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Coluna do João Marcos

SEXTA-FEIRA 13 XXIX - QUANDO JASON DELETOU AS FRONTEIRAS DA REALIDADE

23 de outubro de 2009, nº 32, ano IV

Eu estava vendo agora há pouco, o filme “Rocky Balboa”, o sexto da série de filmes do lutador de boxe que apanha, apanha, apanha, ganha umas, perde outras, mas, no fim, sempre é o vencedor, mesmo que seja o vencedor moral. Neste último, depois de uma simulação de computador onde Rocky vence uma luta virtual contra o campeão do mundo, este convida o sexagenário para uma exibição em Las Vegas. O campeão vence a luta, mas tem de agüentar Rocky dando bordoada nele até o último round e saindo consagrado pelo público.

 

Outro filme interessante da série é o Rocky IV, quando ele defende os Estados Unidos numa luta contra o Ivan Drago, que personifica os soviéticos, e é interpretado pelo equivalente ao Cigano Ygor (lembram dele?) do cinema americano, um loirinho de dois metros de altura (Dolph Lundgren). Rocky derrota o soviético numa luta assistida por um inconformado Gorbatchev, ex-primeiro ministro da URSS onde os torcedores russos se rendem ao lutador do calção com o desenho estilizado de bandeira americana. Foi ali que os Estados Unidos venceram a Guerra Fria, não tenham dúvida.

 

Talvez os leitores não saibam, mas o primeiro Rocky, de 1976, foi vencedor do Oscar de melhor filme e Stallone foi indicado ao de melhor ator. Os membros da academia provavelmente não tinham idéia do monstro que criariam, uma das franquias mais doidas da história do cinema, com direito a personagens bizarros como Ivan Drago, Mr. T (lembram do B.A. do Esquadrão Classe A?), Apollo Doutrinador vestido de Tio Sam e etc. Eu sou fã da série, como vocês podem notar, mas é óbvio que a qualidade artística, a cada filme, foi caindo, caindo, caindo, assim como a bilheteria. De filme sério, Rocky passou a entretenimento com pitadas trash. É algo normal – dificilmente uma continuação mantém o nível de qualidade e o faturamento da obra anterior. O último “Loucademia de Polícia” saiu direto em DVD, assim como o último “American Pie”, que acho que não tinha um personagem sequer do filme original. E as exceções que vocês encontrarem apenas confirmarão a regra.

 

Tudo isso é apenas uma introdução para o seguinte: Diogo Nogueira venceu seu quarto samba seguido na Portela. Julio Alves, o terceiro na Unidos da Tijuca. Ito Melodia foi bi na Ilha. Na Santa Cruz, depois do descanso de um ano, Fernando de Lima venceu o milésimo samba. Aníbal só não tem uma seqüência maior no Tuiuti porque uma reedição atrapalhou. E isso sem contar as parcerias que enfileiram samba atrás de samba, como Diniz na Vila, David de Souza na Porto da Pedra, etc., e das que voltaram a vencer depois de um ano de “férias”, como Arlindo na Grande Rio ou Nicolau na Cubango.

 

Esta repetição de parcerias que vencem ano após ano após ano é um fenômeno recente. No passado, isso só acontecia quando um gênio aparecia - alguém como Martinho, Silas de Oliveira ou David Correa, alguém que mudasse as regras do jogo e fizesse clássico após clássico. Vamos pegar a mesma Portela que deu o tetra para Nogueira, e vejamos a seqüência de parcerias vencedoras de 69 a 78:

 

69 – Ary do Cavaco

70 – Catoni, Jabolo e Cia

71 – Ary do Cavaco e Rubens

72 – Cabana e Norival Reis

73 – David Correa

74 – Jair Amorim, Evaldo Gouveia (e Velha)

75 – David Correa e Norival Reis

76 – Noca e Cia.

77 – Catoni, Jabolô e Cia

78 – Jair Amorim e Evaldo Gouveia

 

Em 10 anos, 6 parcerias. E poucas escolas têm uma seqüência de sambas tão boa como a Portela neste período. No Salgueiro, nem Zuzuca enfileirou mais de dois sambas seguidos. Na Mangueira, vários grandes compositores ganharam sambas nesta época. No Império, a mesma coisa. Mesmo com o predomínio de um ou outro compositor, havia uma rotatividade.

 

Esta rotatividade, evidentemente, não tem de acontecer por si só, apenas para mudar quem assina. O melhor samba tem de vencer. O melhor samba não é o que vai funcionar melhor (ninguém sabe o que vai funcionar, isso é conversa fiada, inúmeros fatores, da qualidade do áudio do equipamento do carro de som até a qualidade do lanche do Bob’s influenciam no sucesso de um samba), não é o que conta mais detalhes do enredo, não é o para cima, não é o de letra mais erudita, nem o do refrão mais grudento. O melhor samba é aquele que você escuta e sente – É ESTE. E a melhor forma de fazer isso é ouvir, ouvir, ouvir. De preferência, longe da influência de terceiros, de torcidas compradas formadas de pessoas que nem desfilarão pela escola. O melhor samba não vai sair da sua cabeça. O melhor samba vai te arrastar, vai te convidar para uma orgia e perguntar por Noel, vai te levar e te transformar em mais um num mar de fiéis. E sem precisar pagar tua cerveja.

 

No entanto, as escolas teimam com determinados nomes. Às vezes, é apenas conservadorismo ou medo de arriscar. Outras, por razões de bastidores ou porque determinada parceria vai encher a quadra e provocar uma falsa sensação de unanimidade. E é por estas razões que, mesmo sem terem O SAMBA, mesmo quando sequer alcançaram notas dez no desfile anterior, elas continuam e continuarão vencendo, diminuindo o nível dos sambas-enredo, fazendo tudo nivelado por baixo. Rocky vai subir correndo as escadarias do Museu de Artes da Filadélfia pela enésima vez, mas não será como antes. Agora, Ivan Drago deletará as fronteiras da realidade.

 

E assim, os nomes dos perdedores, inconformados, sairão das listas de sambas concorrentes nos anos seguintes. Disputas com cartas marcadas ficarão cada vez mais esvaziadas. O artista, sem fé, deixa de sonhar. E aí os torcedores vão para os fóruns reclamar da minha nota baixa para determinados sambas. Que nota eu poderia dar para os sambas de uma safra tão pavorosa como a de São Paulo para 2010?

 

E você? Você acha que a ala de compositores da Portela se resume a Diogo Nogueira nos últimos quatro anos?

 

Saudações a todos!

João Marcos
joaomarcos876@yahoo.com.br