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QUINHO, PUXADOR SIM!

Edição nº 104 - 06/01/2024

QUINHO, PUXADOR SIM!



Quinho morreu aos 66 anos no dia 3 de janeiro

Melquisedeque Martins Marques podia ser considerado um extremo oposto de José Bispo Clementino dos Santos. Para Quinho, não havia nenhum mal em ser considerado um puxador, ao contrário do que o velho Jamelão pregava.

Afinal, a eterna voz do Salgueiro não apenas conduzia o samba. Mais do que isso: foi um animador do público. Com carisma, irreverência, trejeitos e cacos inesquecíveis, Quinho era constantemente imitado e suas frases estavam na boca do povo. Volta e meia me pego repetindo um "ai que lindo, que lindo" quando aprecio alguma coisa.

O puxador eternizou obras que pareciam feitas especialmente para sua voz, casando com seu estilo. A primeira das catarses foi pela União da Ilha, onde despontou e também tinha bastante identificação.



Na "Festa Profana" insulana, fez os espectadores na Sapucaí tomarem um porre de felicidade no grande ano carnavalesco de 1989. "Vem na magia", chamava Quinho, pausando as sílabas. Um desfile em que, talvez se ocorresse numa outra temporada sem "Liberdade Liberdade" ou "Ratos e Urubus", poderia muito bem ter sido campeão. 

Melquisedeque foi apadrinhado pelo gigantesco Aroldo Melodia. Na época da Nova República, na metade dos anos 80, Quinho cantava pela primeira vez como intérprete oficial na Sapucaí, ao mesmo tempo em que o homem que "segurava a marimba" deixava de lado sua fase lírica inicial para se tornar um artista irreverente na avenida.

O aprendiz abraçaria o estilo, aproveitando a experiência de feirante, em que chamava os potenciais clientes, assim como venderia sua alegria para  o povo do Setor 1 e das demais arquibancadas.

Na segunda metade dos anos 80, foi costume Quinho e Aroldo Melodia se revezarem no microfone da União da Ilha. Até o puxador atravessar o mar rumo ao seu novo amor, que teria em seu coração até o fim da vida e por toda a eternidade.



Quinho se tornou sinônimo de Acadêmicos do Salgueiro. Seu nome passou a ser o primeiro lembrado quando a Academia do Samba é citada. Até a vermelho e branco, anteriormente caracterizada por sambas historicamente densos e dolentes, se rendeu ao estilo pra cima de Melquisedeque.

Quando recebeu o samba-enredo "Peguei um Ita no Norte", de escolha contestada na quadra, matou no peito e deu conta do recado. O resto é história. A obra que explodiu os corações na maior felicidade transcendeu a avenida e se tornou uma das músicas mais executadas de todos os tempos no país.

Posteriormente, o Salgueiro teria sua rica discografia prejudicada na eterna busca por um novo Ita, felizmente abandonada definitivamente na década passada. Mas Quinho já tinha gravado seu nome como um dos maiores da história da septuagenária agremiação. E um dos ícones dos 40 anos do Sambódromo.



Mas Quinho ainda tinha mais uma carta na manga para deixar outra marca indelével aos aficionados por Carnaval. E por sugestão de seus dois filhos.

Ignorando a recomendação da Igreja Católica e até do lendário Mestre Louro, o puxador esquentou antes do desfile de 1999 com um dos hits do momento. E a arquibancada foi ao delírio entoando a plenos pulmões a canção do padre Marcelo Rossi: "Erguei as mãos e dai glória a Deus, erguei as mãos, Salgueiro vem aí".



Uma pequena, mas nova catarse. E demonstrando a irreverência, como era de costume, Quinho deu seu famoso grito de guerra na sequência, com direito a um "vai pegar fogo no gongá". Ou seja, se Joãosinho Trinta se submeteu a contragosto às vontades da Igreja dez anos antes, o cantor não estava nem aí.

Já debilitado devido a um câncer na próstata, Quinho marcou presença pela última vez no amado lugar em que se consagrou. No Carnaval 2023, deu o imortal grito de guerra com que fez história no Salgueiro por três décadas e passou o microfone para seu sucessor Emerson Dias. Minutos antes de saber da triste notícia, coincidentemente escutei a famosa gravação do Ita no CD oficial.



Melquisedeque Marins Marques sai de cena recebendo todas as homenagens que merece. Sua despedida rendeu uma matéria de cinco minutos que encerrou a edição do Jornal Nacional com o luto característico na subida dos créditos. Até o Jornal da Record, emissora de conhecida aversão religiosa às escolas de samba, prestou seu tributo.

Como foi bom o Brasil voltar a ter um Ministério da Cultura. O perfil oficial da pasta também deixou suas reverências a quem tanto ajudou a solidificá-la.

Depois de contagiar e sacudir a cidade, Quinho agora "futuca" no céu. Ao reencontrar velhos amigos de ofício no firmamento como Jamelão, o salgueirense deve ter se desculpado com o representante da verde-e-rosa, escola madrinha.

"Me desculpa, Mestre! Mas eu fui puxador sim".

Arrepiou, Quinho! Pimba, pimba!



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Marco Maciel
Twitter:
@marcoandrews