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RETROSPECTIVA DO CARNAVAL 2023 – PASSADO, PRESENTE, SAUDADE
  
      
12 de janeiro de 2024, nº 81       

RETROSPECTIVA DO CARNAVAL 2023 – PASSADO, PRESENTE, SAUDADE

Eu sei, já estamos no décimo segundo dia de 2024. O ano mal está começando. Aliás, um ano muito importante pro carnaval. Comemoraremos 40 anos da inauguração do Sambódromo, os também 40 anos de fundação da LIESA, os 25 anos de atuação das mídias independentes de carnaval e os 20 anos deste SAMBARIO, um dos veículos mais antigos em atividade. Mas, sempre é tempo de passar a limpo o ano que acabou de acabar. Relembrar o que de mais importante aconteceu. Os campeonatos, as mudanças, coisas boas, outras nem tanto... Enfim, (a) hora (é essa) de relembrar em detalhes o 2023 carnavalesco.

 

Imperatriz veio contar pra vocês...

  

Foto: Carlos Fonseca/SAMBARIO

Uma história que assombrava e tirou sono mais de mês. No caso, tirou o sono por 22 anos. Ao entrar na avenida contando as histórias cordelistas sobre a chegada de Lampião ao céu e ao inferno no enredo “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”, a Imperatriz Leopoldinense tinha a certeza que brigaria pela vitória. Mas o destino lhe foi mais generoso: a verde, branco e dourado venceu a queda de braço com Viradouro (e um desfile emocionante sobre Rosa Maria Egipcíaca) e Vila Isabel (e uma deliciosa apresentação sobre as festas) e levou para Ramos e o Complexo do Alemão seu nono campeonato, tirando da garganta o grito de vitória e dando ao carnavalesco Leandro Vieira seu terceiro troféu no Grupo Especial. A Imperatriz obteve 269.8 pontos, contra 269.7 da Viradouro e 269.3 de Vila Isabel – Beija-Flor, Mangueira e Grande Rio fecharam o grupo das seis primeiras, tirando o Salgueiro (sétimo) do Desfile das Campeãs após 15 anos.

Grande decepção do ano, a Portela (de um problemático desfile sobre seu centenário) ficou com a décima colocação. Seu vizinho próximo, o Império Serrano, teve sorte pior: rebaixada de volta pra Série Ouro, apesar de proporcionar uma das grandes imagens do carnaval – a aparição de Arlindo Cruz no último carro do desfile que o homenageou.

 

A força de Yasuke que derruba jejum

  

Foto: Wigder Frota

O primeiro samurai negro do Japão brilhou na história, no Anhembi e fez brilhar o sonho da Mocidade Alegre em conquistar seu décimo primeiro título. Assim aconteceu: depois de nove anos, o grito de campeão voltou a ecoar no Bairro do Limão. Com uma apresentação correta, a Morada fez os 270 pontos máximos, superando Mancha Verde e Império de Casa Verde, com 1 décimo a menos na tabela – Tatuapé e Dragões fecharam o grupo das cinco primeiras.

Apesar de uma apresentação elogiada e considerada como candidata ao caneco, o Águia de Ouro terminou na oitava posição, atrás da Independente Tricolor – tida como favorita ao descenso. Na dança da tabela, o Rosas de Ouro quase dançou – décimo segundo lugar. Sobrou para Estrela do Terceiro Milênio (em seu primeiro desfile na elite) e Vila Maria (após 8 anos) se despedirem do Grupo Especial.

 

Os acessos

Na Sapucaí, a jangada de Júlio Verne conduziu São Gonçalo em águas vitoriosas. Com o enredo “A Invenção da Amazônia”, a Porto da Pedra conquistou o título da Série Ouro com 269.7 pontos (dois décimos a mais que a vice-campeã Unidos de Padre Miguel) e, em 2024, retorna ao desfile do Grupo Especial, afastado que estava desde o tragicômico iogurte em 2012. Campeã geral da Série Prata com um enredo sobre três princesas turcas, o Sereno de Campo Grande retornou à Sapucaí após 10 anos e puxou com ela duas estreantes na avenida principal dos desfiles: União de Maricá e União do Parque Acari. As três entraram nas vagas das rebaixadas Lins Imperial e União de Jacarepaguá.

Já pelas bandas do Anhembi, a tradição falou mais alto. Fazendo da reedição de um enredo clássico (“Eu Também Sou Imortal”, de 2005) uma apresentação considerada arrasadora, o Vai-Vai conquistou o título do Acesso 1 e o retorno à elite do samba com 270 pontos, empatada com a vice-campeã Camisa Verde e Branco, que também voltou ao Grupo Especial numa subida considerada por muitos como surpreendente. No Acesso 2, a força de Iemanjá trouxe a vitória para a Torcida Jovem, que subiu para o segundo grupo junto da vice, Dom Bosco de Itaquera – ambas entram nos lugares de X-9 Paulistana e Morro da Casa Verde, rebaixadas. Por essas coincidências do destino, a Jovem – escola oriunda de uma torcida organizada do Santos – vai disputar a segunda divisão do carnaval no mesmo ano em que o clube vai disputar a segunda divisão do futebol brasileiro...

Ainda no Acesso 2, a nota triste fica por conta da Leandro de Itaquera: rebaixada em último lugar para o Especial de Bairros da UESP, o que significa seu primeiro carnaval fora do Anhembi em toda sua história.

 

Voltando aos trilhos da vitória

  

Foto: Divulgação

Antes do Anhembi e da Sapucaí, a folia tomou conta do Sambão do Povo. E lá, o leão voltou a rugir mais forte. Homenageando a cidade de Colatina, a Mocidade Unida da Glória conquistou o título do carnaval capixaba (com 2 décimos a frente da vice, Jucutuquara), rompendo a seca de vitórias que durava desde 2018 e retomando a hegemonia interrompida pela Novo Império no desfile anterior. Novo Império que, aliás, foi a grande decepção do ano: sexto lugar, a seis décimos do rebaixamento – que ficou com a Andaraí.

A Pega no Samba venceu o Grupo A, retornando à elite, enquanto a Independente de Eucalipto ficou com o título no Grupo B.

 

Outras campeãs pelo país

- Unidos dos Morros, campeã do carnaval de Santos pela quarta vez (bicampeonato consecutivo, já que vencera em 2020, último desfile antes da paralisação pela pandemia);

- Estado Maior da Restinga, campeã do carnaval de Porto Alegre pela décima vez;

- Magnólia Brasil, campeã do carnaval de Niterói pela segunda vez;

- Mocidade Independente de Nova Corumbá, campeã do carnaval de Corumbá pela quinta vez;

- Vilage no Samba, campeã do carnaval de Nova Friburgo pela vigésima oitava vez (tetra consecutivo);

- Deu Chucha na Zebra, campeã do carnaval de Uruguaiana pela terceira vez;

- Unidos do Beco, campeã do carnaval de Cruz Alta pela quarta vez (geral e consecutiva);

- Bole-Bole, campeã do carnaval de Belém pela quinta vez;

- União da Ilha da Magia, campeã do carnaval de Florianópolis pela terceira vez

 

Ciclos que chegaram ao fim...

A dança das cadeiras visando 2024 surpreendeu e pôs fim a casamentos profissionais que pareciam duradouros. Zé Paulo Sierra e Viradouro encerraram a vitoriosa parceria que durou 9 anos – o intérprete se transferiria para a Mocidade. No caminho inverso, o diretor de carnaval Marquinho Marino deixou Padre Miguel (onde estava desde 2017) e se mudou para a Unidos da Tijuca. Voltando aos cantores: Royce do Cavaco terminou sua segunda passagem pelo Rosas de Ouro, desde 2017, se mudando para a Vila Maria. Em setembro, Leozinho Nunes (e todo mundo do samba) foi pego de surpresa com o anúncio, em meio a uma noite de sábado e por uma rede social, de sua dispensa da São Clemente após 7 anos à frente do microfone principal – o cantor foi contratado pela União do Parque Acari posteriormente.

Mas o fim de ciclo (pelo menos por enquanto) mais sentido foi na parte artística: dispensados por Tuiuti e Portela, respectivamente, Rosa Magalhães e Renato Lage não assinarão nenhum desfile em 2024. Dois gênios que moldaram a festa e a dominaram nos anos 90 terão um período sabático... mas prometem voltar em breve. Assim esperamos.

Os ciclos chegaram ao fim também na televisão: o prejuízo financeiro com a cobertura do carnaval de 2023 fez a Globo cancelar o “Seleção do Samba” após dois anos. Na Band, o “Samba Coração” também não foi renovado para uma nova temporada.

 

...e outros que reabriram

Como foram os casos de Lucinha Nobre, que retornou à Unidos da Tijuca após ser dispensada pela Portela, que agora tem Squel Jorgea, que pausou sua aposentadoria anunciada em 2022.

 

O samba também chorou e se despediu de grandes talentos

Em 2023, as cortinas se fecharam para quatro carnavalescos campeões: Mário Borriello, o criador do inesquecível “Peguei um Ita no Norte”, campeão com o Salgueiro em 1993 (falecido por uma infecção generalizada), Mário Monteiro, do não menos inesquecível “Paulicéia Desvairada”, único título do Estácio de Sá, em 1992 (vítima de um câncer), Max Lopes, vencedor por Mangueira e Imperatriz (também por câncer) e Roberto Szaniecki, campeão pelo Gaviões da Fiel em 1999 e duas vezes vice pela Grande Rio (vítima de complicações do diabetes). Também perdemos o talento do compositor Hélio Turco (maior vencedor de sambas-enredo na Mangueira), Jorge Lucas (autor de seis sambas no Império Serrano), do também compositor e intérprete Maurício Maia (que não resistiu a um tumor no cérebro), do histórico diretor de bateria Mestre Neno (vítima de um infarto fulminante), da histórica porta-bandeira paulistana Lídia Aparecida (com passagens marcantes por Peruche e Tom Maior), do ex-mestre-sala e diretor de harmonia Wanderson Sodré (também por um infarto), do fundador e presidente da Torcida Jovem Cosmo Damião (problemas decorrentes de um AVC) e dos passistas mangueirenses Telmo Augusto (lamentavelmente encontrado sem vida após cair no Rio Joana, na região do Maracanã, durante um temporal) e Serginho do Pandeiro (que não resistiu a uma parada cardíaca).

 

Cassius e Bruno, presentes!

  

Cassius Silva e Bruno Malta juntos no Anhembi (Foto: Arquivo Pessoal Bruno Malta)

2023 foi ainda mais cruel ao tirar de cena duas grandes figuras que conheci de perto – e aqui peço licença aos leitores por escrever em primeira pessoa. Foram duas perdas que avançaram ao carnaval e atingiram a parte pessoal. Que doeram ao coração. E ainda doem. Cassius Silva de Abreu era aquele brincalhão e bom astral que era um conhecedor nato da cultura brasileira, da avenida ao bumbódromo. Bruno Malta era aquele mais contido, um detalhista, por vezes até meio ranzinza (mas só na aparência!), mas era acima de tudo um apaixonado pelo bom carnaval, ria de nossas brincadeiras e, sobretudo, era grande incentivador de seus amigos. Com os dois a garantia de boas risadas e uma ótima conversa, presencialmente ou não.

Infelizmente, isso não vai mais acontecer.

Cassius faleceu a 11 de julho, em Manaus, por complicações de uma amebíase que contraiu e foi agravada por uma cardiopatia que o acompanhou durante toda vida. Dias antes estava em Parintins acompanhando o festival. Deu tempo de ver o seu (melhor dizendo, o nosso) Boi Caprichoso campeão mais uma vez. Foi a sua última grande alegria. Bruno nos deixou, inesperadamente, no feriado de 15 de novembro, num trágico atropelamento na Boulevard 28 de Setembro. Na cidade que ele mais amava. No bairro que ele mais amava. No melhor momento da vida.

E só restam as lembranças e a missão de tocar em frente o legado de dois talentos que tiveram suas trajetórias abreviadas pelo destino. Dois jovens. Dois grandes pensadores da cultura brasileira. Mas, acima de tudo, dois amigos que o carnaval e a vida me deram.

Acima de qualquer eventualidade ou ocasião, meu retorno a este espaço e à mídia carnavalesca será em homenagem a vocês, meus amigos.

Assim como todos os trabalhos que farei daqui pra frente.