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História & Samba
    
CANÁRIOS DAS LARANJEIRAS - O MAIOR BLOCO DE ENREDO DA HISTÓRIA?

20 de novembro de 2021, nº 3

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2ª Coluna: Tupy de Braz de Pìna - Glórias que o Tempo Escondeu!
1ª Coluna: Quase ninguém viu... Gravações de Samba-Enredo que o Tempo Levou!

Bem, amigos do Sambario! Aqui é Túlio Rabelo, do canal no YouTube 
TR - Sambas de Enredo. Neste meu terceiro texto para o site Sambario, irei falar sobre o Grêmio Recreativo Cultural Bloco Carnavalesco Canários das Laranjeiras, fundado na cidade do Rio de Janeiro em 06/09/1949. Passaremos por seus tempos áureos de Bloco, além da época como escola de samba e a sua volta aos desfiles de Blocos.


Até 1965, os blocos não tinham como foco fazer samba-enredo. Este modelo de enredos anuais, iniciado em 1966, permitiu ao Canários das Laranjeiras atingir o topo de seu segmento. Em sua primeira fase de Bloco de Enredo, para se ter uma ideia, foram 10 títulos em 21 desfiles pela divisão principal dos Blocos de Enredo (1967-1987). Entre esses 10 títulos, um tetracampeonato (1967-1970) e um tri-campeonato (1975-1977). Acesse a lista de enredos no Wikipedia.

Para o Carnaval 1984 “Canariando”, o Bloco levou a Sapucaí uma retrospectiva de seus 35 anos, focando nos títulos até então conquistados. Em material enviado para análise da censura, consta a sinopse do enredo, material que guiará a explanação deste período histórico. Antes de transcrever a sinopse, escute o samba oficial de 1984 ao vivo e um samba concorrente:


Samba Oficial 1984

Samba Concorrente 1984


Desfiles 1984 (Canariando)/1985 (Boêmia)
 
SINOPSE DO CARNAVAL 1984:

“Já em 1943, quando foliões da rua das Laranjeiras e adjacências se reuniam no CAFÉ MONTESE (hoje de saudosa lembrança) no bate papo diário da rapaziada, as primeiras ideias para a fundação de uma agremiação carnavalesca, estavam no pensamento de muitos, que não se identificavam nos então existentes "AZUL E BRANCO" ou no "AMARELINHO" que segundo eles envolviam muitos componentes de outros bairros, principalmente do Cosme Velho, que naquele tempo era bem mais distante. Essas ideias foram crescendo, e a 6 de Setembro de 1949 era fundado o CLUBE CARNAVALESCO CANÁRIOS DAS LARANJEIRAS, inicialmente apenas um bloco de amigos e vizinhos, que desfilava alegre e garboso pelas ruas do bairro até o Largo do Machado durante os dias de carnaval. Ali mesmo, na Rua das Laranjeiras n°45 eram guardadas as peças de bateria.

Ano após ano, o "CANARINHO", como carinhosamente logo foi batizado pelo povo da cidade, foi se tornando conhecido e maior, aglutinando toda a juventude sadia do bairro onde nascera. Introduzindo em seus desfiles o tamanquinho e a sainha, marcou época e deixou lembranças e saudades nos mais antigos. Empolgava pela beleza de suas composições e fez da "garra" e da empolgação de seus passistas a sua marca mais conhecida.

Em 1962 participa pela primeira vez dos desfiles oficiais da cidade e coloca-se honrosamente como vice-campeão, posição que repete no ano seguinte. Três anos depois, em 1965, consequência natural da importância que paulatinamente vinham os blocos carnavalescos conseguindo nos festejos momescos da cidade, é fundada a "FEDERAÇÃO DOS BLOCOS CARNAVALESCOS DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO", que somente em 1967 fará realizar o seu primeiro desfile oficial. E é então, em 1967, que o "CANARINHO" agora filiado à FEDERAÇÃO, alcança o primeiro lugar, sagrando-se Campeão, colocação que seria uma constante na sua feliz e vitoriosa trajetória. Desfilando o enredo "OURO E RIQUEZAS DO BRASIL" onde exalta o ouro, o café, o petróleo e o futebol, o "CANARINHO" orgulhosamente como afirma o seu samba enredo, também é uma riqueza no carnaval carioca.

Incentivado pelo lugar conquistado, volta o "CANARINHO" no ano seguinte, 1968, a empolgar a passarela apresentando o tema "REBOUÇAS, O MULATO SÍMBOLO", indo buscar no Brasil Imperial a inspiração para mais uma vitória. De fato, na figura de ANDRÉ PINTO REBOUÇAS, engenheiro negro, introduzido na Corte pelo Conde D'Eu ao dançar a quadrilha com a Princesa Izabel nos salões iluminados do Paço Imperial, encontra o Bloco das Laranjeiras o caminho para mais um campeonato. Era o segundo título, que o tornava mais conhecido e respeitado entre os carnavalescos.

Para o ano seguinte, 1969, "ORIGEM E GLORIA DOS BLOCOS CARNAVALESCOS", novo tema escolhido, traz para a Avenida as origens do samba, falando do negro, de senzalas e reis distantes, batuques e cortejo, e as figuras saudosas do Zé Pereira e Chiquinha Gonzaga — o Entrudo e os Cordões carnavalescos, exalta os cultos africanos, e mostra o Rio de Debret e Machado de Assis. Todo esse folclore e beleza não poderiam deixar de apresentar seus resultados. E não deu outra — novamente Campeão, o primeiro lugar tão desejado e disputado. Era o tricampeonato, fato inédito, que enchia justamente de orgulho a família canariana, agora já tão aumentada que extravasava do seu bairro de origem por toda a cidade. E toda a cidade se regozijava com ela. A imprensa tecia inúmeros elogios a esse plantel de sambistas que tão bem representava o carnaval carioca. E o "CANARIOS" cresceu mais ainda.

1970 — Ano marco na estória do "CANARINHO". "GANGA ZUMBA" encanta e deslumbra a todos no desfile principal da Avenida. Na letra do samba enredo, toda uma filosofia da raça negra: "Quem deu ao Brasil mais amor, Foi o negro que o Brasil adotou. Na senzala foi escravo, nos Palmares foi senhor. Ganga Zumba Ogum Saruê, Olorum modupê". Era mais que um novo campeonato. Era o "TETRA" que somente o "CANARINHOS" possui. Era o delírio, a exaltação, a glória. Era a honra, o orgulho e o privilégio de ser canariano. E toda a cidade vibrou. E o "CANARINHO" conquistou definitivamente o coração dos cariocas. Mas não param aí seus feitos. Outras glórias viriam. Outros campeonatos seriam alcançados.


Ganga Zumba (1970), considerado o melhor samba de sua história

1975 — "LENDA DA ACAIACA"— No desfile da Avenida Antônio Carlos, como já tantas vezes acontecera nas Avenidas Rio Branco e Presidente Vargas, também fica a marca do "CANARINHO" para um novo Campeonato, um novo 1°lugar. História, lenda e realidade se misturam no desfile para o deleite e o prazer dos cariocas.

1976 — "TEMPLO DE TRADIÇÕES E FÉ" - A formosa Bahia, a primeira capital, tão cantada em prosa e verso, também é apresentada pelo "CANARINHO". Seu folclore, suas tradições, seus cultos e orixás. Tema obrigatório nos desfiles carnavalescos, torna-se mais belo e exuberante nas cores amarelo e branco. Outra disputa, outro galardão, outro 1°lugar. Novamente campeão, exultam os canarianos. Ser campeão no "CANÁRIOS" já é um hábito, uma feliz repetição. E mais e mais se orgulha e envaidece a família canariana.

 
Gravação antiga deste samba de 1976 num LP do Conjunto Nosso Samba

 
Gravação da reedição em 2010 na voz de Celino Dias

1977 — "LUPICÍNIO RODRIGUES, SAMBA E CANÇÃO" - Na figura do gaúcho boêmio, do pioneiro do samba canção brasileiro, vai o "CANÁRIOS" buscar inspiração para mais um campeonato. Ao recordar seus sambas imortais, "Vingança, Se acaso você chegasse, Cadeira Vazia", e tantos outros, o "CANARIOS" canta seu próprio samba, e lembra o autor do hino do "GRÊMIO" o tradicional clube de futebol do Rio Grande do Sul. Era o terceiro título consecutivo, era o "TRI" que viria se juntar ao "TETRA" anteriormente conquistado.

Que mais pode almejar um Bloco, além de vitórias, sucessos, fama e consagração populares? O amor e o carinho da cidade já possuem. O respeito e a admiração dos coirmãos já conseguiram. Basta agora continuar seu trajeto, seguir no caminho que se impôs por suas vitoriosas apresentações.


Letra do Samba de 1977. Créditos: SIAN - Sistema de Informações do Arquivo Nacional
 
1980 vê repetir-se mais um campeonato, mais uma afirmação. "TRÓIA NEGRA" traz novamente à Avenida, a pujança e o vigor da raça negra. Nas origens da Nação Brasileira, o negro é baluarte, é força viva, é garantia de emancipação. Nas senzalas, nos quilombos, ou nas cidades, o negro com seus braços fortes garante o progresso dos engenhos, das culturas, das riquezas do país. Com sua capacidade, sua inteligência e seu amor, o negro participa ativamente da modelagem da nova nação que se afirma grande e feliz. E grande e feliz, é novamente o "CANARINHO" ao sagrar-se mais uma vez, campeão do carnaval carioca.

1982 — Enfrentando alguns problemas internos, o "CANARINHO" parte para mais um campeonato. Sem grandes recursos, fazendo suas alegorias na rua, embaixo de um viaduto, torna-se mais forte a chama que tantas vezes iluminou o seu caminho. Unem-se diretores e componentes, fala mais alto o orgulho de ser canariano, e posta a prova a sua capacidade, a Agremiação se supera e conquista mais um campeonato. Encontra nas páginas da História Pátria uma figura inédita, "S.A. O PRÍNCIPE OBÁ". E de tal forma, com beleza, simplicidade e empolgação o apresenta no grande desfile, que o resultado já era esperado por todos. Mais um 1°lugar.

Chegamos ao carnaval de 1984. Felizes e orgulhosos de sermos canarianos. E quem não o é nesta cidade maravilhosa que já amanhece canariana no dourado do sol carioca, que aquece e ilumina a todos? Por isso, por tudo isso, apenas por isso, estamos "CANARIANDO"

Rio, Maio de 1983 — Assinado: Armando Martins”

Antes de seguirmos em frente, precisamos citar também alguns enredos da primeira era Bloco que não levaram ao título (e consequentemente não foram citados na sinopse acima), mas teve sua importância:


1973 - “O NEGRO NA HISTÓRIA DO BRASIL”
Reeditado em 2008, na voz de Celino Dias

 
1974 - “TEMPO DE OBRIGAÇÃO”
Um dos melhores sambas desta instituição carnavalesca… “Tempo de Obrigação” foi gravado no LP de Blocos Carnavalescos de 1974. Escute!

1978  - “SUA EXCELÊNCIA O MESTRE-SALA”
Veja que letra linda:

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Reportagem sobre a final de samba-enredo + letra do samba vencedor de 1978.
Créditos: Hemeroteca Digital - A Luta Democrática (RJ)


1979 -  “NAIR DE TEFFÉ”

Este enredo pode até não ser muito interessante, mas o que eu destaco é que o samba é de autoria do Conjunto Nosso Samba, explicitando que eles eram frequentadores do Bloco. Gravaram aquele samba de 1976 e ao menos participaram da criação de 1979. Eles devem ter cantado por lá durante vários anos, pois no vídeo do desfile de 1985, os comentaristas citam que eles eram os puxadores.

Letra do Samba de 1979. Créditos: SIAN - Sistema de Informações do Arquivo Nacional

Em 1987, o Canários das Laranjeiras fez seu último desfile da primeira era Bloco com o enredo “Axuí”. Em 1988, aconteceu uma greve nos Blocos de Enredo, que entraram em greve e não desfilaram. Esta greve provocou mudanças diversos, levando muitos Blocos de Enredo a se tornarem Escolas de Samba, o que foi o caso da Canários das Laranjeiras.

Para 1989, agora já escola de samba, o Canários fez o enredo "Mestre Arlindo", desfilando pelo Grupo de Avaliação.
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Após obter em 1990 o acesso no Grupo 4 com o enredo “Máscaras”, o Canários escolheu para 1991 “Lugar de Mulher é na História”, que seria reeditado em 2011. O belíssimo samba levou a escola ao título do Grupo C. Escute o samba, na versão de 2011:

 

No ano seguinte, pelo Grupo B de 1992, Dirceu da Mangueira gravou “Mãe África”. Na ocasião, o Canários obteve o 4ºLugar, desfilando na Sapucaí. Escute a rara gravação do samba:

 

Segundo relato do compositor Elcy, o samba enredo de 1993 “Kaleidoscópio” também foi gravado pelo Dirceu da Mangueira, mas infelizmente o áudio se perdeu no tempo e até o momento não o temos disponível. O vice-campeonato de 1993, levou a escola ao Grupo A (Grupo de Acesso).

Para 1994, pensando em se firmar no grupo, a escola fez um excelente samba, vencedor do Estandarte de Ouro. Apesar de não ter gravado no álbum oficial, a CNT fez vinheta com o Dirceu, garantindo assim para nós sambista a versão de estúdio de “Quem é bom já nasce feito”:



Veja o desfile de 1994:

 

O que parecia ser um futuro promissor, veio abaixo em 1995. Com problemas gravíssimos ao desfilar sem bateria, o Canários amargou um duro rebaixamento, manchando sua gloriosa imagem, pois a partir daí muita gente infelizmente começou a lembrar do Canários como: “aquela escola que desfilou sem bateria”.

Confira o desfile de 1995:

 

Ao menos, diga-se de passagem, o samba era muito bom.

 

No ano de 1996, no Grupo B, o Canários das Laranjeiras apresentou o lindo enredo “Aruanda, Um Sonho De Zumbi”, que rendeu um bonito samba:



Assista o desfile:

 

Depois do esquecível samba de 1997 sobre tecnologia, o Canários das Laranjeiras voltou, para 1998, a contar com Dirceu da Mangueira na gravação do samba. “Livre Como um Passarinho”, foi o tema enredo do Canários, que denunciou a venda ilegal de aves. Escute a rara gravação do samba-enredo:

 

Em seu último ano (1999) desfilando pelo Grupo B, os canarinhos levaram para a Sapucaí uma digníssima homenagem ao Bar Luiz, naquele momento completando 112 anos. Para se ter uma ideia, este marcante local da boêmia carioca irá reabrir em 2022, para comemorar seus 135 anos, após um tempo fechado devido a pandemia do Covid-19. Assista o desfile:

 

Rebaixada ao Grupo C de 2000, grupo em que desfilaria até 2006, o Canários das Laranjeiras novamente contou com Dirceu da Mangueira na gravação de seu samba, dessa vez acompanhado de David do Pandeiro. “Canários das Louvação” fecha com grandeza uma boa década de sambas do Canários. Confira a gravação:

 

Sem registros fonográficos disponíveis até o momento para 2001 e 2002, o Canários das Laranjeiras apresentou em 2003 o enredo “A Criação da Luz nas Noites Carajás”:

 

Seguindo com a história da escola, nota-se um grande interesse por falar da Bahia, apresentado em 2004, 2006, 2010 (Reedição 1976) e 2018. Suspensa de desfile em 2009, após queda exponencial, os membros Canários decidem em 2013 que era a hora de voltar a desfilar como Bloco. Escute o samba-enredo de 2013:

 

Após o enredo de 35 anos em 1984, a Canários em 2019 fez um enredo sobre seus 70 anos, que você pode conferir abaixo:

 

No último Carnaval, em 2020, Madame Satã embalou o cortejo do Bloco.

 

Para 2022, cogitou-se uma associação como escola de samba na Liga LIVRES. Porém a informação que se tem é que o Canários vai desfilar como Bloco mesmo. Enfim… é triste este Bloco tão glorioso ter tão poucos registros históricos. Mas é inegável que ele foi o melhor Bloco de Enredo do Século XX. São 10 títulos dignos de respeito! Alguém da escola deveria regravar sambas antigos para preservar a história, se isso ainda for possível.

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Túlio Rabelo
Twitter: @EnredoTR
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