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Os sambas do Grupo Especial do RJ 2025 por Carlos Fonseca

Os sambas do Grupo Especial do RJ 2025 por Carlos Fonseca

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

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A GRAVAÇÃO – Mesmo tendo um resultado relativamente elogiado, o projeto realizado na Cidade das Artes não ganhou continuidade para 2025. O álbum retorna ao estúdio e entrega uma gravação morna, discreta e sem brilho, até remetendo às gravações pasteurizadas que dominaram os discos de samba-enredo na década de 2000. A única boa iniciativa mantida são os arranjos das faixas feitos pelas direções musicais das doze escolas. Fora isso, as baterias estão com som predominantemente alto, chegando ao ponto do naipe de cordas quase não ser notado na maioria das faixas. E até o recurso de revezamento do intérprete com o coral não funcionou tão bem em alguns momentos. Para sorte da produção, está longe de ser a pior ideia tomada para o carnaval de 2025... Como proposta, a opção por um som mais limpo é muito válida, há de se louvar a intenção, mas pra chegar ao resultado ideal ainda há questões técnicas por acertar. A título de curiosidade: pela primeira vez em mais de três décadas o álbum oficial do carnaval carioca não é gravado na lendária Companhia dos Técnicos – o Estúdio Century hospedou os registros.

Em relação à safra: há uma considerável melhora de qualidade em relação à 2024. Viradouro e Grande Rio se destacam no topo com excelentes obras, tendo a Beija-Flor um degrau atrás e um segundo pelotão com os bons sambas de UPM, Tijuca e Portela. Ainda não tem nada de espetacular na safra como um todo, mas para a próxima temporada as diretorias optaram por escolhas um pouco mais ousadas, fugindo do óbvio e dos padrões de letra e melodia moldadas pelo júri de samba-enredo. Fica a torcida para que esse pensamento siga para os próximos anos. Parece que ainda há salvação. - NOTA DA GRAVAÇÃO: 9.5

 

1 - VIRADOURO “Pernambucano, mensageiro bravio”.

O cartão-de-visitas do álbum de 2025 reúne um alto nível de musicalidade falando em letra, melodia e arranjo – poucas vezes visto no carnaval. É difícil apontar qual é a melhor parte quando toda a obra narra de forma perfeita a história do último líder do Quilombo do Catucá, desde a ousada cabeça do “Acenda tudo que for de acender / Deixa a fumaça entrar”, passando pelo “Eu sou caboclo da mata do Catucá! / Eu sou pavor contra a tirania!” da primeira, “Do parlamento das tramas / Para os quilombos modernos / A quem do mal se proclama / Levo do céu pro inferno” da segunda, até chegar ao “Eu tenho corpo fechado / Fechado, tenho meu corpo / Porque nunca ando só” do forte refrão principal. Dois pontos a ser destacados: primeiro, a escola não cair no vício da funcionalidade e bancar a ousadia de manter as linhas melódicas de versos da segunda estrofe como “Toca o alujá ligeiro / Tem coco de gira pra ser invocado” e o bis “O rei da mata que mata quem mata o Brasil!”, que gerou dúvidas por serem entoados de forma rápida; por fim, a interpretação magistral de Wander Pires, provando continuar em ótima forma. Vale um outro elogio ao arranjo da faixa, uma das poucas coisas saborosas a se ouvir no álbum, pela bela construção melódica e, sobretudo, pelos excelentes desenhos vocais do coral. É um samba fora-de-série, o melhor da alvirrubra desde Alabê de Jerusalém – 2016, coincidentemente outra assinatura de Paulo César Feital (que dá voz a introdução). Quando está na faixa 1, a escola de Niterói costuma entregar sambas memoráveis, casos do clássico Orfeu de 1998 e do celebrado samba-carta de 2022. Malunguinho mantém essa tradição. - NOTA: 10

 

2 - IMPERATRIZ“Ijexá ao pai de todos os oris”.

Mantém a característica musical que a escola de Ramos vem apresentando recentemente. A ida de Oxalá ao Reino de Oyó traz uma grande marca (que particularmente sou admirador) dos sambas recentes da parceria de Me Leva: o chamado “refrão de abertura”, usado desde a obra que consagrou o campeonato de 2023. O da vez é o “Vai começar o itan de Oxalá / Segue o cortejo funfun ao Senhor de Ifon, Babá” – com a segunda passada diferenciada, fazendo interação com o início da primeira estrofe (“Orixalá, ensina meu caminhar...”), o que melhorou ainda mais o trecho, melodicamente falando. Outra passagem a se destacar é a segunda estrofe, sobretudo o final “O povo adoeceu, tristeza perdurou / Nos sete anos de solidão”. Dois “poréns” que particularmente tenho é ele ser meio extenso do meio pro fim, dando a impressão de demora pra chegar no refrão principal, e a transição do “vê o doce se tornar o fel” pro “Ofereça pra exu... um ebó vai proteger” ser entoada de forma atropelada. É um bom samba (acho até melhor que a premiada obra de 2024) e tem potencial de ter um ótimo desempenho na avenida, conhecendo o bem sucedido entrosamento dos quesitos musicais da escola – mais uma vez demonstrada na faixa. Só não precisava ser gravado num tom bem melancólico. - NOTA: 9.8

 

3 – GRANDE RIO“Pro Mestre batucar a sua fé”.

O outro sambaço da safra. É lindo. Envolvente. A obra sobre as Encantarias do Pará, assinada por uma parceria oriunda de Belém encabeçada por Mestre Damasceno (homenageado no desfile do Tuiuti em 2023), tem uma melodia leve que cresce nos momentos certos aliada a uma letra que encanta da primeira até a última linha. O potente início “A Mina é cocoriô! / Feitiçaria parauara / A mesma lua da Turquia / Na travessia foi encantada” melodicamente é fabuloso – a entrada com os atabaques no início da faixa é fantástica! Gosto muito, também, do jogo melódico presente em versos como “Maresia me guia sem medo / Pro banho de cheiro” e “Se a boiuna se agita… É banzeiro! Banzeiro!”, além da segunda estrofe, indo do “Na curimba de babaçuê” ao “Venham ver as três princesas “baiando” no curimbó”. A obra tricolor ganha um requinte maior com a excelente interpretação de Evandro Malandro, que prova mais uma vez ser um dos melhores cantores da atualidade. Junto com a Viradouro, é canditatíssimo ao Estandarte. - NOTA: 10

 

4 – SALGUEIRO “Eu levo fé no poder do meu contra egum”.

É um samba correto e fiel ao desenvolvimento do enredo. A primeira estrofe tem aquela tradicional checklist, com todas as simpatias para fechamento de corpo (“Prepara o alguidar acende a vela / Firma ponto ao sentinela, pede a bênção pra vovô / Faz a cruz e risca a pemba / Que chegou Exu Pimenta e a falange de Xangô / Tem erva pra defumar, carrego o meu patuá” [...] “Uso a pedra de corisco pra blindar meu dia a dia / No tacho arruda e alecrim ôôô! / Bala de chumbo contra toda covardia”), algo que Xande e parceria já fizera no refrão de Gaia (2014). O ponto alto da obra é seu refrão central “Tenho a fé que habita o sertão, de Lampião, o cangaceiro / Feito moreno eu vou viver, mais de cem anos no meu Salgueiro”, que é irresistível. Outro ponto forte a se destacar é o fim da segunda estrofe “Vermelho e branco no linho trajado / Sou eu malandragem de corpo fechado” – trecho que, aliás, viralizou nas redes sociais após a disputa, tanto é que a produção musical da escola manteve o arranjo original, com um espaço entre o verso e o refrão principal “Macumbeiro, mandingueiro, batizado no gongá” na primeira passada. De volta ao carnaval carioca, Igor Sorriso faz uma interpretação correta. - NOTA: 9.7

 

5 - PORTELA“Na bandeira a liberdade, vem Bituca triunfal”.

Muitos vão dizer que não supera Cabuçu 1989, o que até concordo, mas o hino portelense em homenagem à Milton Nascimento é bom e tem sua beleza. Mesmo ainda estranhando a subida de tom em relação às eliminatórias, ele tem o estilo melódico ideal que a escola precisava para encerrar o carnaval na inédita terça-feira de desfiles. Gosto muito da cabeça da letra “Manhã / Alvorada das nossas lembranças / Peito aberto, carrego esperança / Do altar de São Sebastião” e, principalmente, do “Noite apaga o arrebol / Num milagre ser farol / E continuar… / Quem acredita na vida / Não deixa de amar” na segunda estrofe – o bis, nos dois últimos versos, são entoados pelo homenageado na abertura da faixa. A preparação para o refrão principal “Onde candeia é chama / Brilha Milton Nascimento” é outro verso que tende a mexer com o brio do portelense. O supracitado refrão principal tem um jogo melódico que curto bastante no “Anjo negro é o sol que faz a Portela cantar / Anjo negro é o sol na minha Portela”. Gilsinho faz aquela categórica interpretação de costume. Ademais, promete ser um dos momentos mais emocionantes do carnaval. - NOTA: 9.9

 

6 – VILA ISABEL “É o povo do samba virado na bruxaria”.

Depois do crime hediondo que o júri de samba-enredo fez com Gbalá no ano passado, a Vila volta para uma estratégia que funcionou em 2023: apostar numa obra que não tem qualidade, mas com um potencial de fácil comunicação com o público para explodir no desfile oficial. Mas diferente do simpático “Evoé”, o samba sobre as assombrações é poeticamente bem difícil – a começar pela mudança equivocada no refrão principal em relação às eliminatórias. O único trecho que se destaca é o duplo refrão “Nas redondezas credo em cruz ave maria / Quanto mais samba tocava, mais defunto aparecia” que traz um momento muito divertido – ainda aliado ao “Silêncio...” que abre a segunda estrofe. Como era de se esperar, Tinga (que tem uma temporada de sambas bem difíceis pra conduzir) e a Swingueira deram aquele up a mais na faixa, tornando-a mais animada. É de longe a obra mais fraca da temporada, mas a estratégia da escola é proposital e compreensível. - NOTA: 9.4

 

7 - MANGUEIRA“E hoje no asfalto a moda é ser cria”.

Ainda que seja bem extenso e que a melodia não converse entre si em alguns momentos, o samba verde e rosa tem passagens muito interessantes. A melhor parte, facilmente, vai do “Ê malungo, que bate tambor de Congo / Faz macumba, dança jongo, ginga na capoeira”, passa pelo falso refrão “Bate folha pra benzer, pembelê, kaiango” e deságua no início da segunda “Forjado no arrepio da lei que me fez vadio / Liberto na senzala social / Malandro, arengueiro, marginal”. O refrão principal (“Sou a voz do gueto, dona das multidões”) vai ser um daqueles que o mangueirense facilmente vai bater no peito e cantar, como tantos outros ao longo da história. Art’Samba e Dowglas demonstram estar cada vez mais entrosados no microfone oficial da escola – curti o expediente de ambos cantarem juntos do início ao fim. Também curti o destaque dado aos naipes de agogô e timbaus durante a faixa – sobretudo na segunda estrofe. Num todo o samba é regular, mas tá longe de ser a tragédia que se pintou inicialmente. - NOTA: 9.7

 

8 – BEIJA-FLOR“Receba toda gratidão, obá”.

Nunca uma oitava faixa foi tão importante para o carnaval e para a própria Beija-Flor, por dois motivos pra lá de simbólicos: ser uma homenagem à Laíla, nome histórico do carnaval e aquele que consolidou a agremiação fazendo dela a máquina de desfiles como conhecemos, e também ser a última gravação de Neguinho da Beija-Flor num álbum de samba-enredo, vide a aposentadoria dos desfiles anunciada por ele após o carnaval de 2025 depois de 50 anos como intérprete oficial. Nada mais simbólico, também, Laíla ser homenageado com um samba-enredo que tem o padrão que o próprio consagrou em Nilópolis: melodia pesada aliada a uma letra bem descritiva com pontos muito fortes. O início da letra “Kaô meu velho! / Volta e me dá os caminhos / Conduz outra vez meu destino / Traz os ventos de Oyá / Agô meu mestre / Sua presença ainda está aqui / Mesmo sem ver, eu posso sentir” é um dos mais fortes e emocionantes da safra. A emoção volta a tona no final, a partir do “Chama João pra matar a saudade / Vem comandar sua comunidade” – a sequência “Oh Jakutá...” tem uma quebra melódica bem característica de sambas da Beija-Flor, como destacado anteriormente. Outro momento que chama atenção é a personalidade de Laíla sendo descrita em versos como “De copo no palco, sandália rasteira / No chão sagrado toda quinta-feira” e até mesmo “O dedo na cara quem for contra reza” e “Queria paz, mas era bom na guerra”. É um samba que ele mesmo daria um carimbo de qualidade. Ah... e o Neguinho? Neguinho faz um “The Last Dance” totalmente solto, do jeito que só ele poderia fazer. - NOTA: 10

 

9 – PARAÍSO DO TUIUTI“As perseguidas na parada popular”.

Sou um grande fã de sambas narrados em primeira pessoa, mas para esse caso acredito que faltou mais profundidade pra captar a força de um enredo tão necessário para os tempos atuais. Era a oportunidade perfeita de fazer um bom equilíbrio entre os dois elos do tema – não quer dizer que a letra não faça isso, mas acho que a grande mensagem do tema podia ficar (ainda) mais explícita. Talvez pela letra não seguir a ordem cronológica do enredo ela dá impressão de ser confusa e acabar caindo naqueles lugares comuns. Isso sem falar no refrão principal que tem um trava-língua daqueles (“Eh! Pajubá! Acuendá sem xoxá pra fazer fuzuê”) e do tão criticado “A voz que calou o ‘cis tema’” da segunda estrofe. Na mão contrária, o refrão central (“Vim da África Mãe Eh Oh / Mas se a vida é vã Eh Oh”) reserva um ótimo momento, apesar de achar que o “Mumunha” fica solto na melodia. Tendo a companhia de Bell Barbosa (do carro de som da escola, que canta a introdução com o refrão citado anteriormente), Pixulé mantem sua ótima regularidade na interpretação. - NOTA: 9.6

 

10 - MOCIDADE “Que toda estrela pode renascer”.

É daqueles milagres que só o carnaval explica e faz acontecer: conseguiram extrair um bom samba de um enredo complicadíssimo. Acho bem interessante o recurso de misturar elementos do tema com referências à desfiles marcantes da escola – lembra até o samba campeão de 2017, sobre o Marrocos. E sobrou espaço até para os compositores colocarem um “trocadalho” generoso em referência ao retorno de Renato Lage à escola – “E Deus vai desfilar pra ver o mago recriar a Mocidade”. Disparadamente, o melhor momento da obra está no fechamento da primeira estrofe: “Será que há de ter carnaval, sem minha cadência? / Com alas em tom digital / No fim da existência / Me diz afinal quem há de arcar com as consequências?. Outro trecho de destaque (e particularmente é o meu predileto de todo o samba) é o início da segunda estrofe “O verde adoecido da esperança / Ofega sobre o leito da cobiça”, cuja melodia tem um acorde que lembra aqueles pagodes de mesa antigos. Ajudado pela convencional atuação de Zé Paulo (no seu melhor estilo de ser), a estrela-guia se saiu bem desse labirinto. - NOTA: 9.8

 

11 – UNIDOS DA TIJUCA“Inquieto e intenso, sou Logun-Edé”.

A entrada de Anitta na disputa de samba tijucana foi a grande (e surpreendente) notícia do ano carnavalesco. A obra que a cantora, filha de Logun-Edé, canetou com sua parceria traduz perfeitamente o sentimento tijucano: um enredo muito pedido pela comunidade como o caminho para dar a volta por cima após um ano esquecível. O verso que deixa exatamente isso explícito está antes do refrão principal: “Eu não descanso depois da missão cumprida / A minha sina é recomeçar”. Pra além da mensagem o samba num todo é bem construído, com boas passagens (a cabeça “Reflete o espelho… Orisun / Nas águas de Oxum / À luz de Orunmilá / Magia que desaguou na ribeira / E fez o caçador se encantar / Sou eu, sou eu” sendo a melhor delas) e bons refrães, sobretudo o “Não ando sozinho, voltei no cavalo marinho / Abri caminho pro povo de Ijexá” do central. É um legítimo sem tirar nem por. E não é que o dueto da “Poderosa” com Ito Melodia foi de “Envolver” o ouvinte... isto é, deu certo? Tem até um “Prepara!” na introdução da faixa, um “boas-vindas” fazendo referência ao primeiro sucesso da artista (Show das Poderosas)... Era o case perfeito que o pavão precisava para tentar voltar aos seus grandes dias. - NOTA: 9.9

 

12 – UNIDOS DE PADRE MIGUEL“Vila Vintém é terra de macumbeiro”.

Depois de tanto bater na trave, o Boi Vermelho finalmente chega ao Grupo Especial da era moderna (e, consequentemente, a sua primeira participação na elite desde 1972) e mantém sua marcante característica de bons sambas para temas afro. A escola ousou e acertou ao extrair o melhor das duas obras que entraram na junção anunciada. Gosto muito do equilíbrio melódico que ela traz: começa na valentia da cabeça “Eiêô! Kaô kabesilê babá obá! / Couraça de fogo no orô do velho ajapá / A raça do povo do Alafin, e arde em mim”, passa pela leveza de um irresistível refrão central “Vou voltar mainha, eu vou / Vou voltar mainha, chore não / Que lá na Bahia / Xangô fez revolução” (facilmente o melhor momento do samba), e volta pra valentia do “Oxê… a defesa da alma na palma da mão” até o refrão principal. Aliás, chama atenção a mudança da sílaba tônica no verso “No clã de Obatossi”. A interpretação de Bruno Ribas na faixa foi a cereja do bolo, encerrando qualquer dúvida sobre a funcionalidade do samba na sua voz. Enfim, o Grupo Especial está sendo apresentado ao estilo de samba-enredo que a UPM domina tão bem ao longo da sua história recente. - NOTA: 9.9

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