrumentos graves e pesados do samba rural e ganha instrumentos mais leves e mais agudos, que conhecemos até hoje, como chocalhos, tamborins e agogôs.

(Não estou dizendo que o carnaval de São Paulo seja menos legítimo do que o do Rio. Nenhuma cultura é pura e livre de influência externas. As escolas queriam essa nova maneira de organização e se organizaram livremente nesse sentido, associando-se e indo buscar patrocínio na prefeitura já tendo em projeto esse esquema de organização.)

As escolas de samba, com fantasias e bateria de escola de samba, passaram a fazer parte da cultura paulistana tanto quanto fizeram anteriormente os cordões.

No livro de memórias do Seu Nenê, a todo momento ele diz que tentou, sim, seguir o modelo que ele admirou na Portela, assim como diz que tentava preservar características do samba de São Paulo. Não apenas trouxe a batida das baterias cariocas, mas misturou essa batida com a dos cordões. Os instrumentos das escolas de samba conviveram, aqui em São Paulo, por muito tempo com os instrumentos do cordão.

(A Nenê de Vila Matilde, uma das principais escolas a trazer o modelo carioca ao carnaval paulistano, homenageou Candeia em 1981. Seu samba-enredo dizia em uma parte “Fez da Quilombo força e tradição / ergueu bem alto a voz com emoção / ensinando a todos nós / consciência e coração”. A GRANES Quilombo surgiu no Rio de Janeiro criticando seu modelo de carnaval. Percebemos o claro viés ideológico de sua fundação com a carta que Candeia enviou à Portela e com o Manifesto de Fundação. A meu ver, trazer aspectos do carnaval carioca, misturar esses com os da cultura local e usar dessa estrutura de desfiles própria que se criou para homenagear um sambista que criticou o modelo ao qual a escola se inspirou é, sim, uma maneira crítica de auto influência cultural.)

Essa mistura cultural, com elementos diferentes, deu o tom ao carnaval de várias cidades em todo lugar do Brasil. De Manaus à Porto Alegre existem escolas de samba, com o mesmo modelo de desenvolvimento de desfile.

Mas, a partir do momento que existem as escolas de samba, elas passam a fazer parte da cultura local. Escola de Samba em São Paulo pode ter surgido com influência do Rio, mas ninguém nega à Nenê de Vila Matilde, grande precursora dessas mudanças, a sua devida importância na cultura nacional.

3. Fixação de um modelo

Mas temos, já a algum tempo, os mesmos quesitos avaliados. Ou eles tem ainda o mesmo nome.

(Quando as escolas cresceram mas a estrutura não, para o samba não atravessar, o diretor de harmonia ficava correndo de uma ponta da escola até a bateria, no centro. Hoje não existe mais essa necessidade, mas o diretor de harmonia ainda não existe. O quesito tem métodos de avaliação um pouco distintos do que espera alguém que conheça música e veja apenas o nome.)

Os desfiles seguem, desde essa época, um modelo tão parecido que justifique que os quesitos sejam os mesmos? Ou os quesitos congelaram o modelo de desfiles?

4. A grande pergunta deste texto

São Paulo criou seu desfile de escola de samba, com suas influências distintas. Copiou daqui, criou dali, juntou tudo.

Por que, mesmo hoje, com os sambistas paulistanos enchendo a boca para dizer, com razão, que o carnaval de São Paulo não fica devendo em nada ao do Rio, todos os debates em torno dos quesitos ainda acontecem no Rio? Por que que aqui não existe nenhuma voz de grande importância dentro das escolas defendendo uma posição, mesmo que infundada, para mudança do formato dos desfiles, ou pra criação de um quesito, ou pra eliminação de outro? Por que que as mudanças realizadas nos métodos de avaliação são anunciadas, como foi anunciado o fracionamento em décimo, sem nenhum debate entre os sambistas de todas as escolas ou justificativas para suas comunidades?

5. Criação de manuais diferenciados para "cidadezinhas"

Vendo os desfiles antigos do Rio de Janeiro, nota-se que estes tinham um valor estético audiovisual maior do que têm hoje a maioria das pequenas escolas das pequenas cidades, mesmo com um orçamento que podia ser menor ou igual.

Um manual do julgador pensado para ser mais condizente com a realidade de cada pequena cidade que queira ter escola de samba não seria bem mais saudável à cultura do que contratar empresas de jurados formados em São Paulo e no Rio, com a visão de carnaval de São Paulo e do Rio?

6. Quesitos individuais e gerais

Os quesitos avaliados são gerais (evolução, harmonia, conjunto) ou específicos (comissão de frente, harmonia). Se criado o quesito de passistas, teríamos mais um quesito de um segmento específico da escola.

6a. O que define o grau de importância de cada segmento da escola para que este possa ou não tornar-se quesito?

6b. Transformar vários segmentos em quesitos, não aumentaria a espetacularização de partes individuais da escola? Qual o limite de quesitos que deveríamos ter ou deixar de ter? Os quesitos podem ou devem ter um peso diferente? Você está psicologicamente preparado para ver as baianas da sua escola chegarem voando no Anhembi como os itens dos bois de Parintins ou, em contraponto, ver o primeiro casal vestido de maneira simples por não ser mais quesito?

6c. Espetacularizar pequenas partes das escolas é benéfico, maléfico ou indiferente para essas partes e para os quesitos gerais (harmonia, evolução)?

CONCLUSÃO

Não tem conclusão. Mas, colocadas as perguntas com as quais eu tento iniciar um debate, vou colocar uma lista das coisas que NÃO são meu objetivo com esse texto:

1. apoiar a criação do quesito da ala de passistas
2. não apoiar a criação do quesito de ala de passistas
3. dizer que devemos abandonar tudo e criar de novo
4. dizer que devemos deixar tudo do jeito que está
5. dizer que devemos seguir cegamente o modelo carioca
6. dizer que devemos fazer tudo ao contrário do que os cariocas fazem

O objetivo é iniciar um debate a respeito das formas do carnaval e de como a avaliação influencia na forma.

Plantada a sementinha do caos na mente de todos vocês, me despeço e acompanho a repercussão (ou não) deste texto.

Um beijo no coração de todos!

Ronaldo Figueira
ronaaldo.figueira@gmail.com