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Coluna da Denise

CHICLETE E CABOCHARD

28 de setembro de 2008, nº 14, ano I

Carnaval
Doce ilusão
Dê-me um pouco de magia
De perfume e fantasia
E também de sedução

A noite se esvazia e eu conto mais um dia, lá se vai outra semana do mês. E setembro está acabando e no próximo mês começa a se delinear a trilha sonora para o carnaval de 2009. E mais uma vez nos fica a sensação de que aquela magia do samba-enredo se perdeu com o passar dos anos.

Será mesmo que no passado os sambas eram melhores? Em caso afirmativo, qual teria sido o fator preponderante para o samba-enredo ter se tornado descartável desde a década passada? 

A trilha sonora com os sambas-enredo das escolas cariocas sempre foi um sucesso de vendas. No reveillon, era presença garantida. Animavam festas das mais variadas possíveis. A execução nas rádios era ótima, as escolas participavam dos programas musicais da TV, ou seja, sucesso garantido. Até o final da década de 80, o samba-enredo estava em alta.

Por que, a partir dos anos 90, o samba-enredo decaiu? Saturação? Teria sido os enredos, que perderam a espontaneidade, e passaram a ser patrocinados? Seria culpa da sinopse em que os carnavalescos e equipe de criação resolveram dar uma de poeta e influenciar o universo criativo dos compositores, deixando uma margem delimitada para a criação? Seria um desgaste natural do gênero? Seria o malfadado escritório?

São tantas questões sem respostas. O certo é que já algum tempo nenhum samba-enredo ganha notoriedade extra-desfile, quiçá, no próprio desfile, já que muitos passam despercebidos e não despertam maiores atenções.

Alguns especialistas colocam a culpa na cronometragem, que fez com que os sambas ficassem mais rápidos, perdendo a melodia. Mas isso não é de todo correto. Quantos sambas, que na sua essência não são sambas propriamente ditos, mas que pegaram como chiclete e fazem parte da trilha sonora do carnaval carioca de todos os tempos? Na década de 80, tivemos várias sambas acelerados, em estilo de marcha, que contagiaram a avenida e viraram hit do carnaval e até hoje são lembrados.

Teria algo a ver com a massificação da música baiana? Afinal, durante um tempo, o axé povoou esse País de canto a canto. Também não creio. Num país diversificado como o nosso, há espaço para qualquer estilo de música.

Seria o afastamento dos grandes compositores? Seria o fato de que quem ganha samba tem de gastar muito dindim e daí se fazem parcerias das mais variadas possíveis para o samba ter chance de chegar às finais, ser do agrado dos dirigentes poderosos das escolas? Com a palavra os compositores.

Não tenho resposta para nenhuma dessas perguntas. Eu que acompanho carnaval há algum tempo e nem vivenciei a fase clássica do samba-enredo e sim a fase mais comercial, não consigo entender o porquê do gênero ter entrado em crise. Com certeza todos os fatores aqui citados devem ter influenciado nesse declínio.

Não é a toa que na atual década, as próprias Ligas têm permitido que algumas escolas reeditem sambas. Uma medida que em nada acrescentou no carnaval. Apenas “perfumaria”, quando na realidade o “buraco é bem mais embaixo”. Ao revés, em vez de alavancar o CD ou o gênero, clássicos do passado em sua versão revisitada não tiveram o sucesso de outrora, tendo alguns decepcionado bastante na avenida.

Já está passando da hora de os dirigentes do carnaval repensarem o desfile em todas as suas nuances. E o samba-enredo é uma delas. Afinal, ele é o cartão de visitas da escola. Ele é o hino, compõe a trilha sonora dos desfiles.

Hoje o carnaval que passou não é lembrado pelo samba. Isso porque o fator estético ganhou proporções alarmantes e sufocou os quesitos harmonia e evolução das escolas. É preciso rever esses conceitos.

Nem precisamos ir tão longe para verificarmos que o sucesso de um samba não estava intimamente ligado com um bom desfile. O samba “Os sertões” da Em Cima da Hora, talvez um dos melhores já produzidos no carnaval, até hoje é lembrado e o desfile (dizem) foi pífio. Mas o samba é valente e se tornou tão importante, com versos belos e áridos, que até hoje povoam a mente de todos os sambistas.

Esse samba é de 1976. Estava eu semana passada no metrô quando vejo um jovem (bem jovem, talvez dezessete anos) com fone no ouvido, cantarolando “Os sertões” em pleno mês de setembro, 32 anos depois de seu lançamento.

Aquilo me deixou comovida. Como um samba-enredo, de uma escola considerada pela mídia como pequena, pode ter tanta força, ter atravessado os tempos e as gerações e continuar tão maravilhoso e encantador?

Sem contar os inúmeros sambas que pregaram feito chiclete e até hoje seus refrões são entoados e lembrados quando se fala em samba-enredo: “pega no ganzé, pega no ganzá”, “Lá lá lá uê, Fala, Martin Cererê”,  “Pizidim ! Pizidim ! Pizidim! Era assim que a vovó Pixinguinha chamava”, “oba ba oba oba baba”,  “como será o amanhã responda quem puder”, “nesse palco iluminado, só dá Lalá”, “E lá vou eu, pela imensidão do mar”, “bumbum paticundum prugurundum”, “é hoje o dia da alegria”, “tem bumbum de fora pra chuchu”, “tem xinxim e acarajé”, “que tititi é esse que vem da Sapucaí?”,  “Ô joga água que é de cheiro, Confete, serpentina, Lança perfume no cangote da menina”, “Explode coração, na maior felicidade” e tantos outros.

Será difícil redescobrir a receita? Desde os clássicos “Aquarela Brasileira”, “Os cinco Bailes da História do Rio”, até os mais modernos e tão maravilhosos quanto: “Liberdade, Liberdade”, “Cem anos de Liberdade: Realidade ou Ilusão” e “Os donos da Terra” ?

A década está acabando e, infelizmente, as escolas não fizeram sua lição de casa em termos de samba-enredo. Quando se fala no gênero, o representante mais recente que está na consciência coletiva das pessoas é o samba do Salgueiro de 1993, que completou 15 anos.

Para a próxima década, os novos compositores têm uma missão importantíssima. Recolocar o samba-enredo novamente no lugar do qual nunca deveria ter saído, com magia e sedução e pegando igual a chiclete.

Isso virou tutti-fruti
Tutti-multinacional
Virou goma de mascar
Roda prá lá e prá cá
Na boca do pessoal


denisefatima@gmail.com