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Jorge Renato Ramos

Nota do Editor:
Quando usava o nick "Mestre Sambinha" num fórum de Carnaval, Jorge Renato Ramos chegou a ter um espaço no SAMBARIO, onde escreveu três textos em 2005. Pesquisador, ele tem como plano lançar um livro que contará a história dos desfiles no Rio de Janeiro desde 1960. O escritor vem realizando uma pesquisa minuciosa e colhendo preciosos detalhes esquecidos não só das apresentações em si como também dos bastidores. E alguns trechos da futura publicação Jorge Renato Ramos passa a disponibilizar no site dos sambas-enredo, em sua nova coluna no SAMBARIO. Desde já ficamos na espera por mais uma preciosa obra a enriquecer o acervo histórico das escolas de samba. Enquanto aguardamos, vamos saborear as amostras.

 . 1ª Coluna: Memórias de 1987 - Salgueiro e Mocidade

2 de junho de 2016, nº 2, ano I

ME AJUDEM A TIRAR A ESCOLA DO BURACO!


Império Serrano 1982, "Bumbum Paticumbum Prugurundum", de autoria de Rosa Magalhães e Lícia Lacerda - “Me ajudem a tirar a escola do buraco!”, esse foi o pedido de Jamil Salomão Maruff, o “Cheiroso”, presidente do Império Serrano, a Rosa Magalhães e Lícia Lacerda, que iriam desenvolver o enredo “Bumbum Paticumbum Prugurundum”. Fazia referência ao imenso perrengue por que passava a escola da Serrinha, em franca decadência, sem saber como se inserir naquela nova ordem, em que o que prevalecia era o visual, este relacionado com criatividade, em primeiro lugar, e depois com dinheiro.

Em princípio, Jamil havia convidado Fernando Pamplona, “Pai de todos carnavalescos”, para desenvolver o enredo. Afastado do carnaval desde o traumático desfile do Salgueiro de 1978, em que foi boicotado antes e durante o desfile, com alegorias sendo destruídas em plena avenida até por homens armados, recusou o convite, mas indicou, em seu lugar, a dupla de carnavalescas, ambas suas pupilas, alunas da Escola de Belas Artes, e já com um trabalho considerável no meio das escolas de samba, tendo desenvolvido enredos para a Beija-Flor e Portela, por exemplo. Pamplona, ao recusar o convite, explicou: “Como não faço pra mais ninguém, distribuo ideias”. E assim sugeriu a Rosa Magalhães e Lícia Lacerda um enredo em que contaria três momentos da história dos desfiles, em três palcos distintos: “Onze, Candelária e Sapecaí”, abordando as mudanças ocorridas através dos tempos até chegar a seu palco definitivo, a Marquês de Sapucaí. Ainda nesse ano, deu mais um enredo a outra de suas pupilas, Maria Carmen de Souza, a Carminha, carnavalesca da Mocidade Independente: “O Velho Chico”.

Rosa e Lícia aceitaram a missão, mas não, sem antes, alterar o nome do enredo. Não gostaram do termo, trocadilho, “Sapecaí”. Ao lerem uma entrevista de Ismael Silva, criador da primeira escola, a Sérgio Cabral, em que Ismael explica, em forma de onomatopeia, como era a diferença entre os sambas da primeira geração de compositores, sambistas, como Donga, Sinhô e Heitor dos Prazeres e a turma do Estácio, com o próprio Ismael, Bide e Baiaco, resolveram mudar o nome do enredo para “Bumbum Paticumbum Prugurundum”. Houve uma certa resistência de compositores, e até do próprio presidente imperiano, preocupados com a onomatopeia e com a possível dificuldade de que os componentes teriam ao cantá-la. Mas, falando, pode até ser difícil, realmente, de pronunciar, um trava-línguas talvez, mais cantado não havia, e não houve, problema algum.

Carlos Drummond de Andrade foi outro que não viu problema algum no título do enredo, inclusive se referindo a ele como uma “formidável onomatopeia” em sua crônica de 18.02.1982, no Jornal do Brasil. A crítica estaria presente, mas a ideia das carnavalescas era que prevalecesse o riso, a sátira, o bom-humor e a molecagem, no bom sentido, carioca. Lícia Lacerda e Rosa Magalhães, em entrevista a José Carlos Rego, no Globo de 14.01.1982, explicaram o enredo. Disse Lícia: “No nosso entendimento, o carnaval é uma coisa bem engraçada, muito divertida, que não pode ser levada a sério, como uma coisa solene. Seria sim deve ser a organização, mas a brincadeira, não! Tem que ser viva, brincalhona, crítica e mordaz”. Rosa Magalhães acrescenta: “Chega de desgraças do amargo dia-a-dia. Vamos brincar, gozar o fantástico e até mesmo fazer críticas a nós mesmos, carnavalescos. Quer um exemplo: os ritmistas vão sair de máscaras (por causa de uma crítica do Globo)”.

A dupla de carnavalescas baseou as pesquisas para o desfile em três livros: “Fala, Mangueira”, de Marília Barbosa; “Escolas de samba – O quê? Como? Quando e Por quê?”, de Sérgio Cabral e “Escolas de samba em desfile”, de Amauri Jório e Hiram Araújo. Lícia Lacerda disse: “Procuramos extrair dessas obras a síntese dos diversos períodos do desenvolvimento cultural das escolas de samba”. Rosa Magalhães sintetiza o enredo: “Na verdade, o que o tema vai dizer são as acontecedências desse meio século dos desfiles das escolas de samba. Está desdobrado em três fases: o período em que as escolas eram vinculadas aos temas históricos (Praça XI); a fase das narrativas do folclore (Candelária) e, por fim, o surgimento dos enredos imaginativos, ou o fantástico no carnaval”, explicou a carnavalesca. Naquele ano, o Império contava, em seu barracão, com o valiosíssimo reforço de Yarema Ostrog, maior escultor da história dos desfiles, responsável por trabalhos belíssimos na avenida e, ao meu juízo, pouco lembrado e valorizado. Rosa Magalhães supervisionava o barracão e, em tom de brincadeira, acusa Iarema de ter “estragado” um gato que, antes, combatia, ferozmente, as ratazanas que ameaçavam o fino material das alegorias. “Todo dia o Iarema traz uma sardinha enorme para o gato. Agora ele só quer dormir”, brincou a artista.



Segue abaixo a sinopse do enredo:

SINOPSE 1982

Bum Bum Paticumbum Prugurundum

Introdução:

O enredo do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano é uma síntese da história dos desfiles das Escolas de Samba, realizados desde a década de 1930 até os dias de hoje. O título Bum Bum Paticumbum Prugurundum representa a batida do samba de Escola, diferente de qualquer outro ritmo de manifestação carnavalesca.

Este título foi tirado da entrevista que Ismael Silva (1905 – 1978), um dos fundadores da primeira Escola de Samba, a Deixa Falar, deu ao jornalista Sérgio Cabral e que está transcrita no livro de sua autoria As Escolas de Samba – o que, quem, como, quando e por quê:

Sérgio Cabral – Vocês do Estácio tinham consciência de que estavam lançando um novo tipo de samba?

Ismael Silva – É que quando comecei, o samba da época não dava para os grupos carnavalescos andarem na rua, conforme a gente vê hoje em dia. O estilo não dava pra andar. Eu comecei a notar que havia essa coisa. O samba era assim tan tantan tan tantan. Não dava. Como é que um bloco ia andar na rua assim? Ai, a gente começou a fazer um samba assim: bum bum paticumbum prugurundum.

Ismael Silva refere-se à mudança fundamental que os sambistas do lendário bairro do Estácio de Sá introduziram no samba carioca, na década de 1920. Foram eles que libertaram definitivamente o samba da influência do maxixe, inaugurando o samba na forma em que é hoje internacionalmente conhecido.

Foi a partir dai, da criação da nova batida do samba – a partir do bum bum paticumbum prugurundum –, que foram surgindo as agremiações conhecidas por Escolas de Samba. E, durante o carnaval, elas se concentravam na Praça Onze para participar do desfile que ali se realizava.

Muitos anos após, na década de 1950 quando o desfile já se realizava na Avenida Presidente Vargas, concentrando-se os sambistas nas imediações da Igreja da Candelária, as Escolas passaram a sofrer a influência de artistas plásticos de formação acadêmica e de renome, que imprimiram nova concepção ao visual das Agremiações.

Por fim, em meados da década de 1970, o luxo e a riqueza excessivos passaram a ocupar o lugar dos valores autênticos do samba. E a época das Super Escolas de Samba S.A., das Super Alegorias, que desfilam anualmente pela Marquês de Sapucaí, “escondendo gente bamba”.

O Império Serrano fará neste carnaval a crônica dos desfiles desde o bum bum paticumbum prugurundum até as Super Escolas de Samba S.A. e nossa Escola virá apresentando três Escolas de samba em uma: a da Praça Onze, a da Candelária e a da Sapucaí.

Sinopse:

Primeira parte – Praça Onze ou Fase autêntica

Apresentamos uma visão do que teria sido um desfile na tradicional Praça Onze, com baianas de fila, que ajudavam na Harmonia, os famosos malandros de terno branco, sapatos de duas cores, o caramanchão, precursor das grandes alegorias da atualidade, damas e nobres de perucas e a corda esticada para evitar que pessoas alheias ao grupo desfilante se intrometessem, causando distúrbios.

Falaremos do tempo obscuro, mas autêntico, do samba das Escolas cariocas, quando os sambistas diziam no pé e o seu amor pela Agremiação era às vezes questão de vida e até de morte.

Segunda parte - Candelária ou Fase de interação

Marie Louise Nery , figurinista e aderecista suíça, mulher do artista plástico Dirceu Nery, convidada para julgar grupos de frevo, na década de 1950, encantou-se com a espontaneidade e a força dos desfiles de carnaval. A partir desse momento, ela se envolveu com Escolas de Samba, tendo sido, ao lado de Dirceu, a primeira carnavalesca com formação erudita a exercer uma influência direta na manifestação popular espontânea.

Ao casal, seguiram-se outros profissionais, tendo-se sobressaído nos Acadêmicos do Salgueiro, Fernando Pamplona e Arlindo Rodrigues, que usaram entre outras novidades o vime, as alegorias de mão, a coreografia de ballet de grupos folclóricos. Apresentaremos grupos fantasiados de acordo com os elementos que mais atraíram a atenção nesses carnavais, terminando com uma ala de Carmen Miranda, grande sucesso do carnavalesco Fernando Pinto, então do Império Serrano.

Terceira parte - Marquês de Sapucaí ou Escola de Samba S/A.

O super desfile com a super-campeã que naturalmente possui um super-carro repleto de super-mulheres. Nem sempre há um super-samba, mas há o super-gasto. Embora Joãozinho Trinta tenha já se destacado na época do Salgueiro, na Candelária, trabalhando com a dupla Arlindo e Pamplona, foi na Beija-Flor de Nilópolis que deu seu verdadeiro grito de independência, ditando regras e afirmando categoricamente que carnaval é luxo e riqueza.

Os enredos vencedores, de históricos e folclóricos, passam a ser fantásticos, quase sempre pouco claros para o povo, mas dando margem a que o todo-poderoso carnavalesco exercite sua imaginação, respaldado em forte esquema financeiro: Nesta parte apresentaremos alas de tal porte que cada componente é uma alegoria irreal.

Rosa Magalhães e Lícia Lacerda



Escrever um livro sobre o universo das escolas de samba exige um sério trabalho de pesquisa, muitas horas perdidas, mas, sem dúvida, ver a obra tomando forma, e com um resultado satisfatório, é bastante gratificante. Meu agradecimento a todos aqueles que dispensaram um pouco de seu tempo disponível para viabilizar livros como esses, referências para quem trabalha com pesquisa de carnaval. Sem isso, bem mais difícil seria.

 . 1ª Coluna: Memórias de 1987 - Salgueiro e Mocidade

Jorge Renato Ramos
renatojrrs@gmail.com