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REEDITAR OU NÃO? SEGUE A QUESTÃO...

REEDITAR OU NÃO? SEGUE A QUESTÃO...


7 de agosto de 2023, nº 66


Abre-alas do Império Serrano, que reeditou "Aquarela Brasileira" em 2004 - Foto: Widger Frota


Há cerca de 20 anos atrás, iniciamos nossa trajetória no Sambario com uma coluna que falava sobre o futuro do expediente de reedição de sambas-enredo. Naquele longinquo 2004, pela primeira vez, sambas que já haviam desfilado voltaram para a avenida.


A ideia surgiu um ano antes, quando o então presidente da LIESA, Airton Guimarães Jorge, propôs que o desfile que marcaria os 20 anos da entidade trouxesse sambas-enredo históricos que não haviam passado pelo Sambódromo, que também completaria duas décadas de existência.

Guimarães queria que todas as escolas desfilassem com sambas históricos. Chegou até a citar "Os Sertões" da Em Cima da Hora, como samba que poderia ser reeditado por escolas mais jovens, como Grande Rio e Porto da Pedra, por exemplo. A negativa de Laíla, diretor de carnaval da Beija-Flor, que já havia assinado contrato com a prefeitura de Manaus, tornou o expediente da reedição facultativo.

Diante disso, quatro escolas se propuseram a reeditar. A Portela foi a primeira a anunciar que desfilaria com um samba de sua vasta galeria. A obra escolhida foi "Lendas e Mistérios da Amazônia", que havia dado a escola o título de 1970. Logo depois, o Império Serrano seguiu o exemplo e decidiu resgatar "Aquarela Brasileira". O anúncio, por si só, causou rebuliço no mundo do samba. Tratava-se de um dos maiores, se não o maior samba-enredo de todos os tempos, com o qual a escola havia desfilado quarenta anos antes. Disposta a não ficar atrás das vizinhas, a Tradição, decidiu desfilar com "Contos de Areia", samba com o qual a Portela havia obtido seu último campeonato. Justamente no ano em que houve a dissidencia que resultou na fundação da escola do Campinho. Embora àquela altura o clima entre as escolas não fosse mais tão ruim como nas décadas de 1980 e 1990, muita gente na Portela não engoliu a história.

Mas polêmica mesmo foi a reedição da Viradouro. A vermelha e branca de Niterói anunciou o enredo inédito "Pedi pra parar, parou. Com a Viradouro eu vou pro Círio de Nazaré", e chegou a iniciar disputa de samba-enredo na quadra. O presidente José Carlos Monassa Bessil, no entanto, decidiu interromper o concurso e reeditar o samba-enredo "A Festa do Círio de Nazaré", da Unidos de São Carlos, hoje Estácio de Sá. Reza a lenda que Dominguinhos do Estácio, então intérprete da Viradouro, teria inicialmente se negado a cantar o samba da escola onde começou. Além dele, a Viradouro dispunha de diversos quadros oriundos da Estácio, como Mestre Ciça e Gustavo Clarão. Para piorar, o apogeu de uma escola coincidia com a decadência da outra (Viradouro e Estácio foram, respectivamente, campeã e rebaixada em 1997). Teve muito estaciano dizendo que Dominguinhos e Ciça se tornariam persona non grata na escola se bancassem a ideia do velho Monassa. Mas a raiva foi passageira, mesmo com o rebaixamento do leão do Morro de São Carlos pro Grupo B naquele ano.

A Viradouro acabou ficando em quarto lugar. Foi a única escola dentre as quatro que reeditaram a voltar no sábado das campeãs. A Portela, ainda que injustamente, ficou em sétimo lugar. O Império Serrano, que viveu um pré-carnaval caótico, marcado por brigas políticas, ficou com a nona colocação. Foi o grande vencedor do Estandarte de Ouro, do qual abocanhou os prêmios de melhor escola, ala de baianas,bateria, intérprete e samba enredo. Os três últimos quesitos premiados mostravam que, apesar de pobre, o desfile se saiu muito bem na parte musical. Por fim, a Tradição, que ja vinha mal das pernas, conseguiu se manter no grupo.

O título da Beija-Flor, primeira escola a bancar que desfilaria com samba inédito, parecia anunciar que a ideia de reedição era natimorta. Ledo engano. O expediente não apenas se manteve no ano seguinte, com a Porto da Pedra, como se expandiu para outros grupos. A escola de São Gonçalo desfilou com o samba-enredo "Festa Profana" da madrinha União da Ilha, e conseguiu um sétimo lugar. Posição honrosa para quem vinha lutando pra não cair. No Grupo B, a Estácio de Sá, ainda mordida, reeditou "Arte Negra na Legendária Bahia" e subiu para o Grupo A junto com o Arranco do Engenho de Dentro, que reeditou seu samba de 1989.

Embora nenhuma escola do Grupo Especial tenha reeditado samba em 2006, a Estácio sagrou-se campeã no Grupo A com outra reedição. Depois de subir cantando "Quem é você", de 1984, com Dominguinhos "emprestado" pela Viradouro, a escola anunciou que desfilaria no Grupo Especial no ano seguinte com "O ti-ti-ti do Sapoti", de 1987. Ainda em 2006, a Império da Tijuca sagrou-se campeã do Grupo B reeditando seu samba de 20 anos antes.

Após novo rebaixamento da Estácio em 2007, o Grupo Especial  veria, dois anos depois outra escola cair com samba reeditado. O Império Serrano tentou repaginar seu samba de 1976, que já havia sido reeditado pela Inocentes de Belford Roxo. Não foi bem.  Em 2010, a Vila Isabel desfilou com uma versão modificada de "Presença de Noel", samba de "meio de ano" de Martinho da Vila. Além de não dar certo, o expediente serviu de inspiração para dois desastres: Viradouro 2015, junção de dois sambas de Luiz Carlos da Vila, e Imperio Serrano 2018, uma bizarra tentativa de levar a música "O que é, o que é?", de Gonzaguinha, para a avenida.

A melhora da qualidade dos sambas enredo no início da década de 2010, sobretudo a partir dos sambas da Portela em 2012 e da Vila Isabel no ano seguinte, esvaziou a demanda por sambas nostálgicos. A reedição acabou se consolidando nos grupos de base, onde se mostrou quase sempre apelativa. Ela voltaria a "dar as caras" no desfile principal em 2019, com a São Clemente. A escola de Botafogo reeditou seu samba de 1990 e se manteve longe do fantasma do rebaixamento que teimava em acompanhá-la. Quem acabou caindo naquele ano foi a Imperatriz, que em 2020 reeditou o samba que a consagrou campeã em 1981 e voltou ao Grupo Especial.

Chegamos enfim a 2024, quando a Vila Isabel irá reeditar "Gbalá, viagem ao templo da criação", samba de Martinho da Vila, com o qual  desfilou em 1993. O enredo, dessa vez, será desenvolvido por Paulo Barros, que mostrou no último carnaval sua capacidade de se reinventar. A expectativa é grande pois, pela primeira vez depois de muito tempo, um samba reeditado desponta numa candidata ao título do Grupo Especial. Pode ser a consagração definitiva de um expediente que parecia condenado ao fracasso, mas que, 20 anos depois, mostra que está mais vivo do que nunca.

Ouça a coluna em forma de podcast:



Cláudio Carvalho
claudioarnoldi@hotmail.com