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Coluna do João Marcos

LUTO

Estou de luto. O samba-enredo de São Paulo morreu esta semana, vítima da vitória de Cláudio Russo, na Nenê de Vila Matilde. Cláudio Russo, por anos, tentou vencer em São Paulo. Tentou a Império de Casa Verde, teoricamente o ambiente mais propício para um samba do Rio vencer – muito dinheiro, subida de status meteórica da agremiação, pouca tradição. Foi derrotado. Aí ele tentou o caminho inverso – a Nenê, logo a Nenê! Talvez, Claudio Russo tenha entendido que uma escola tradicional que não vence títulos há alguns anos e que vem amargando posições intermediárias está mais vulnerável ao seu ataque. Afinal, as escolas querem ser campeãs, certo? Que se danem as alas de compositores, a tradição, os demais setores da escola. A porteira, agora, está aberta.

E o compositor de São Paulo também é culpado disso. Sim, a cada semana, vários intérpretes do Rio de Janeiro fazem a ponte aérea para defender os sambas de compositores paulistas e paulistanos. Da invasão de intérpretes à invasão dos escritórios, foi apenas um passo. Vocês queriam vencer, impressionando as suas escolas contratando intérpretes do Rio? Vocês conseguiram – os presidentes ficaram tão impressionados que agora querem os sambas do Rio. Afinal, é a capital do samba, certo? Em Guaratinguetá, p.ex., tem escola que pega uma percentagem gigantesca da subvenção que recebe, mais de 30%,  e, em vez de investir em fantasias e alegorias, utiliza os recursos para contratar intérpretes e, pasmem, rainhas de bateria do Rio de Janeiro.  A situação em outros centros é, basicamente, a mesma. Os escritórios estão, cada vez mais, sufocando o talento local, impondo o grande modelo fordista de fazer samba-enredo. E as vitórias não são com base na qualidade, não – vocês se enganam. Soube de um caso, p.ex., que a vitória de um escritório foi a condição para que um intérprete cantasse um samba de uma escola fora do eixo Rio-São Paulo. Esta é apenas uma das situações esdrúxulas que acontecem. E há casos em que as vitórias traduzem, mesmo, a burrice de diretores e presidentes.

Não há muito que se fazer. Da mesma forma que Ismael Silva lutou contra a descaracterização do desfile das escolas de samba nos anos 30, que cada vez mais traziam elementos das grandes sociedades e ranchos carnavalescos, da mesma forma que Silas foi vítima dos sambas animadinhos dos anos 70, etc, este panorama não vai mudar. É a evolução. O jeito é pegar. Ou largar. E quem não entender isso, é apenas um saudosista ultrapassado.

Agora, é esperar a invasão dos escritórios do Rio nas demais escolas de São Paulo.

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Falando em pegar e largar, na Vila, Martinho deixou de compor para um enredo que tem a cara dele. Qual será a razão?

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Continuando a análise dos sambas concorrentes, vamos nos aprofundar nas considerações. Não temos acesso ainda aos sambas portelenses, mas já é possível perceber que a safra não será lá essas coisas. E, pelo que está pintando por aí, é possível que atinjamos um nível artístico tão baixo quando o de 1997. Na Beija-Flor, a safra é muito, mais muito ruim mesmo. O de Claudio Russo, p.ex., rima flor com flor. A segunda parte é fraquíssima – a forma como os versos são cantados é uma tragédia. Sim, porque lendo, não parece, mas escute bem – os versos reais, os cantados, são “(...) o meu ser de amor / o mais saudável ‘coração do mar’ / ao chuveiro é divino”. Podem explicar, colocando vírgula, separando, mas o que está sendo cantado é ISTO. E ISTO não tem sentido. O ser de amor do sujeito é um saudável coração do mar. E o pior é que as alternativas são do mesmo nível. E aí, Laíla?

Na Vila, a primeira parte do samba da parceria de André Diniz é uma baita confusão melódica, e a obra é salva pelos bons refrões. Porém, os dois melhores sambas são o de Luis Carlos da Vila e de Eduardo Medrado, ambos indo por propostas bem diferentes do que a que a escola tem apresentado - o que significa que perderão a disputa.

Na Mocidade, o samba de Dico da Viola e Cia. é o superior. É interessante como segue a exata mesma linha do samba do Diego Nicolau e cia. de 2008, inclusive com a divisão de intérpretes, a voz de Celino  a proposta de leveza, uma segunda parte mais melódica e refrões “chicletes”. Os demais seguem mais o estilo do samba campeão de 2008, que funcionou muito bem na avenida, porém não me agrada muito.

Na Tijuca e na Porto da Pedra, não há nada que tenha me chamado muito a atenção. Na Tijuca, o que mais me agradou foi um cantado por Dominguinhos, que, sinceramente, nem sei se caiu ou continua na disputa. O do pessoal do 1+1+1+1+1 tinha bons momentos, mas, novamente, me pareceu cantado no tom errado e precisava ser lapidado em diversas partes. Este, saiu logo no início. Na Porto da Pedra, a safra é sem comentários e deve se repetir a vitória da parceria que domina a escola há dois anos.

Na Grande Rio, o samba de Mingau e Cia. é inferior ao de 2008, mas é o melhor dentre os disponibilizados. Na Viradouro, Heraldo Faria e Flavinho Machado fizeram um bom samba - não sei se é o que o desfile da escola pede, mas é gostoso de cantar e tem alguma pegada. Na Mangueira, sinceramente, eu pensaria em uma fusão. A sensação que eu tenho é de que cada samba da escola tem algum bom momento, mas não funciona bem no todo. P.ex., o samba de Gustavo Louzada, Vanderson, Júnior e Edirley tem um refrão de cabeça bem forte. Já o samba de Marcus Muniz tem uma linda segunda parte, com uma das melhores letras da safra, principalmente do meio para o fim, mas a melodia da primeira parte é fraca no finalzinho. Enfim, uma fusão poderia ser uma solução interessante, mas teria de ser estudada com muita calma.

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E não é que o samba de 77 da Império da Tijuca foi bem gravado? A faixa, com Pixulé, ficou bem superior à versão original em termos de produção. Acho que é a primeira vez que uma reedição tem uma versão mais gostosa do que a faixa que nos acostumamos a ouvir. Sinceramente, me surpreendeu.

Abraços a todos!

p.s.: menos aos que escolheram o samba da Nenê...