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Passarela Virtual

ARRANCADA PARA 2011 - VAMOS "RAPOSEAR", MEU POVO?

7 de julho de 2011, nº 8, ano II


Chegou meu momento preferido do ano no carnaval virtual: a audição dos CDs oficiais! Este ano, os CDs estão de uma elegância ímpar, já que temos a presença do maior número de músicos profissionais numa obra da LIESV. Dada a proximidade dos desfiles e o CD no ar, é hora daquela avaliação qualitativa que sempre faço. O título da coluna é uma homenagem ao amigo Luís Butti, presidente da Imperatriz Paulista, que cunhou o termo.

Vou explicar como será: ao invés de dar notas para os sambas, contarei minhas reações ao ouvir o CD. Precisei ouvir os sambas em dois momentos: uma vez para analisar as obras tecnicamente (e sofrer com algumas delas), outra para documentar minha reação enquanto folião e ouvinte casual. Esse ano, retorno também com o comentário de “O que eu faria de diferente no lugar do presidente”; coisas que eu faria para que o samba melhorasse aos ouvidos dos foliões e julgadores. Fiz isso em 2009, mas não ano passado.

Seguem os comentários, então, das 24 agremiações que vão dar show esse ano...

Link: http://www.4shared.com/file/28K3nAsz/pingA.html

GRUPO DE ACESSO 2011

 Tigres de Niterói
Eu quero é navegar pra onde o vento me levar
O meu caminho tem sabor de especiarias
Com a deusa da beleza a me guiar

A Tigres de Niterói segue com sua linha de sambas aguerridos e marrentos, só que o deste ano foi quase que imperceptivelmente prejudicado pela fusão, o que torna a melodia meio engessada, fato que é deflagrado pela voz potente de Bruno Ribas, pontualmente em “Cantar em poesia a grandeza de um reino” e “Heróis de um mundo novo/Aportando ideais a eternizar”. Tirando isso, o samba é fluido e cumpre sua proposta. A solução em “Me fazer também amante desta terra divinal” é interessantíssima. A obra não conta com nenhum verso piegas demais, mas o refrão principal parece não ter uma melodia fixa, já que o intérprete da Unidos da Tijuca o canta em três maneiras diferentes, o que pode ferir a audição se isso for mantido na versão ao vivo. Problemas: Os citados acima. O que eu faria de diferente no lugar de Rodrigo Oliveira: Consertaria as indefinições melódicas nos trechos citados; pegaria no pé do Bruno Ribas para acertar esse refrão principal, e abandonaria essa imagem de “escola marrenta que desfila pela honra”. Ouvi inteiro.

 Flor de Lótus
São Paulo é mesmo assim
Pedaço de mim... Meu jardim

Um samba despretensioso e tipicamente paulistano – de melodia fluida em tom maior e alongamentos inteligentes – para uma escola que fala de São Paulo. Nada mais justo, certo? A Flor de Lótus investe em produção independente e traz aquele que é, na minha opinião, um dos melhores dentre os atuais intérpretes de São Paulo, o canário da Sociedade Rosas de Ouro Darlan Alves, e deu na mão dele um samba que infelizmente se arrasta por ser todo muito grave, e não permite que o intérprete exploda, tornando esta obra um samba melodicamente romântico demais. Problemas: Samba se arrasta por ser grave demais o tempo inteiro; não explode, e pode cansar. O que eu faria de diferente no lugar de Osvaldo Júnior: Jogaria essa obra pra cima; não modificaria os trechos “De cada verbo és [a] tradução” e “Não se deixar conduzir é a lei”. Ouvi inteiro.

 Ponte Aérea
Maria, mãe de todos nós
Ensina o teu povo a rezar

Igor Vianna dá uma energia diferente a este samba denso e confuso, mas não salva o sentido dele. A escola, agora catarinense, traz um enredo sobre Maria Aparecida, mas o samba demora muito para revelar isso, e acaba disfarçando-se num enredo sobre a mitologia cristã em geral. Não há qualquer ressalva minha sobre melodia ou letra, exceto os últimos dois versos, que carregam uma repetição desnecessária (“Clamando a glória, romeiros de fé/É a Ponte Aérea, romeiros de fé”). Problemas: O samba é confuso, e impede o entendimento imediato do enredo. O que eu faria de diferente no lugar de Maykon Godói: Trocaria o objetivo do enredo, escolheria um samba mais objetivo... É difícil julgar. Pulei antes do fim.

 Barra Funda Estação Primeira
Vou fazer bolas gigantes que vão explodir
O sabor da Barra Funda é de aplaudir

Nino do Milênio não combina com sambas engraçados. Isto combinado e ignorado, tentando ouvir este samba como na voz de outra pessoa, ele não faz feio. Com o título “Você Tá Com Inveja Das Minhas Bolas?”, o enredo sobre chiclete recebe uma trilha sonora que alterna entre o ridículo e o romântico. Enfim, o samba não tem qualquer nexo, mas sabe-se que fala de chiclete. A obra é em vezes factual (“A origem veio lá da pré-história/Os soldados mascavam pra relaxar”), possuem trechos inesperadamente confusos (“Pára tudo, olha o flash/Astro virou”), e o intérprete ainda sabota o samba em alguns trechos onde é impossível identificar a palavra (“Receita (?) para um mundo de criança”). Os cacos do mesmo também não ajudam, principalmente no segundo canto do segundo refrão (“Chicleteiro eu, chicleteira ela...”). O “show da irreverência nesse carnaval” não funcionou: este samba mais irrita do que entretém. Problemas: A escolha do intérprete; a fusão dos sei-lá-quantos sambas não funcionou. O que eu faria de diferente no lugar de João Marcos: convocaria outro intérprete, no mínimo. Pulei antes do fim.

 Gaviões Imperiais
Hoje o caboclo sonhador se tornou compositor
E faz sambas magistrais
E o Nordeste é Gaviões Imperiais

O samba do ano no Grupo de Acesso vem na voz de Tiãozinho Cruz, novamente emprestando sua voz à agremiação de Santa Cruz, extremo oeste da cidade do Rio. A estória é simples e encantadora: um caboclo nordestino sai do sofrimento da terra-natal, fugido do solo rachado e da sequidão do pasto e vai para o Rio de Janeiro para tentar recomeçar a vida, como muitos fazem até hoje. A transição entre o Nordeste e o Rio, que é o refrão do meio, é sublime e mostra o sofrimento não apenas de fugir de lá, mas ter saudade (“O pranto rola no meu rosto sem ninguém notar”). O caboclo então conhece o carnaval carioca e se encanta com o grande circo do Carnaval. No fim da estória, “o caboclo sonhador se tornou compositor/E faz sambas magistrais”. Uma via inteligentíssima de se cantar o carnaval num samba, e não ser óbvio. É o samba para se colocar no repeat e cantar junto. Problemas: Há uma corrida desnecessária em “Tristeza era ver o solo rachado”. O que eu faria de diferente no lugar de Léo Moreira: Absolutamente nada. Parabéns! Repeti e cantei junto.

 União do Samba Brasileiro
Uma viola dedilhada na varanda
Iluminada pela luz de cada estrela

Willian Tadeu traz um enredo curioso, que remete ao primeiro desfile do Uirapuru da Ilha em 2004, pela estrutura ideológica, juntando antropofagia, ufanismo e até um pouco de xenofobia, misturando tudo num liquidificador e jogando uma massa cinzenta nas mãos dos compositores. O resultado é um samba interessantíssimo, com alguns versos inesperados que chegam a ser engraçados (“Afasta o rock que não é dessa nação/Traz o samba e o baião pra galera delirar”), mas passagens inteligentíssimas (“O vento reconta e me deixa entender/Que a minha terra pertence a Zumbi”). Outro destaque positivo é o refrão do meio. Este samba não é nada ruim, mas atenção, ouvintes de samba cadenciado: a cadência foi ignorada nesta gravação. A audição deste samba é prejudicada pela correria, soando como uma versão ao vivo mais do que uma para divulgação e degustação. Problemas: O intérprete Miguel Paul não alcança notas básicas, e a produção está aquém do resto do CD, o que prejudica a audição. O que eu faria de diferente no lugar de Willian Tadeu: Investiria na produção e pegaria no pé do intérprete e do pessoal do Letras.com. É carnaval... Pulei antes do fim.

  
Pavão de Osasco
É carnaval! Meu amor, chegou a hora
Se o Pavão é o nosso rei, também vai botar pra fora

A Pavão de Osasco roubou da Barra Funda o posto de escola irreverente do ano, e traz um samba sobre nudez inteligente e divertido, que remete aos da Caprichosos de Pilares da época de Carlinhos. Léo Moreira está surpreendentemente bem afinado, e entoa o samba que fala de abandono do preconceito, fetiches e exageros com primazia única. A referência à Caprichosos de Pilares é feita, inclusive, no samba mesmo – “A rasgar a fantasia/Desfilar sua alegria, travestida de nudez/Como caprichosamente já se fez”. O samba também possui uma mensagem sócio-amigável subliminar (“Hoje é o melhor momento pra sonhar...”), num ímpeto de clamor anti-preconceito que, infelizmente, ainda está impregnado, inclusive, no Carnaval Virtual. Problemas: Nenhum. A escola está mais do que de parabéns. O que eu faria de diferente no lugar de Juninho Granzoto: Nada. Repeti e cantei junto.

 Escola Virtual da Amazônia
Meu coração, carioca-africano
Sou negro, partideiro e filho-de-santo

Depois de um desfile indefectível sobre a tribo Sateré-Mawé no CAESV, a Escola da Amazônia peca catastroficamente ao trazer um enredo clichê falando sobre carnaval. O samba conta a história da área da Gamboa, onde ergueu-se a Cidade do Samba do Rio de Janeiro, e traz toda a saga dos negros africanos que vieram pra cá, passando por terreiro de macumba, baiana, Tia Ciata... Ou seja: Mais do mesmo. A melodia também é comum, com único “destaque” para o alongamento em “Ah, se eu ‘deixar falar’... Primeira escola” (a propósito, as aspas a la Diniz aqui me incomodam em níveis críticos). As aspas valem por que esse alongamento cai direto numa indefinição melódica bisonha – “Para o samba ensinar/O carnaval se fez cultura popular”. Problemas: O enredo. O que eu faria de diferente no lugar de Naiara Duarte: Começava tudo de novo. Nem deixei começar.

 Rosa Negra
Vai florescer o raio da manhã
A Rosa Negra, meu amor, meu flamboyant

O enredo sobre abraços rendeu um samba que fala de amor em geral. Não deixa de ser o objetivo, mas ainda assim, tornou o enredo e o samba vagos. A melodia é inteligente, porém cíclica. O samba acaba muito rápido, e lhe falta um momento de explosão. A produção também deixa a desejar – é a primeira vez que ouço um grito de guerra grossamente editado. Mas nada que comprometa esse despretensioso samba. Problemas: Há um estresse errante em “Aura divina, reluziu o redentor”. A sonoridade ficou prejudicada. O que eu faria de diferente no lugar de Marcelo Jacaré: Investiria melhor na produção. Ouvi inteiro.

 Mocidade Leopoldense
Seguraí que eu quero ver, essa bandeira é meu tesouro
Eu ponho a cara pra bater: A minha escola vale ouro

Muita gente acha que é só marra, mas, não – a Mocidade Leopoldense veio falar sobre o ouro. Como compositor deste samba, tenho o direito de criticar a escola por ter retirado alguns momentos de ousadia da melodia, que era para ser muito mais louca. Mas ainda assim, algumas foram mantidas, como em “Do firmamento a bênção vinda de Oyó/O toque de um louco rouba a cor do sol”. A melodia inteira, aliás, segue linear, e a obra cumpre seu papel de ser a representante gaúcha do Carnaval Virtual, sem pretensões quaisquer além de ser um samba alegre e direto ao ponto. Problemas: Não detectei qualquer um. O que eu faria de diferente no lugar de Édson Dutra: Nada. Bem vindo de volta à Liga, negão! Ouvi inteiro.

 ~*~

 Link: http://www.4shared.com/file/X-OqVL4r/pelE.html

GRUPO ESPECIAL 2011

 Guerreira Colibris
Hoje, a Colibris engalanada vem cantar
Uma história de amor
Aquela que num gesto divino Deus criou

A Colibris traz um samba irritante sobre José Datrino, o Profeta Gentileza. Os versos alternam bruscamente entre o poético e o trash (“Na sua ousadia, a criação se envenenou/Eu sei que o amor foi esquecido/O mundo caiu no abismo”). A transição entre o conto do Gênese e a saga do Profeta é brusca e confunde o ouvinte – ela acontece no fim do primeiro canto para o refrão central. Não há muito o que se falar sobre este samba, exceto o fato do CD do Grupo Especial ser aberto por um samba que não faz jus ao legado da Guerreira. Destaque para a empolgação do intérprete. Problemas: O samba inteiro ou faz pouco sentido, ou é direto demais. Além disso, eu gostaria de ouvir um samba sobre o Profeta Gentileza, que entoou o amor entre os homens, que não fosse tão “violento”. O que eu faria de diferente no lugar de Gustavo Martins: Escolheria outro samba. Nem deixei começar.

 Sereno de Cachoeiro
Sereno é magia que baila no ar
Traz a poesia em cada olhar
Faz meu sonho mais real... A maravilha do meu carnaval

O samba da Sereno de Cachoeiro é uma grata surpresa, não apenas pela presença nobre de Rogerinho Renascer, mas pelo retorno da Águia de Itapemirim aos sambas etéreos que a fizeram famosa (vale lembrar os sambas românticos de 2006 e 2007, respectivamente o campeonato do CAESV e o samba sobre a magia da leitura). A melodia é simples, linear, porém funcional. Destaque para “Luar brilhou, cada caminho iluminou/Em mil e uma noites de um império de esplendor”, não pela melodia, mas pelo uso de um português levemente mais rebuscado, e ao mesmo tempo simplificado. Mas no mais, é um samba sem grande destaque, que se sobressai justamente pela sua despretensão. Problemas: Faltam momentos explosivos neste samba. O principal fica no refrão do meio (“Vai a caravana deixando pra mim...”). O que eu faria de diferente no lugar de Milton Batista: Revisaria a linha melódica da segunda parte deste samba, a partir de “Ao retornar à viagem...”. Ouvi inteiro.

 Estrela do Amanhã
No disse-me-disse, fantasma existe
Pra quem acredita sem mesmo enxergar

O samba da Estrela do Amanhã demora um pouco para dizer a que veio, por ter um refrão principal inócuo e com uma repetição desnecessária e facilmente cansativa (“No castelo da menina que um dia quis sonhar/Sonhar, sonhar”). Mas depois disso, a estrutura é muito bonita, com versos poéticos e inteligentes. O que macula esta obra, porém, são trechos que não fazem sentido e apresentam pouca coesão (“Faz do Rio de Janeiro renascimento colossal/Risca no compasso movimento/Que faz de cada forma um ideal”). O refrão do meio, apesar de explosivo, é tacanho, e nem parece que é trilhado por uma segunda parte que é o destaque máximo do samba. O final do samba é um primor: “No disse-me-disse, fantasma existe/Pra quem acredita sem mesmo enxergar/Vem, que a orquestra divinal/Vai fazer a festa com Maria/Em um baile sem final” – trazendo a idéia de uma festa sem fim, que é o ideal de todo carnaval. Problemas: Versos sem sentido ou coesão espalhados pelo samba inteiro. O que eu faria de diferente no lugar de Thiago Meiners: Resolveria isso com bom português! E trocaria o refrão do meio inteiro, ele não funciona. Ouvi inteiro.

 Princesa da Zona Norte
Então me faço, enfim, palhaço assim... Sorrindo
Estrelas vão valsar e anunciar a luz do luar

Na versão de degustação, imaginei que seria o samba do ano, mas infelizmente trata-se de um refrão exótico num samba um tanto quanto comum, o que é decepcionante para a escola que emplacou dois sucessos consecutivos – “Lá vem a mineira guerreira/Que é filha d’Ogum com Iansã”, e “No reino que um dia eu sonhei”. O samba sobre o conto original do Pierrot, tal qual contada pela Commedia dell’Arte, traz Rixxa cantando um samba extremamente grave, cujo principal momento explosivo reside no refrão do meio, que, inclusive traz uma estrutura melódica diferente por terminar 1 compasso exato antes do canto da segunda parte, em oposição ao canto comum (1 compasso e meio). Não é uma solução nova, mas agrada à audição. A segunda parte também começa num canto alto, o que não acontece na primeira, que mais passa no chão do que empolga. Problemas: O samba é grave demais nos momentos em que não deveria (primeira parte). O que eu faria de diferente no lugar de João Pinho: É difícil julgar. Ouvi inteiro.

 Império do Progresso
É carnaval, vem chegando o meu Império
É um caso sério, uma paixão

Apesar do refrão que lembra a Império de Casa Verde e a refugada de Edimar Guiã no grito de guerra, é um dos melhores sambas do Grupo Especial, ignorados os clichês que espera-se de um samba do Império do Progresso. Destaque para o refrão do meio (“A floresta inebria o olhar...”) – uma solução simples, mas que sempre funciona. A melodia remete ao carnaval paulistano, apesar da raiz da escola ser carioca, e o enredo obre a fantasia da flora brasileira fica muito bem representada. Problemas: Nenhum. O que eu faria de diferente no lugar de Diego Araújo: Nada. O samba é um dos melhores da Progresso. Ouvi inteiro.

 Imperatriz Paulista
Vai, meu navio, mareja... Se a tempestade peleja
É a coragem, a certeza, e o destino a guiar

O curioso enredo que liga Tim Maia as Mil-e-Uma-Noites dá à Imperatriz uma roupagem completamente diferente daquela que estamos acostumados a ver, com um samba majoritariamente em tom menor, bem pegado, mas com a mesma poesia de sempre. A proposta misteriosa da obra rende um samba curioso, com refrões e estribilhos inteligentes (com exceção da repetição desnecessária de “Até encontrar”). O terceiro refrão (“Por ti...”), apesar de trazerem aquelas aspas estilo Diniz que o João Marcos (diretor de carnaval da Paulista) detesta, têm uma conexão genial com o verso final (“E a Imperatriz vai sacudindo a passarela”), e dão um gancho para o refrão principal que é simplesmente fenomenal. Em tempo: parabéns para a escola por ter chamado Gilsinho para defender este samba. Um intérprete maravilhoso, que só potencializou o que há de bom nesta obra. Problemas: Nenhum. O que eu faria de diferente no lugar de Luís Butti: Teria evitado o “Por ‘Tim’...”. Isso não tem cara de Imperatriz. Mandei repetir.

 Amigos do Samba
A mente se une à alma... Meu samba é de primeira
É genial o meu carnaval! Obra-prima brasileira

A Amigos do Samba é reconhecida por enredos abstratos, muitas vezes cabeçudos demais para um entendimento imediato, e é o caso do samba deste ano. O samba que canta a inspiração é um tanto quanto misterioso, vago, às vezes beirando a obscuridade. A melodia, porém, é primorosa, com destaque para o final (“Estrelas divinas, constelações/Obras e grandes paixões/Fonte de criação/Iluminai meu pavilhão”), onde a linha musical engana a mente do sambista mais cascudo, se alonga e sobe no fim. O refrão do meio também é digno de atenção, sendo mais forte que o principal, que não dá o cartão de visitas da escola do jeito que deveria. Problemas: O samba é vago demais. A sinopse, inóspita, não facilitou, mesmo. O que eu faria de diferente no lugar de Leandro Kfé: Arriscaria um samba um pouco mais direto ao ponto, como faz Imperial nos seus enredos viajandões da Imperiais do Samba. Ouvi inteiro.

 Altaneiros do Samba
Oi, dança e roda... Na ciranda o balanço
O cortejo de Nagô tem sua coroação
Batuqueiro quilombola que enfeitiça o coração

O samba da Imperatriz do Maranhão é uma pancada que faria justiça aos grandes sambas da história da Liga, graças à interpretação indefectível de Evandro Malandro e a evolução quase que assustadora de Thiago Meiners enquanto compositor. Todo o samba parece explodir, e os três refrões são bem distintos entre si, mesmo que o segundo e o terceiro sejam colados um no outro. Destaque absoluto para o terceiro, que é uma porrada à parte (o mencionado acima). A Altaneiros se recicla e traz o estado de Pernambuco para o Passarela Virtual, em todas as suas características. É o segundo melhor samba do ano, e só perde para o samba que vem logo na sequência. Problemas: Nenhum. O que eu faria de diferente no lugar de Cecel Altaneiros: Absolutamente nada. Parabéns! Repeti e cantei junto.

 Rainha Negra
Oh, Rainha! Tua beleza é divina
É magia, faz o meu mundo girar
Oh, Rainha! Tua beleza irradia
Dia e noite, noite e dia... Meu sonhar

 Que me perdoem as co-irmãs” (já diria o samba do Vai-Vai de 2009), mas é, para mim, o samba do ano, sem par. A vaidade de Oxum é cantada neste samba classicista e romântico, que mantém a linha melódica e estilística do samba de 2010, que é também sobre a beleza, apenas num sentido mais generalizado. A semelhança com o samba do ano passado é comprovada com o estribilho no fim do samba (“Mulheres de luz que têm o prazer/De se espelhar em você”), brutalmente similar ao estribilho final do ano anterior (“Beleza é você na minha canção/Rainha do meu coração”), com a diferença que este ano traz um refrão principal bastante forte, enquanto ano passado, não havia um refrão. Outro destaque é o refrão do meio, o mostrado no trecho recortado acima – melodia simples, mas mágica, além do eco criado entre o 1º e o 3º versos (“Oh, Rainha! Tua beleza...”), o que dá uma sonoridade especial à obra. Mas o que me agrada mais ainda neste samba é que o fato da personagem central ser uma entidade africana e em nenhum momento o samba se passar por uma obra afro torna esta faixa uma prova de que é possível fugir dos clichês estéticos da feitura de um samba. Também o amigo Leonardo Bessa está de parabéns pela interpretação única. Problemas: Ora, por favor... O que eu faria de diferente no lugar de Ewerton Fintelman: Aumentaria o salário do carnavalesco. Repeti e cantei junto.

 Acadêmicos do Setor 1
Academia de fé, um canto livre no ar, a cada toque faz arrepiar
Ôooo, negra arte que fascina
Setor 1 repica a timba; para todos, saravá

Meus ouvidos tremeram ao começar a ouvir este samba: “África...” Qualquer samba que começa assim traz maus presságios. Mas me prestei a ouvi-lo inteiro, e percebi, além de mais uma apresentação primorosa do amigo Nino Samba Show, um samba de melodia genérica, grave e arrastado em certos pontos. Destaque negativo para o trecho “Como as vozes que ecoam nos ventos/Trazem o alento para se expressar”, que além de melodicamente semi-indefinido, rasteja no chão de tão grave. Outro destaque negativo é para a entrada do refrão principal, com o samba já em andamento – “A inspiração é a minha raiz/Academia de fé...”. O refrão entra embolado, sem qualquer suavidade, o que já acontece diferente no primeiro canto e no bis. Problemas: O samba é todo muito grave e não explode. O que eu faria de diferente no lugar de Victor Raphael: Revisaria a linha melódica principal deste samba, e jogaria mais para o alto. Além disso, daria um compasso de pausa entre o fim do samba e o refrão principal. Nem deixei começar.

 Camisa Dez
Vem comigo, meu amor, sambar
Pra perfumar toda cidade
Sou Camisa Dez e lá vou eu exalar felicidade

A Camisa Dez vem para 2011 com um samba cujo único brilho é o intérprete, Royce do Cavaco. A obra, mesmo, é bem comum. O samba sobre perfumes e essências é uma obra típica que embalaria uma escola de São Paulo. O destaque deste samba está no refrão do meio, que traz ecos inteligentes, apesar de comuns (“Vem de lá o banho das rosas/Vem de lá a luz pra encantar/Luz da paz nessa passarela/Clareia, deixa clarear”). Os versos que o seguem também são nobres (“Teu cheiro dá sabor a meu tempero/Me leve pra onde o vento quiser lhe guiar”). Infelizmente, o final do samba destrói todo o progresso criado, com um “Será...?” tacanho, um terceiro refrão desnecessário e piegas, que macula um samba que poderia ser bom, mas acaba passando uma impressão insatisfatória pelo clichê. Problemas: O samba é, em sua maioria, muito previsível. O que eu faria de diferente no lugar de Matheus X-9: Trocaria o terceiro refrão por algo com mais força. Pulei antes do fim.

 Camarões dos Pampas
A bandeira está na mão, é o grito da tripulação
Que ecoa por esta cidade
Louvando o povo, clamando liberdade

O samba sobre João Cândido não deixa claro que é sobre ele que se canta. A obra é vaga, e a transição entre o cenário e o personagem da música é brusca. Os versos que falam exatamente sobre o Mestre-Sala dos Mares, que é o enredo, estão soltos no samba, e deixam a audição confusa (“Nasceu, lá nos Pampas viveu, cresceu/Com este país fez aliança/Desbravou o velho mundo/Coragem, força, bonança”). A segunda estrofe entra depois do refrão do meio – que já é baixo – lambendo o chão, e nem Nêgo, que é um excepcional intérprete, conseguiu alcançar tal infrassom. Este samba não agrada, e deve contrastar horrores com o desfile. Espero que a escola saiba o que está fazendo... Problemas: O samba fala mais sobre o cenário do que sobre o personagem. O que aconteceu com a Ilha das Cobras? O que eu faria de diferente no lugar de Yuri Aguiar: Escolheria um samba menos poético. Às vezes, ser factual ajuda. Nem deixei começar.

 Bandeirante da Folia
Brincando, encontrei a sapiência
Na feira de ciências, fui um grande pensador

Essa escola é engraçada – não se fixa numa imagem. O samba desse ano beira o infantil na sua inocência e falta de pretensão, com versos “engraçadinhos”, como o descrito acima, ou, o principal dentre eles, o final da obra (“Alô, Bussunda! Eu ‘agarântio’/A alegria vem aí”). Tirando isso, o samba conta com soluções interessantes, como a utilizada no refrão do meio, que é meu destaque positivo para este samba. O samba também anuncia uma subida interessante em “Criar... É preciso criar”, que deixa o ouvinte interessado. Uma pena que ele se liga a um verso horrível – “Cliquei no link da felicidade”. No mais, é um bom samba, com momentos, mais altos do que baixos. Pulei antes do fim.

 Imperiais do Samba
Sempre seguir com fé, sempre se pôr de pé
Viver a vida até o fim

Encerrando o carnaval virtual do ano, a Imperiais do Samba vem com um típico enredo de glória-através-do-sofrimento, típico da Fênix de Laranjeiras. A melodia perdeu um pouco do encanto original na produção do CD, o que diminuiu muito pouco o brilho deste samba, que talvez seja o mais poético e subjetivo da tricolor de Santo André. O amigo Igor Vianna dá o tom certo em todas as notas explosivas, como haveria de ser, e a melodia alterna entre o maior glorioso e o menor aguerrido com primor. Há também uma mudança de tom inteligente no decorrer do samba, que o ouvido menos afiado só percebe no final do canto, quando a subida de nota é forçada pelo retorno do refrão. Problemas: As aspas em “‘Li’ um adeus no olhar”, que, assim como não tem cara de Imperatriz, também não tem cara de Imperiais. O que eu faria de diferente no lugar de Imperial: Demitiria esse tal de Rodrigo Raposa. Repeti e cantei junto.

 Concorda? Discorda? Tem algo a mais a dizer que eu não citei aqui? Fique a vontade para me comunicar através do meu Twitter, link logo abaixo. Respondo a todos com todo o prazer.

 Aquele abraço! 

Rodrigo Raposa
Twitter: @RaposaLIESV