PRINCIPAL    EQUIPE    LIVRO DE VISITAS    LINKS    ARQUIVO DE ATUALIZAÇÕES    ARQUIVO DE COLUNAS    CONTATO

Os sambas de 2019 por João Marcos

Os sambas de 2019 por João Marcos
E-mail: joaomarcos876@yahoo.com.br


As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile


PRODUÇÃO E CONTEXTO – Depois de anos denunciando a péssima administração, as terríveis escolhas artísticas e a pouca abertura das escolas para novos rumos, nós, do SAMBARIO, agora apenas temos de lamentar o verdadeiro começo do fim. As escolas de samba estão reféns de um poder público que, direcionado para o conservadorismo, tem verdadeira ojeriza da festa e, por isso, as agremiações não possuem quaisquer alternativas para o corte das subvenções. Com relação aos sambas, o panorama é desolador – praticamente todos os sambas do Grupo Especial foram feitos por três grupos de compositores. A internet está contaminada por torcedores de ‘assinaturas’, por fakes, por grupos comprados pela assessoria de imprensa de compositor em fóruns de carnaval (pois é, existe isso) e as quadras estão repletas de zumbis que seguram bandeiras por cerveja. Lastimável. Interessante notar é que, justamente, os melhores e mais comentados sambas do grupo são OS QUE NÃO SÃO DE ESCRITÓRIOS. De resto, temos o que há de pior – reedições, encomendas injustificáveis e apropriações indevidas de músicas de outros gêneros. Um verdadeiro festival de horrores que simboliza tudo de errado que as escolas fizeram nas últimas décadas. E aí eu me pergunto - qual o medo das escolas? Fazer concurso e ter de premiar o melhor samba? Todo este contexto nos traz talvez a pior safra da história do carnaval do Rio de Janeiro. Pouca coisa se salva. A produção do CD segue o panorama dos últimos anos, no entanto, vem tendo mais sucesso em dar individualidade para cada faixa – por exemplo, o criticado órgão no samba da Unidos da Tijuca é um toque interessante, que monta um clima diferente. E é preciso que se façam estes detalhes nos arranjos para salvar o CD do marasmo e da mediocridade das composições. NOTA: 6,5. 

BEIJA-FLOR – A disputa de samba na Beija-Flor reflete a confusão do carnaval atual. Apesar de não ter recorrido à encomenda, reedição ou pegado uma música de sucesso qualquer como fizeram outras agremiações, a escola optou por uma fusão depois de declarar um dos sambas como o vencedor na final. Uma escola que não consegue escolher um samba dentro do tempo do concurso se mostra totalmente desorganizada e sem direção. O desrespeito aos compositores é tão absurdo que chega às raias da indignidade. O resultado é um samba desconjuntado, como geralmente são as fusões. O enredo, sobre a história da escola em forma de fábula, gerou uma letra sem discurso definido. Uma hora, o ‘eu poético’ é a escola, em outra é o componente que cita a agremiação na terceira pessoa – isso é decorrente da fusão, já que o Samba 7 homenageava a deusa da passarela e o Samba 4 era em primeira pessoa. O refrão de cabeça é fraco, apoiado no ponto de explosão do verso inicial, mas nada de muito interessante. Na primeira, tem a citação ao patrono como “pai”, que soa tristemente submissa, principalmente diante do contexto mencionado no parágrafo introdutório aos comentários. A primeira parte transcorre sem grandes momentos, extremamente burocrática, até o trecho “Ôôôô axé que no sangue herdei / No meu quilombo, todo negro é rei”, que prepara para uma explosão.... que NÃO ACONTECE EM MOMENTO ALGUM no decepcionantemente simples mini refrão do meio. E na segunda parte, onde a cola da fusão não grudou bem, o samba descarrilha completamente – sem pegar a melhor parte do samba 7, que eram os versos “Sempre fui a cara dessa gente que sofre, que sente na pele mas tem que lutar”, a emenda fica desconjuntada, e o final não tem qualquer força, o que é inadmissível em um samba pretensamente autobiográfico, que precisaria chamar o componente no coração. A saída de Laíla parece que deixou a escola sem rumo. A Beija-Flor apresenta um dos seus piores sambas nos últimos 20 anos. NOTA: 6,6. 

TUIUTI – Sem o apelo emocional do enredo do ano passado, o Tuiuti apresenta uma proposta interessante, bem mais intelectualizada, com uma melodia leve sem grandes variações, salvo no BOM mini-refrão do meio. A aposta é na letra. Em alguns momentos, é interessante, em outras é bobagem forçada, como no jogo entre serviu/servil na primeira parte. A letra consegue, no entanto, manter o discurso poético do enredo de forma coerente e bem feita. O momento que mais me incomoda é o “Vem bodejar laiá laiá” que encerra o refrão de cabeça – até funciona no contexto do samba, mas mais uma vez me pareceu forçado. O grande problema deste samba é ser uma encomenda – tendo em vista a 'carta branca' que a escola deu aos compositores, o resultado final parece muito pouco, algo que poderia sair de qualquer disputa. A encomenda é o momento em que o compositor tem a certeza da vitória e pode tentar algo diferenciado, e o samba do Tuiuti está muito longe disso, sendo, inclusive, bem inferior ao que deu o título para a escola no Grupo de Acesso. Se for para ter o mais do mesmo, o apenas “legalzinho”, se não há uma proposta ousada não há qualquer justificativa plausível para uma encomenda, salvo direcionar a autoria para quem a escola queira que vença. E isso é uma afronta a sua ala de compositores e ao carnaval em geral. NOTA: 7.8. 

SALGUEIRO – O magnífico refrão de cabeça eleva demais a expectativa para um samba que, nas suas partes, mais uma vez, como, aliás, vem ocorrendo nos últimos anos, na hora do 'vamos ver'... não acontece. Aliás, é um fato que venho notando faz tempo no Salgueiro – sempre ocorre uma queda de qualidade da versão concorrente para a faixa oficial. A escola tem culpado seus intérpretes – aliás, isso é recorrente desde o final da passagem do Quinho – mas talvez esteja faltando trabalhar melhor a adequação das obras, talvez diminuir o andamento da bateria, modificar as afinações dos instrumentos, valorizar mais a melodia do samba na execução. A faixa acaba me passando a impressão de que a escola tenta impor uma “pressão” que as obras escolhidas nunca apresentaram. Estes sambas, talvez com alguns bpms a menos, com uma bateria mais pesada, com mais valorização das variações melódicas, poderiam render bem mais. Com relação à construção da obra, a letra não é lá muito poética, mas cumpre o seu papel. O samba tem bons momentos, trechos de explosão, diversos 'slogans' (Ojuobá, quem não deve não teme) que facilitam a memorização, mas quando acaba, fica a sensação de que falta algo no todo. NOTA: 8,3. 

PORTELA -  O melhor samba do ano, principalmente pela primeira parte até o refrão de cabeça. É justamente o momento “Clara” do enredo, e aí, vemos transparecer o clima emocional, a identificação do portelense, as variações ousadas de melodia, os versos acelerados para dar sensação de valentia, os pontos de explosão, a letra extremamente poética – um verdadeiro gol de placa. Cai um pouco quando entra a “Madureira Modernista” da segunda parte e ocorre uma leve downgrade emocional na melodia e na letra, apesar do trecho ser particularmente muito bem escrito. Acho, apenas que, na versão oficial, o refrão de cabeça perdeu a oportunidade de usar o fraseado aberto que a própria Clara eternizou na faixa 'Guerreira', no verso “Sou Clara Guerreira, a filha de Ogum com Iansã” - é mais redondo, definido, porém muito menos brilhante. NOTA: 8,9 

MANGUEIRA – O samba mais badalado do pré-carnaval, a meu ver, tem o seu apelo emocional muito calcado pelos acontecimentos políticos no Brasil. Diante da eleição de um governo de proposta polêmica em relação aos direitos humanos, um samba que exalta Marielle Franco, vereadora que foi assassinada por seu ativismo, acabou unindo pessoas tocadas pela indignação contra todo este momento pavoroso em que vivemos. De certa forma, o samba acaba acertando o sentimento do enredo – é o sambista escrevendo sua própria história, escolhendo seus heróis, levantando sua bandeira. E  com toda a pressão, a direção da escola, mesmo pouco afinada com as convicções políticas da vereadora (e temos de lembrar que o Presidente da Mangueira, no momento em que escrevo esta critica musical, encontra-se preso, acusado de corrupção e de envolvimento com o que há de mais pútrido no Rio de Janeiro), acabou deixando a vontade do povo prevalecer, derrubando escritórios fortíssimos pelo caminho para consagrar esta obra. A questão é que o contexto acaba valorizando mais a obra pelo que acontece fora dela. A emoção não é totalmente pela melodia, e a letra em si, apesar de excelente, também não é a razão do sentimento. O sentimento existe também fora do samba e, de certa forma, completa e complementa a obra. Não que ela não tenha qualidade, pelo contrário – foge totalmente do quadradinho funcional que a Mangueira vinha escolhendo nos últimos anos, e em termos de melodia, apresenta diversas ousadias – algumas, funcionam muito bem, como no ótimo encerramento, porém, outras, nem tanto – os versos  “Desde 1500 tem mais invasão do que descobrimento”, e  “A liberdade é um dragão no mar de Aracati” me remetem a uma melodia que teve de fazer malabarismos para se encaixar na letra. A proposta do enredo foi bem executada e a letra tem poesia e clareza. Bela faixa. Só não consigo entender a substituição do intérprete oficial – Art Samba, apesar de entregar uma interpretação profissional e competente, não tem o mesmo brilho de Ciganerey. Enfim, é um samba que mostra que existem caminhos muito mais interessantes do que os três grupos de compositores que dominam o carnaval carioca. Parabéns aos compositores pela vitória heroica, que escreveu seus nomes na história da agremiação da mesma forma que os homenageados da escola escreveram os seus na cultura brasileira, mesma que isso fosse contra o direcionamento oficial. Por isso, tiro o chapéu. NOTA: 8,8. 

MOCIDADE – Há um descompasso claro entre a densa sinopse da escola, extremamente descritiva e histórica - talvez pela direção de carnaval esperar um samba como o dos anos anteriores - e a obra efetivamente escolhida, que deixa de lado o fio condutor do enredo e se apega a aspectos emocionais caros à escola, como p.ex. a homenagem a seu maior compositor, Toco, ou então, a confissão autobiográfica dos compositores sobre as dores e alegrias das disputas de samba ao longo do tempo. Quando a sinopse fala de Cronos e outras figuras mitológicas, os compositores, tacam um “ 'Toco' de verso semeou a poesia”, p.ex. E aí, há duas linhas para se seguir na análise – como samba-ENREDO, não há enredo contado, nem recriação, nem nada – há reminiscências sobre o tema 'tempo', o que pode geral um resultado confuso na avenida. Como obra musical, pura e simplesmente, é um samba agradável, com momentos muito bons como o “Padre Miguel, o teu guri já não caminha tão depressa”, e alguns mais forçados, como o já citado “toco de verso”. Ficou legal de se ouvir, apesar de muito abaixo do que a escola vinha apresentando nos últimos anos. Ótima atuação de Wander Pires no CD. NOTA: 7,9. 

UNIDOS DA TIJUCA – Com Laila na direção, a escola volta a ter um belo samba. E, frisemos, o enredo é sobre o pão. O PÃO. “No céu, tem pão?” Mas a escola foi esperta e foi além – buscou os aspectos sociais e religiosos do tema, e o samba acabou ganhando uma condução classuda. Não que tudo tenha sido acerto – o diretor Laila, voltando à escola depois da célebre passagem pela Beija-Flor, não escolheu o melhor samba da disputa (ai, ai, ai), e existiam duas opções melhores nas eliminatórias. Mas como foi uma disputa em alto nível como há muito não se via na escola, o escolhido cumpre bem seu papel. O arranjo da faixa, com um órgão interessantíssimo, deixa bem clara esta ideia meio religiosa e solene na condução do enredo. O samba só não é um gol por pequenas falhas, como o forçado “esperança da massa'  na letra. Na segunda parte, no trecho “As migalhas do poder que o diabo amassou / Estão dentro de você / As mãos unidas vem pedindo o perdão / Gente sofrida com a paz no coração”, a melodia acaba ficando num tom muito baixo, dificultando o canto. Falta um brilhantismo maior, algo que chame a atenção, mas é um samba bem feito, naquele tom menor bonito que faz sucesso com crítica e júri. NOTA: 8,1. 

IMPERATRIZ – Aqui começa o drama do CD. Se a coisa já não estava muito boa, daqui em diante quase nada se salva. A Imperatriz não vem tendo sorte com sambas nos últimos anos, e apostou em algo mais leve, com palavreado de linhagem popular. Porém, a faixa não acontece – parece travada, se perde em alguns momentos. Talvez a preocupação excessiva com a letra tenha feito com que os versos musicais sejam longos e carregados. Aliás, o samba é longo demais por ser excessivamente descritivo. A sacada é o bom refrão do meio, que é o único momento de alívio da faixa, com seu duplo sentido sacana (Troca-troca ê) e a melodia empolgante – nos anos 80, tal expediente era muito comum e fazia sucesso, mas, hoje dia, passa meio despercebido para o público, apesar de continuar bem legal. A segunda, no entanto, é uma confusão melódica, com preparações para explosões que não acontecem, esticadas que não levam a lugar algum e momentos de ‘forçação’ emocional que não condizem com o discurso poético das outras partes. Fraco. NOTA: 6,8. 

VILA ISABEL – O enredo sobre Petrópolis não gerou grandes expectativas, apesar de ser uma opção segura para o aspecto visual de um desfile de escola de samba. A Vila tentou evitar o CEP puro, fazendo uma brincadeira sobre os “Pedros” da cidade dos Pedros, e a sinopse acabou se revelando interessante. Porém, parece que a história não motivou os compositores, principalmente o principal vencedor da escola, que se deu ao luxo inclusive de aceitar encomenda de outra agremiação. Em 1998, ele foi suspenso da Vila justamente por ter disputado (e perdido) em Caxias com um samba sobre Prestes. Desta vez, porém, a escola resolveu premiá-lo não com a suspensão, mas com mais um samba na avenida – é a mudança dos tempos, queiramos ou não, e faz parte do processo. O que chamou a atenção, no entanto, e isso foi amplamente divulgado em grupos de Zap, foram as diversas semelhanças melódicas da obra vencedora com o seguinte samba, que passou totalmente despercebido pelos críticos em 2009, talvez pela ausência de assinaturas de peso: 

Não irei discutir autorias, até porque aparece na descrição do vídeo o nome de um dos compositores da Vila entre parêntesis, o que demonstra que não houve apropriação, mas talvez reutilização de ideias. O que é revelador é o fato da escola que deveria ser o foco ter recebido, de certa forma, uma obra reciclada – obra que, repita-se, pouco chamou atenção em 2009 na Imperatriz. Vou tentar desconsiderar isso – e muitos sabem que tenho dificuldades em aceitar tais expedientes - e deixando estas considerações éticas para os diretores da própria escola, o samba da Vila é interessante, valente, com uma letra bem construída, sem os excessos de jogos de palavras de outros anos. Na melodia, a reciclagem realmente pegou trechos ousadas e corajosos, e a costura ficou redonda. Gosto muito dos dois refrões e da variação melódica em “Renasceu um novo dia”. Dentro deste estilo, este grupo de compositores há muito não acertava um samba realmente bom na escola. Que nos próximos anos não precisem reciclar ideias. NOTA: 8,0. 

UNIÃO DA ILHA – Sem grandes invenções, o samba da Ilha é o típico samba funcional sem grandes novidades, que usando como ponto de partida a cultura nordestina, abusa do palavreado típico e do clima alegre, com um arranjo calcado em sanfonas floreando trechos e escondendo a falta de criatividade da melodia da primeira parte. O refrão de cabeça é muito característico da escola e passa sem maiores problemas. O do meio é a parte mais interessante do samba, com uma acelerada que dá um clima interessante justamente onde o samba mais pede – a saudação ao Padre Cícero. A segunda cumpre tabela até o final, onde fica meio confuso e atropelado. A escola fez o feijão com arroz, a produção valorizou o samba, o arranjo de sanfonas e etc deu molho, mas a faixa só passa de ano raspando. NOTA: 7,1. 

SÃO CLEMENTE – A escola apresenta uma proposta estranhamente contraditória – criticar as escolas de samba e os desfiles através... de um samba reeditado! “E o Samba Sambou” foi um dos melhores momentos da história da São Clemente e rendeu uma ótima classificação em 1990. Era uma proposta de enredo arriscada, mesmo numa época onde os enredos críticos eram bem melhor compreendidos, e acabou fazendo muito sucesso entre critica e público. Mas, a questão que se impõe é a seguinte– o samba é realmente uma obra prima? Nem de perto. Talvez fosse o samba certo na hora certa, mas a própria São Clemente apresentou coisa muito superior, p.ex. em 1987, com o magnífico “Capitães do Asfalto”. A obra tem qualidades, principalmente nos dois refrões, o primeiro com sua ironia fina e direta, o segundo, com o emocionante apelo aos antigos carnavais. Porém, a letra acabou bastante datada por ser fruto do passado. Se Rambo era campeão de bilheteria na época, hoje só vai bater nos vietcongues se for de bengala. As trocas de artistas entre as agremiações são naturais, o próprio ‘passe’, expressão que veio do futebol, foi superado pela Lei Pelé e o aspecto comercial da festa se tornou preocupação até do sambista mais raiz. Aliás, indo na onda do Rambo, a escola poderia ter feito o “E o Samba Sambou II – A Missão”, com samba novo, explorando os problemas atuais da festa – que são muitos e diferentes, inclusive os sambas reeditados. Imagine as alas dos evangélicos? As do povo sem samba e sem saúde – uma alusão aos que defendem o fim do carnaval em troca do redirecionamento dos recursos para a saúde, coisa que nunca acontece, tendo em vista os mais de mil funcionários da saúde demitidos pelo atual prefeito do Rio de Janeiro só nos últimos dias? Enfim, o medo da mais uma vez tomar bomba dos jurados no quesito musical fez a proposta, que deveria ser ousada, transformar-se numa tentativa de uma ‘nota dez’ fácil. Mas a obra não tem a envergadura de um “Heróis da Liberdade” ou de um “Aquarela Brasileira”, sendo pouco mais do que um bom samba funcional da década de 90. Apesar das qualidades e do valor nostálgico, não tem força suficiente para uma revisitação. NOTA: 7,4. 

GRANDE RIO – A inacreditável sinopse da Grande Rio certamente está entre as piores já redigidas na história do Grupo Especial do Rio de Janeiro. Misturando educação, falta de urbanidade, perdão aos pecadores e um mea culpa estranhíssimo pelo bizarro cancelamento de seu rebaixamento por fatores comerciais, a sinopse é uma confusão de imagens desconectadas. Quando li, pensei logo na verdadeira catástrofe que viria da ala de compositores da escola. Talvez por medo, a direção optou por encomendar o samba a uma dupla de compositores de renome. O resultado é um samba melhor que a sinopse. Ou seja, não chega a ser uma tortura, apesar de ficar perto disso. Tenta passar um clima classudo na primeira parte, que certamente foi muito trabalhada como se percebe na na análise da letra, mas que acaba meio solta, desconexa. O refrão do meio é a melhor parte, onde há um pouco de coerência, um sentimento na tentativa de desenhar o arrependimento de forma mais digna - não é a tônica da sinopse, mas foi a solução mais inteligente encontrada pelos compositores. No entanto, a melodia não tem força alguma, tem até um estranho sentimento de tristeza, o que não deixa de ser uma tentativa válida diante do quadro apresentado. A coisa desanda vergonhosamente é na segunda, onde nada se encontra, e aparecem versos terríveis como “Cardume de garrafas pelo mar  / Nem tarrafa nem puçá alimentam o pescador  / E a cisma de atender o celular  / Pra curtir, compartilhar  / Zombar do perigo largar o amigo  / Perder o pudor”. O discurso poético morre totalmente, acaba qualquer coerência que o samba tentava transparecer e só resta o sentimento de melancolia da melodia. No verso do pudor, a solução abrupta deixa a melodia até meio indefinida. No final, a escola aponta a metralhadora para as coirmãs (Quem aí tá podendo julgar?) e conclui a bizarrice dizendo que educar é um desafio. A escola de Caxias conseguiu, neste carnaval, errar praticamente tudo em termos de proposta artística, e acertou apenas em uma coisa – a contratação do ótimo intérprete Evandro Malandro, que merecia um samba a sua altura e vai ter de suar a camisa para fazer isso aí funcionar. NOTA: 5,4. 

IMPÉRIO SERRANO - O meu Império Serrano tomou a decisão mais bizarra e esdrúxula do carnaval deste ano, simplesmente se negando a ter um samba-enredo no desfile. Recuso-me a fazer um comentário crítico sobre a música escolhida, que nunca foi samba-enredo, optando por reproduzir uma célebre crítica musical feita pelo site Pitchfork sobre um determinado álbum de rock, inclusive repetindo a nota, conforme este link. Desrespeito? Não é a intenção – basicamente, tento mostrar o que as escolas estão fazendo consigo mesmas. O vídeo abaixo traduz um sentimento. NOTA: 0,0 

VIRADOURO – Tentando se restabelecer como uma das potências do carnaval, a Viradouro optou por Paulo Barros como carnavalesco e, de tal decisão, decorre o bônus e o ônus. O carnavalesco tem como característica desfiles que fogem de enredos lineares e o samba quase sempre é um instrumento para o efeito que ele pretende alcançar. Por esta razão, as obras escolhidas nas agremiações por onde passa muitas vezes não tem grandes valores por si mesmas, mas acabam de certa forma não atrapalhando os desfiles. Tenho alguma dúvida, no entanto, quanto a este samba. É ingênuo demais. Sucessões de palavras no infinitivo denotam pobreza poética. É tudo tão simples que, em certos momentos, o tom infantil adotado, certamente inspirado pela sinopse, acaba deixando a coisa solta demais, talvez enjoativa, e o desafio ocorrerá justamente quando o samba for ouvido na longa duração do desfile. Não há um momento especial como o refrão do “É Segredo”, ou o “Para, o mundo para, o mundo para pra fantasia” da obra tijucana de 2007 para redimir o restante da faixa. A escola precisa reencontrar o caminho das grandes melodias para voltar a ser a gigante de anos atrás. NOTA: 6,7.