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Editorial Sambario
Edição nº 64 - 24/10/2016

EDITORIAIS ANTERIORES
 . 63ª Coluna: Versões Históricas de Concorrentes Campeões
 . 62ª Coluna: A Voz Feminina quer um Lugar do Samba
 . 61ª Coluna: Os Melhores Sambas-Enredo 1977
 . 60ª Coluna: Por um Maldito Paralelepípedo
 . 59ª Coluna: Raridades da Rádio Cidade

A FORÇA DA INTERNET NO SAMBA
- Na minha monografia para a conclusão do curso de Jornalismo na PUCRS (acessível aqui), debati o crescimento da Internet na divulgação do Carnaval e das escolas de samba do Rio de Janeiro, em que a grande rede já proporcionava uma aproximação, ainda que subjetiva e limitada, de quem nunca tinha acompanhado aquele universo. O TCC data de 2007. Logo, muitas novidades do nicho ainda estavam por vir em quase uma década. O Orkut era a principal rede social, não consistia numa página direcionada para reflexões e teses, defesas de pontos-de-vista e propagações de ideais, já que os "textões" de Facebook seriam mais comuns posteriormente. 
As discussões carnavalescas ocorriam com mais frequência nos fóruns dos principais sites segmentados, além de chats. Eventos como o Carnaval Virtual ganhavam mais adeptos (até rachas de ligas ocorreriam). Apesar do YouTube ainda não divulgar na ocasião centenas de apresentações de concorrentes nas quadras, além de videoclipes dos compositores sequer figurarem como projeto, a folia na rede já tinha força naquele 2007, mas não imaginávamos que a Internet poderia um dia desviar rumos da realidade sambista.

"Sambeiros" no poder seguem sendo utopia, apesar de alguns acontecimentos recentes? Simpatizantes de samba-enredo e das agremiações com pouco ou nenhum contato com as quadras, vivência alguma no dia-a-dia das escolas, estariam única e exclusivamente destinados a digitar meros palpites e reclamações de frente a um monitor. Seria essa a tendência natural. Quem poderia crer que qualquer destino poderia ser alterado por um internauta, diante da tela, sem tirar o traseiro da cadeira? A atual panela-de-pressão da política brasileira está aí para desafiar a referida tendência. E por que não tal interferência também no mundo do samba?



O primeiro clamor
- ainda que tímido - por um samba distinto dos padrões atuais que se viu depois do advento da banda larga foi com uma obra da Unidos da Tijuca que se tornou conhecida como 1+1+1+1+1, em fins de 2007, visando o Carnaval 2008. Como a parceria não possuía tanto status dentro da escola, a música acabou cortada no início das eliminatórias. No ano seguinte, o fenômeno se repetiu, mas no Salgueiro, e de forma avassaladora. A Academia vinha de obras contestadas, que apenas tentavam repetir sem sucesso a fórmula do Ita.



No entanto, para o enredo "Tambor", vários sambas de qualidade foram inscritos. Um deles caiu nas graças dos internautas de imediato: o popular Menina quem foi teu Mestre?. Rebuscadíssimo, de melodia lírica e sofisticada, e ainda gravado por uma das maiores vozes da história da Sapucaí (Rixxa), recebeu uma campanha maciça nos fóruns e nas incipientes redes sociais. De tanta torcida que o concorrente recebeu na Internet, a diretoria salgueirense se comoveu com o apoio virtual e ofereceu à obra uma então surpreendente classificação para a final. Naqueles tempos, um samba totalmente diferenciado e que revelasse inovações e ousadias estava fadado a cair na fita. Era um período em que o Grupo Especial penava com safras sofríveis, emblemas do auge da pasteurização. Tanto que o "Menina quem foi teu Mestre?", na apuração dos segmentos, foi o único samba daquela final que não conquistou um voto sequer. 2009 inclusive foi um ano repleto de escolhas equivocadas, que resultou naquela que é, pra mim, a pior safra do Grupo Especial de todos os tempos.



Vieram os preparativos para o Carnaval 2012. A Portela penava com os desfiles sem brilho da administração de Nilo Figueiredo. A Águia vinha de uma apresentação pela qual não fora julgada, considerada hors-concours pelo incêndio na Cidade do Samba que devastou o barracão um mês antes do Carnaval. Resignados, componentes ligados ao site Portela Web impuseram à então diretoria o também virtualmente aclamado samba "Madureira sobe o Pelô", obra que deu o pontapé inicial para a retomada portelense (acima, a versão concorrente na voz de Pixulé). A partir da vitória da música na disputa interna, a azul-e-branco se reergueu e a turma do Portela Web foi decisiva para que a nova corrente capitaneada pelo compositor Serginho Procópio e pelo saudoso Marcos Falcon assumisse a agremiação. Desde então, a azul-e-branco vem batendo na trave nas tentativas de quebrar o incômodo tabu, com apresentações impactantes, além de sempre gabaritar o quesito samba-enredo. Para 2016, houve um clamor pelo hino de Denise Reis para a Cubango. Mas a compositora, novata no mundo do samba, com uma letra que fugia da sinopse e que ainda concorria sozinha, caiu no primeiro corte.



A Beija-Flor de Nilópolis sempre foi reconhecida pelos desfiles luxuosos eternizados pelo gênio Joãosinho Trinta, mas possuía uma discografia de samba-enredo modesta até 1998, quando, a partir do samba "O Mundo Místico dos Caruanas", iniciou a linha melódica densa, extensa e pesada que embalou inúmeros campeonatos nos últimos anos. Entretanto, para o concurso visando 2017, o enredo sobre o romance "Iracema" inspirou uma obra de compositores estreantes na Deusa da Passarela que representou um novo desafio à hierarquia, à característica vitoriosa que rendeu oito títulos a partir de 98. Entre tantos belos concorrentes de uma ótima safra nilopolitana, todos honrando o estilo iniciado com os "Caruanas", despontou um samba alegre, nada convencional, de refrão principal de oito versos, mas com levada tão envolvente que não cansa em nenhum momento e é uma delícia de cantar e ouvir. Enquanto o do meio consiste numa repetição de um mesmo verso por quatro vezes, expediente raríssimo nos dias de hoje.

E assim o popular "Juremê", que cativou a grande maioria dos ouvintes em sua primeira audição, foi resistindo eliminatória por eliminatória, até chegar à final de forma surpreendente por minha parte (samba "diferentão", compositores novatos na escola), com as mais que estabilizadas e politizadas redes sociais enaltecendo o "Juremê" e clamando Laíla para que o elegesse. Como esperado, o lendário diretor de harmonia custou a torcer o nariz pela obra festejada tanto por quem apenas acompanha a rotina das escolas de longe como por quem sabe recitar o nome de baiana por baiana de sua agremiação. Mesmo não escondendo sua predileção por outro finalista, Laíla se rendeu à febre e "pegou no amerê".

Um amigo me bradou: a Internet tem força, sim! Será que chegamos a este extremo? Para quem hoje combina manifestações políticas e as mais diversas barricadas via Web, não vou duvidar de mais nada...

Enquanto esperamos pelos CDs oficiais do Carnaval, como já é tradição no SAMBARIO, vamos relembrar quatro concorrentes derrotados para 2017. No próximo Editorial, citaremos outras grandes obras que fizeram bonito, mas que não conseguiram o passaporte para a Sapucaí.



O TEMA MUSICAL DEU MAIS SAUDADE, LEONEL (Vila Isabel 2017 - Parceria de André Diniz)
- Na véspera do Natal de 2015, o compositor Leonel, de inúmeras vitórias na Vila Isabel, foi cruelmente assassinado a tiros na porta de casa. Não conseguiu ver a azul-e-branco desfilar com mais um samba de sua autoria no Carnaval seguinte. Diante do tema referente à música, os compositores, com muita inspiração, desenvolveram uma obra repleta de ousadia e inovação. Foi o primeiro samba-enredo em forma de acróstico, com as letras iniciais de cada verso formando a frase "O tema musical deu mais saudade Leonel", numa sensível e belíssima homenagem. Com relação ao ano anterior, Martinho, Arlindo Cruz e Mart'nália deixaram a parceria galáctica de André Diniz, que recebeu o retorno do velho colega Evandro Bocão. O clipe lançado conta com várias personalidades do Carnaval cantando o samba-enredo, inclusive Rosa Magalhães (!). No inicio da gravação, Diniz e Bocão relembram suas estreias no Carnaval a convite do compositor Adil, quando venceram no Arranco em 1992, com o alusivo relembrando aquele samba (Tem robô que tece renda/pra rendeira namorar...). Assim como na obra que exaltou o Pai Arraia para 2016, o concorrente não cativa na primeira audição: é necessário você ouvi-lo mais algumas vezes pra perceber suas riquezas e virtudes. O refrão principal é o único porém, não possui tanta força (por isso tirei um décimo na avaliação). Mas o restante apresenta uma melodia ímpar e tocante, exalando lirismo, sem deixar de lado a valentia. O clímax total é o refrão invertido. O expediente não é inédito, pois já fora utilizado pela parceria de Zé Glória e J. Giovanni na Mocidade para 2015 (também cantado por Tinga), que não se classificou para aquela final. Mas o efeito causado por Diniz e Bocão é arrebatador. O canto na gravação dá a impressão de estar atravessado, mas é tudo proposital. É como se a melodia estivesse representando passos de dança, o que fica mais claro quando Tinga canta o refrão no registro. As duas melodias inseridas em sequência no verso Milongueiro tango é pura sedução são coisas de gênio. Digo sem medo que o refrão invertido é um dos melhores trechos melódicos do século no gênero, mas infelizmente a Vila teve receio de colocá-lo na avenida por temer um provável canto embolado. A letra mantém o alto nível e os bem-humorados trocadilhos "nota jazz" e "se o pop está" conquistam de vez o ouvinte. André Diniz, o maior campeão da história da Vila Isabel, não perdia na agremiação desde 2001. E a invencibilidade foi perdida justamente com uma das melhores obras que compôs para a escola de Noel. Por apenas dois votos (a parceria campeã recebeu oito dos segmentos, contra seis de Diniz), a Sapucaí não verá aquele que seria um dos grandes hinos do novo milênio no Carnaval. O melhor samba-enredo do ano - na minha opinião - não integrará a bolacha digital. Nota do samba: 9,9. Letra do samba



QUEM MANDOU DUVIDAR? (Mangueira 2017 - Parceria de Tantinho)
- A única vitória do grande Tantinho na Mangueira ocorreu no distante 1977 (Panapanã, o Segredo do Amor). E por pouco o baluarte não quebrou o tabu de 40 anos, com mais um belo samba entre os tantos que o compositor vem abrilhantando as últimas disputas mangueirenses. Diferentemente do ano anterior, quando seu lindo samba-enredo para Maria Bethânia parou na semifinal, Tantinho (que no começo da faixa canta como alusivo "Sala de Recepção" de Cartola) chegou na finalíssima aliado a compositores como Felipe Filósofo (que vive grande fase criativa) e Deivid Domênico (vencedor em 2015). Em comparação com seu hino para 2016, os refrões ganharam mais força e valentia, o que não significa que tenha perdido seu estilo nostálgico característico, que remete a desfiles mais antigos em muitos momentos. O refrão principal talvez seja um misto de saudosismo com contemporaneidade. Como é comum nos hinos de Tantinho, ele não é a parte mais chamativa, e sim o complemento final da melodia, apenas um gancho para a cabeça. Mas acrescentando um elemento atual, que deu muito certo no desfile campeão de 2016: a repetição do último verso. O efeito em Só quem pode com mandinga que carrega patuá, no entanto, não é tão arrebatador quanto o Não mexe comigo, eu sou a menina de Oyá. Tanto que o melhor refrão do concorrente é o do refrão falso do meio (que está começando a virar febre nas composições), que mexeria com os brios de todos os mangueirenses caso fosse pra Sapucaí. O Quem mandou duvidar? Quem mandou duvidar? reflete bem o espírito de quem não acreditava no triunfo da verde-e-rosa, com a sequência totalmente inserida no contexto do enredo: O santo é forte, ninguém vai me derrubar. As demais partes também aparecem muito bem, com destaque para os últimos versos da segunda, que fazem ótima preparação para o refrão: Mandei fazer um capacete de pena/a vela acesa ilumina o gongá/Seu sete flechas e a cabocla Jurema/vão correr gira, saravá meu orixá. Melodicamente, era o melhor samba da disputa mangueirense, mas ainda com um quê de nostalgia, não tão preparado para enfrentar um desfile nos dias de hoje. Tanto que, na gravação, a primeira passada entoada por Tantinho e Joyce Cândido está um tanto "pra trás". Quando Igor Sorriso sobe o tom nas duas seguintes, parece outro samba. A impressão que dá é que Tantinho, aos poucos, tenta se habituar ao estilo mais atual do samba-enredo, mas sem deixar totalmente de lado o lirismo que é a sua marca. Seu bicampeonato particular virá mais cedo ou mais tarde, já vem merecendo faz tempos. Nota do samba: 9,7. Letra do samba


FLECHADA DE AMOR NÃO DÓI (Beija-Flor 2017 - Parceria de Ailson Picanço) - Ailson é um paraense apaixonado pela Beija-Flor, com seu talento como compositor abrilhantando a discografia do Carnaval Virtual da LIESV. E assim como outros sambistas que começaram na folia virtual e hoje emplacam sambas por todo o Brasil (Thiago Meiners, Willian Tadeu, Imperial, Júnior Santana, Leandro Kfé, Thiago Morganti, entre outros), Ailson resolveu concorrer pela primeira vez no Carnaval "real" na sua escola de coração, reunindo na parceria outros integrantes de ligas das escolas do computador (entre eles, o colunista do SAMBARIO Victor Raphael). E os jovens compositores construíram um samba com toda a essência nilopolitana: denso, pesado e com poesia rebuscada. A linha melódica se mantém coesa, chegando ao ápice no ótimo refrão central e a grande sacada Flechada de amor não dói. No entanto, a parceria apostou num falso refrão principal, na contramão da tendência da moda, que é o falso no do meio. Mas a melodia do trecho, por mais que conste versos como Alma e sangue de guerreiro, demonstra mais requinte do que a valentia comum nos sambas da Beija-Flor e seria melhor adequada como um fechamento de segunda parte, servindo de gancho para um refrão principal. A obra - gravada por Edu Chagas (Mocidade Unida do Santa Marta), Thatiane Carvalho (apoio da Estácio) e Millena Wainer (Estrelinha da Mocidade) - ficou entre as 12 melhores do concurso da Soberana, que contou com uma bela safra de concorrentes (a melhor da temporada), mas merecia ter ido mais adiante nas eliminatórias. Se alcançasse uma final, poderia muito bem dar trabalho para o "Juremê". Um ótimo début de Ailson Picanço e parceiros. Nota do samba: 9,6. Letra do samba


HOJE MEU CANTO LEVANTOU POEIRA (Grande Rio 2017 - Parceria de Márcio das Camisas)
- Embalado pela vitória no concurso de 2016, a parceria de Márcio das Camisas, para exaltar Ivete Sangalo, compôs uma obra superior ao samba sobre Santos. A excelente produção do registro dos compositores, repleta de teclados, guitarras e instrumentos de percussão, insere força à obra, que chegou à final da Tricolor de Duque de Caxias. O concorrente exibe mais valentia que o samba-enredo vencedor, que é mais dolente. Em comum com o samba que desfilou na Sapucaí em 2016 está a força concentrada do refrão do meio, além de contar com um ótimo complemento que serve de transição para a segunda parte: Cantei fricote quando a nega me chamou, para mim o melhor momento da obra. O refrão principal poderia ocasionar críticas pela repetição do poeira levantou poeira levantou..., mas esta causa um ótimo efeito, que poderia dar certo na Sapucaí. A cabeça do samba também é muito forte (bate forte o tambor/xequerê e agogô/hoje tem festa...). Na final, a apresentação do hino chamou mais atenção pela queda de Quinho do palco, sob o olhar da própria Ivete. Felizmente nada aconteceu com o querido intérprete. Nota do samba: 9,4. Letra do samba

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