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- Olha a crítica! Era assim que o intérprete Izaías de Paula anunciava, em seu grito de guerra, os enredos de denúncia social e de preocupação com a problemática brasileira que marcaram a São Clemente entre a metade da década de 80 até meados dos anos 90. O cantor acompanhou a época áurea da escola da Zona Sul carioca, que conseguiu se manter por cinco anos consecutivos no Grupo Especial, chamando a atenção pelo engajamento das causas sociais defendidas, como moradia, saúde, educação, prevenção à vida no trânsito, menores abandonados, violência, exploração indevida das riquezas naturais do país e a excessiva mercantilização do chamado “carnaval espetáculo”.

Izaías compôs seu primeiro samba para a São Clemente em 1979, “Louvação às três rainhas”, em parceria com Ivo Gomes da Rocha (presidente da escola na época). Neste mesmo período, começou a cantar no carro de som da escola.

Em 1984, ano da inauguração do Sambódromo, a então semidesconhecida São Clemente surpreendeu o público ao subir para o Grupo Especial após ter chegado em 4º lugar no Grupo 1-B, num enredo inusitado e criativo: “Não corra, não mate, não morra. O diabo está solto no asfalto”, advertindo sobre a conscientização da preservação da vida e as regras de trânsito.

No ano seguinte, na estreia na elite do carnaval carioca e com um desfile simples, porém, bem humorado, a escola das cores amarela e preta apresentou “Quem casa quer casa”. Izaías de Paula, um dos autores do samba, foi muito feliz na crítica pretendida sobre os problemas da habitação no Brasil. A escola desceu para o Grupo 1-B, no entanto, deixou marcas pouco comuns para uma escola dita “pequena” que recém estreava no Grupo Especial: a São Clemente abocanhou dois prêmios Estandartes de Ouro, concedido pelo júri do jornal O Globo: melhor comissão de frente e melhor tema enredo.

Izaías de Paula fazia questão de ser o cantor principal apenas nos sambas que compunha. Mantinha um revezamento com seu parceiro Geraldão ao microfone da escola.

Em 1987, a São Clemente retornou ao Primeiro Grupo com “Capitães de Asfalto”, um belo samba, em tonalidade menor, composto por Jorge Madeira, Manuelzinho Poeta além do próprio Izaías, que na infância havia sido interno do Serviço de Assistência ao Menor (SAM). A experiência de vida o permitiu expressar nos versos do inspiradíssimo samba sua revolta contra o descaso com as crianças pobres do nosso País: “Alô, Brasil / Felicidade nunca existiu no SAM / Se hoje ele é mal orientado / Será marginalizado / Nas manchetes de amanhã”. Durante o desfile, permeado de ironia na discrepância entre o luxo da vida do menino rico e a miséria da criança que perambula pelas ruas das grandes metrópoles, a São Clemente apresentou um grupo de meninos de rua de verdade. O desfile emocionou a Marquês de Sapucaí e proporcionou um dos melhores momentos da história da escola de Botafogo. Com a apresentação, a São Clemente consegui um honroso sétimo lugar, e marcou seu nome definitivamente na história dos desfiles da passarela.

No ano seguinte, a escola da Zona Sul carioca mostrou um belo desfile denunciando a violência e permaneceu no Grupo Especial ao apresentar “Quem avisa, amigo é”. Já em 1990, a escola apresentou aquele que viria a ser o seu melhor desfile e até então a melhor colocação na história da escola. “E o samba sambou”, uma ácida crítica à excessiva desfiguração do carnaval. Izaías de Paula gravou o samba no disco oficial e na avenida teve o apoio de David do Pandeiro.

Em 1991, Izaías de Paula formou com Geraldão o grupo de apoio de Sidney Moreno, que estreava no microfone principal da São Clemente.

Para o carnaval de 1993, Izaías foi convidado para cantar na recém fundada escola de samba Mocidade Unida do Santa Marta, formada em março de 1992. A escola é oriunda da comunidade do Morro Dona Marta, o maior morro do bairro de Botafogo. A MUSM surgiu de um desentendimento momentâneo entre integrantes de alas da São Clemente com a direção da escola. Por serem moradores da comunidade e conhecerem a tradição de samba do local, encontraram no morro o terreno fértil para a criação de uma nova agremiação. A Mocidade desfilou com o enredo “Os africanos no Brasil”. no Grupo de Avaliação da AESCRJ (equivalente à quinta divisão do carnaval carioca), na Avenida Rio Branco e sagrou-se campeã da categoria, tendo direito a ascender ao grupo C (quarta divisão). Depois disso, Izaías foi reduzindo sua participação no carnaval, casou-se com uma alemã e foi morar na Europa.

Em 2000, Herr De Paula esteve de passagem no Brasil e visitou a quadra da São Clemente. No CD do carnaval 2004, numa homenagem ao veterano intérprete, o então puxador da São Clemente, Anderson Paz, lhe prestou uma homenagem, ao repetir o consagrado grito de guerra olha a crítica!, na gravação do samba “Boi voador sobre o Recife – Cordel da galhofa nacional” (Jorge Melodia, Noronha, Marcos Zero e César Ouro), provocando um frisson para os saudosistas.

No carnaval de 2020, os intérpretes Leozinho Nunes, Bruno Ribas e Grazzi Brasil na gravação do samba “O Conto do Vigário” (Marcelo Adnet, André Carvalho, Pedro Machado, Gustavo Albuquerque, Gabriel Machado, Camilo Jorge, Luiz Carlos França e Raphael Candeia) fizeram um trocadilho com seu grito de guerra “olha a crítica” para “olha a cítrica”.

Em fevereiro de 2021, Izaías de Paula participou da live que a São Clemente realizou em sua quadra, em homenagem ao saudoso fundador e ex-presidente da escola Ivo Gomes da Rocha (1930 - 1980). O cantor relembrou sambas clássicos que a agremiação levou para a Sapucaí. Também fez uma visita na quadra da Mocidade Unida do Santa Marta e recebeu uma homenagem da escola.