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Os sambas do Grupo Especial do RJ 2025 por Cláudio Carvalho

Os sambas do Grupo Especial do RJ 2025 por Cláudio Carvalho

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

Viradouro: O samba da atual campeã do carnaval sobre a entidade afro-indígena é ousado e consistente. Foge do lugar comum. Há momentos de difícil execução que deixam a sensação de "muita letra para pouca melodia", como "acenda tudo que for de acender" e "o rei da mata que mata quem mata o Brasil", além das frases que se repetem de forma invertida. Trecho de destaque: Entre a vida e a morte, encantarias. Nas veredas da encruza, proteção. O estandarte da sorte é quem me guia. Alumia minha procissão. Nota: 9.9 (nove ponto nove)

Imperatriz: O Itan (lenda) de Oxalá cantado pela escola já foi apresentado em outras quatro ocasiões: Unidos do Cabuçu (1983), Império da Tijuca (1997), Boi da Ilha (2005) e Vila Santa Tereza (2013). Todos os enredos geraram sambas antológicos, sendo o primeiro o principal deles. No caso atual, temos uma obra simples, didática e bem resolvida metodicamente, que mantém o nível das citadas. Fica apenas o apelo para que outras lendas possam ser abordadas, haja vista à vastidão do panteão yorubá. Trecho de destaque: Mas o dono do caminho não abranda.Foi vinho de palma, dendê e carvão. Sabão da costa pra lavar demanda. E a montaria te leva à prisão. O povo adoeceu, tristeza perdurou. Nos sete anos de solidão. Nota: 10 (dez)

Grande Rio: O grande samba da safra, que prova o quanto a escola de Caxias se refez do rebaixamento de 2019, com a retomada do "banho de cultura" através da dupla Leonardo Bora e Gabriel Haddad. Por se tratar de um gênero musical que tem, no mínimo, três versões (concorrente, oficial e de desfile), o samba-enredo passa por um processo de mudança constante, e pode tanto minguar quanto crescer. Este só melhora com o tempo, calando os que criticavam o excesso de referências ao carimbó na letra e na melodia. O entrosamento musical entre Evandro e Fafá beira o sublime. Trecho de destaque: E foi assim... Suas “espadas” têm as ervas da Jurema. Novos destinos no mesmo poema. E nos terreiros, perfume de patcholi. Acende a brasa do defumador. Pra um mestre batucar a sua fé. Noite de festa! Curió marajoara...Protege Caxias nas águas de Nazaré! Nota: 10 (dez)

Salgueiro: Antes de mais nada, é importante ressaltar que o enredo da vermelho e branca da Tijuca não é um "afro" stricto sensu, mas sim um enredo folclorico sobre o mito do "corpo fechado". O samba de Xande de Pilares e parceiros não é ruim, mas peca pelo excesso de lugares comuns e pela narrativa confusa. Começa falando sobre candomblé, menciona Lampião e, logo depois, volta pro candomblé. Além disso, a apresentação da religião de matriz africana como algo ameaçador, em tempos de afirmação da identidade negra, soa no mínimo contraditória. Trecho de destaque: Tem erva pra defumar, carrego o meu patuá. Adorei as almas que conduzem meu caminho. Ê mojubá, Marabô! Invoque a Lua. Que o povo da encruza não vai me deixar sozinho. Nota: 9.8 (nove ponto oito)

Portela: Samba que traz a frase mais bonita da safra ("quem acredita na vida não deixa de amar"), o hino da Portela, que emocionou o público na quadra durante a disputa, talvez tenha sido o que mais sofreu perdas na gravação. A mudança de tom deixou o samba, que era vibrante, um tanto quanto arrastado, o que é perigoso para uma escola que irá encerrar o carnaval. As notas alongadas, ponto fraco da versão concorrente, permaneceram. Não deixa de ser, no entanto, uma bela, emocionante e justíssima homenagem ao grande Milton Nascimento, que abre a faixa com a frase citada. Trecho de destaque: Dorme a maldade após o temporal. Na bandeira a liberdade, vem Bituca triunfal. Cheguei com meu povo, mesmo sentimento. Onde Candeia é chama. Brilha Milton Nascimento. Nota: 9.8 (nove ponto oito)

Vila Isabel: Dizer que enredos de Paulo Barros não costumam gerar bons sambas seria chover no molhado. Até nas exceções eu iria me repetir. Que me perdoe a Vila, mas esse samba, além de seguir a regra à risca, exagera. O insólito maquinista capitão e a bateria swingada de vampiros são trechos que literalmente assustam. Não estranhem, porém, se esse samba "funcionar", como aconteceu com a obra de gosto duvidoso de 2023. Trecho de destaque: Ê caboclo d'água. Da água que me assombra. A sombra da meia noite. Foi-se a noite de luar (oi). Na tempestade, encantada é a gaiola. Chora viola, pra alma penada sambar. Nota: 9.6 (nove ponto seis)

Mangueira: O samba da verde e rosa talvez seja o que menos se destaca na trilogia que a parceria emplacou desde 2023. Apresenta trechos interessantes, mas perde força nos refrões. A falta de entrosamento dos dois intérpretes também não ajuda. Trecho de destaque: Forjado no arrepio da lei que me fez vadio. Liberto na senzala social. Malandro, arengueiro, marginal. Na gira, no jogo de ronda e lundu. Onde a escola de vida é Zungu, fui risco iminente. O alvo que a bala insiste em achar. Lamento informarum sobrevivente.  Nota: 9.8 (nove ponto oito)

Beija-Flor: O último solo do maior cantor de samba em atividade, numa homenagem a Laíla, já seria motivo de comoção. Como se trata de um sambão, digno dos que o primeiro cantou e o segundo escolheu a dedo, é pra chorar. Toda a história da Beija-Flor está aí. O trecho "eu vou seguir sem esquecer nossa jornada" diz respeito à Laíla, mas como não identificar ali a declaração de amor do intérprete à escola que literalmente lhe deu nome e que ele defendeu bravamente durante 50 carnavais. Por tudo isso, só nos resta dizer: OBRIGADO, NEGUINHO! Trecho de destaque: Chama João pra matar a saudade. Vem comandar sua comunidade. Óh Jakutá, o Cristo preto me fez quem eu sou. Receba toda gratidão Obá, dessa nação Nagô. Nota: 10 (dez)

Tuiuti: Mantendo o expediente de encomenda de samba, a escola de São Cristóvão traz uma obra interessante sobre Xica Manicongo, considerada o primeiro travesti do Brasil. Trata-se de um samba que foge do lugar comum tanto em letra (um tanto quanto difícil, diga-se de passagem), quanto em melodia, e que deve contribuir para a escola se consolidar por mais um ano no desfile principal. Destaque mais uma vez para a interpretação de Pixulé. Trecho de destaque: Faz tempo que eu digo não. Ao velho discurso cristão. Sou Manicongo. Há duas cabeças em um coração. São tantas e uma só. Eu sou a transição. Carrego dois mundos no ombro. Nota: 9.9 (nove ponto nove)

Mocidade: Em busca de dias melhores, a escola de Padre Miguel, que esse ano terá a concorrência da vizinha, recorre ao compositor do samba de seu último título e o resultado final não decepciona. Não é nenhuma obra-prima, mas, além de passagens interessantes, tem trechos que remetem aos hinos de 2017 e 2018, além de passarem a limpo a história da agremiação. Trecho de destaque: Naveguei. No afã de me encontrar eu me emocionei. Lembrei da corda bamba que atravessei. São tantas as viradas desta vida. A mão que faz a bomba se arrepende. Faz o samba e aprende. A se entregar de corpo e alma na avenida. Nota: 9.8 (nove ponto oito)

Unidos da Tijuca: Depois de flertar com o rebaixamento no ano passado, a escola do Borel traz um enredo e samba leves, à sua feição. Trata-se de uma obra de letra simplória e melodia repetitiva em alguns trechos, importante ressaltar. A presença de um intérprete do quilate de Ito Melodia acaba sendo abafada, na faixa, pelo excesso de holofotes voltado para a cantora Anitta. Para quem tiver curiosidade, recomendo outros dois sambas-enredo sobre o orixá Logum Edé: Arranco 1977 e Cubango 1981. Trecho de destaque: E no rufar dos Ilus, meu tambor. A fé no Kale Bokum assentou. A proteção de meus pais, ofás e abebés. Sou a Tijuca e seus candomblés. Um lindo leque se abriu, ori do meu pavilhão. Amarelo ouro e azul pavão. Nota: 9.8 (nove ponto oito)

Unidos de Padre Miguel: De volta ao desfile principal depois de 53 anos, o Boi Vermelho da Zona Oeste apostou numa junção inédita. O resultado é um samba grande, com interessantes variações melódicas, que casam bem com a interpretação de Bruno Ribas. Trecho de destaque: Eiêô! Kaô kabecilê babá obá! Couraça de fogo no orô do velho Ajapá. A raça do povo do Alafin, e arde em mim. Rubro ventre de Oyó. Na escuridão, nunca andarei só. Vovó dizia: Sangue de preto é mais forte que a travessia! Nota: 9.9 (nove ponto nove)