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E ASSIM SE PASSARAM VINTE ANOS... (PARTE 2)

E ASSIM SE PASSARAM 20 ANOS... (PARTE 2)


13 de março de 2023, nº 65

Nesse segundo texto da Série sobre os 20 anos do carnaval 2003, falaremos sobre as 14 escolas que desfilaram no Grupo Especial daquele ano e, segundo a linha do tempo, tracaremos um paralelo com o momento atual de cada uma delas, como fizemos na coluna anterior, sobre as escolas do antigo Grupo A, atual Série Ouro.

Há vinte anos atrás, havia a sensação de que existiam dois desfiles dentro do Grupo Especial. O primeiro, das escolas que brigavam pelo título e por vaga no desfile das campeãs, formado por Mangueira, Beija-Flor, Imperatriz, Mocidade, Viradouro, Salgueiro e Grande Rio. O segundo, das escolas que desfilavam para cumprir tabela ou brigavam contra o rebaixamento, formado por Portela, Império Serrano, Unidos da Tijuca, Caprichosos de Pilares, Tradição, e a escola que subia do grupo de acesso no ano anterior. O resultado do carnaval de 2002, nessa ordem de escolas citadas, apenas escancarou isso.

Naquele ano,  a Acadêmicos de Santa Cruz, campeã do Grupo A, precisou enfrentar uma batalha judicial contra a Vila Isabel para definir quem subiria. A celeuma se deu por conta de uma suspeita de fraude, levantada pela diretoria da Vila, que alegava que uma jurada havia trocado as notas das escolas, o que daria à escola da Zona Oeste a vitória por um décimo de diferença. A apuração do acesso seguiu os moldes do Especial e se deu, pela primeira vez, com notas fracionadas em décimos. Uma liminar chegou a dar a vitória a Vila Isabel, mas, como se diz no meio jurídico, liminares existem para serem revogadas, e a Santa Cruz acabou mantendo seu título.

No desfile de 2003, a Santa Cruz trouxe um enredo sobre o teatro, mas não conseguiu se manter no Grupo Especial. A escola brigaria para retornar em outras ocasiões, como em 2004 (vice-campeã), 2007 e 2008 (3⁰ lugar). Boatos circularam dando conta de que ela seria a escola eleita pela LESGA para subir em 2013. Coincidência ou não, com a dissolução da entidade e a implementação de dois dias de desfiles, a verde e branca perdeu sua força e passou a fazer figuração no grupo, embora seu rebaixamento para a Intendente Magalhães, em 2022, tenha se dado muito mais por questões políticas do que propriamente pelo seu desfile, segundo a crítica especializada do carnaval. Em 2023, a escola encerrou os desfiles da Série Prata, na passarela do Campinho, mas ficou apenas em quinto lugar.

Renata Santos, então rainha de bateria da Santa Cruz

Segunda escola a desfilar, o Salgueiro comemorou seu cinquentenário com um enredo desenvolvido por Renato Lage, que retornava à sua escola de coração, onde já havia trabalhado como assistente de Fernando Pamplona, e assinado o carnaval de 1987. Renato, que trazia na bagagem três títulos pela Mocidade (1990, 91 e 96), optou por um enredo sobre os então oito títulos da vermelha e branca tijucana. O desfile, no entanto, foi cercado por problemas com alegorias e na evolução, que fizeram com que a escola, favorita ao título, sequer retornasse ao desfile das campeãs. Acabou num modesto sétimo lugar.

Problemas como os de 2003 seriam comuns nos desfiles do Salgueiro nas duas décadas seguintes, sendo o ano de 2011, provavelmente, o mais complicado nesse sentido. Nesses últimos 20 anos, a escola se sagrou-se campeã uma única  vez, em 2009, e perdeu para si mesma em vários outros carnavais. Esse ano, novos problemas com alegorias, buracos e correria fizeram com que a escola repetisse a colocação de 2003, ficando de fora do sábado das campeãs pela primeira vez desde 2007.

Apesar de vários desfiles luxuosos, Renato Lage só conseguiu um título pelo Salgueiro

O Salgueiro foi seguido pela Acadêmicos do Grande Rio, naquele que pode ser considerado o último grande desfile, o canto do cisne de Joãosinho Trinta. Apesar do enredo panfletário sobre a Vale do Rio Doce (que anos depois seria lembrada pelas tragédias decorrentes das rupturas de suas barragens em Mariana e Brumadinho), a escola de Caxias fez uma apresentação memorável e terminou na terceira colocação. Esse desfile pode ser considerado um divisor de águas na história da escola, que, a partir dali, passaria a beliscar títulos, como em 2006, 07 e 10, quando foi vice campeã. Após um rebaixamento seguido de virada de mesa em 2018, a Grande Rio voltou a mostrar sua força com os carnavalescos Leonardo Bora e Gabriel Haddad, sagrando-se novamente vice em 2020 e, finalmente, campeã no primeiro carnaval pós-pandemia, em 2022, com o samba, enredo e desfile históricos sobre Exu. Em 2023, defendendo o título, a escola homenageou Zeca Pagodinho e abriu o desfile das campeãs, após terminar a apuração no sexto lugar.

Campeão de 1974 a 1978, e em 1980, 83 e 1997, Joãosinho Trinta faria seu derradeiro grande desfile em 2003

A Unidos do Viradouro, que vivia sua primeira grande fase, foi a quarta escola a desfilar naquele domingo. Com o enredo sobre Bibi Ferreira, e o belo samba de Gustavo Clarão e parceria, cantado por Dominguinhos e embalado pela bateria de Mestre Ciça, a vermelho e branca de Niterói terminou como quinta colocada.  Após o falecimento de seu patrono José Carlos Monassa Bessil, a escola viveu tempos dificeis, que culminaram no rebaixamento em 2010. Apesar de ter voltado ao desfile principal em 2015, a Viradouro esteve a ponto de enrolar bandeira em 2017, quando a família Kalil assumiu sua direção. Já em 2019, a nova diretoria trouxe de volta Paulo Barros, que havia passado pela escola em 2007, e conquistou o vice-campeonato do Grupo Especial. Em 2020, com Tarcísio Zanon e Marcus Ferreira, a escola chegou a seu segundo título, num enredo sobre as lavadeiras de Itapuã, e desde então, tem se mantido nas primeiras posições. Foi terceira colocada em 2022 e novamente vice-campeã em 2023.


Bibi Ferreira homenageada pela Viradouro

Quinta escola a desfilar, o Império Serrano, que havia retornado ao Grupo Especial em 2001, fez seu pior desfile desde então. Com o enredo "Onde houver trevas, que se faça a luz" e samba de Arlindo Cruz, homenageado esse ano, a escola da Serrinha pretendia deixar para trás os tempos obscuros de rebaixamentos, mas sua apresentação ficou marcada, principalmente, pelo mau gosto da ala com integrantes usando tanga e máscara de gorila. No ano seguinte, a escola protagonizou uma guerra entre a presidente Neide Coimbra e a oposição em busca do poder. Tudo isso teve reflexo no pré-carnaval da reedição de Aquarela Brasileira. Apontado como favorito ao rebaixamento, o Império abocanhou cinco Estandartes de Ouro (melhor escola, samba-enredo, intérprete, bateria e ala de baianas).

O nono lugar acabou pacificando a escola e elegendo o candidato da situação, Humberto Carneiro, em 2005. Com diretoria nova, a verde e branca fez, no ano seguinte, aquele que pode ser considerado seu melhor desfile no século XXI: O Império do Divino. Como diz Rachel Valenca, autora do livro "Serra, Serrinha, Serrano", quando o Império acerta, é oitavo lugar. Quando erra, é rebaixado. Num desfile confuso, cujo enredo era "Ser diferente é normal", a escola experimentou, em 2007, o primeiro de seus cinco rebaixamentos no século (houve virada de mesa em 2018, como já mencionamos). Campeão do grupo de acesso em 2008, 2017 (ano de seu septuagésimo aniversário) e 2022, o Império acertou, mas caiu de novo em 2023, contrariando a sua própria historiadora.

Neide Coimbra, a Cigana Guerreira, faleceu em 2008

A Caprichosos de Pilares, que desfilou depois do Império em 2003, teve, dentre 1998 e 2006, sua segunda maior sequência no Grupo Especial (a primeira foi entre 1983 e 1996). Depois disso, porém, a escola nunca mais voltou ao desfile principal. A partir de 2016, brigas políticas e sucessivos rebaixamentos fizeram com que a azul e branca estivesse a ponto de pendurar as baquetas. Em 2018 e 2019, ela não desfilou. Campeã da quarta divisão em 2020, quando reeditou seu samba-enredo de 1979, a Caprichosos, uma das dez fundadoras da LIESA, desfilou dentre as 32 escolas da Série Prata na Intendente Magalhães em 2023. Aquele carnaval de 2003 seria o penúltimo do promissor intéprete Jackson Martins, assassinado um ano depois.

Jackson deixou saudades em Pilares e no mundo do samba

Última escola a desfilar, já na manhã de segunda-feira, a Portela merecia um capítulo à parte nessa série. Oitava colocada naquele ano, assim como em 2002, a Majestade do Samba vinha fazendo, desde o inicio do século, desfiles para se manter no grupo ou não cair. Apesar da grande apresentação de 2004, quando reeditou o samba-enredo Lendas e Mistérios da Amazônia, a escola ficou em sétimo lugar, e viu seu presidente Carlinhos Maracanã, até então apontado como principal responsável pelos fracassos recentes, deixar a escola após vinte anos.

A gestão Nilo Figueiredo, marcada por atrasos na definição de enredos e na confecção de alegorias, protagonizou o maior vexame da história da Portela já no seu primeiro desfile, quando os dois maiores símbolos da agremiação, a águia e a velha-guarda, sofreram os maiores reveses de suas histórias. A primeira desfilou sem asas no abre-alas, e a segunda foi barrada pelo próprio Nilo, que mandou fechar o portão da concentração para a escola, que estava gigante, não estourar o tempo.

Em 2013, a gestão Portela Verdade assumiu a escola, tendo na figura de Marcos Falcon, assassinado três anos depois, seu homem forte. Falcon não viveu para ver sua escola quebrar o jejum de 34 anos sem título em 2017, num carnaval que ele deixou praticamente pronto. O título acabou sendo dividido com a Mocidade Independente, após polêmica decisão da plenária da Liga, em decorrência de uma justificativa supostamente improcedente do jurado de enredo Wlamir Aleixo, que deu 9.9 para a escola de Padre Miguel e 10 para a azul e branca. Entre 2018 e 2022, a Portela ficou em quarto lugar duas vezes seguidas, sétimo e quinto lugar (em 2021 não houve carnaval devido à pandemia). No ano de seu centenário, a escola viveu um pré-carnaval conturbado, que redundou num desfile problemático e numa décima posição. O samba da incerteza, que deu o tom nos anos 2000, voltou a tocar em Oswaldo Cruz e Madureira.

Carlos Teixeira Martins, o Carlinhos Maracanã, faleceu pouco antes do carnaval de 2020

Na próxima coluna, encerramos a série com as escolas que desfilaram na segunda-feira de carnaval daquele ano: Tradição, Mangueira, Beija-Flor, Unidos da Tijuca, Porto da Pedra, Mocidade e Imperatriz. Valeu!

Cláudio Carvalho
claudioarnoldi@hotmail.com