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Os sambas de 2018 por João Marcos

Os sambas de 2018 por João Marcos
E-mail: joaomarcos876@yahoo.com.br


As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile


A GRAVAÇÃO DO CD
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Safra um tanto supervalorizada, com alguns bons sambas, e outros bem fracos, de letras verborrágicas, quilométricas e sem muito sentido. A produção do CD melhorou em relação aos anos anteriores, dando mais variedade, fazendo a diferença entre as baterias ficar mais perceptível, e o fato de utilizar a primeira passada com poucos instrumentos fez com que o todo ficasse menos barulhento e cansativo. Ainda é preciso melhorar e diminuir a padronização, mas a produção começa a ficar num meio-termo bem aceitável. Quanto aos sambas, não há um grande destaque, mas existe um grupo acima dos demais com Mocidade, Portela, Beija-Flor e Mangueira. Há uma meiuca interessante e os bois de sempre, principalmente do meio em diante. Num ano que se desenha trágico para o carnaval em tempos de fanatismo religioso, pelo menos os sambas não nos deixam na mão. Só não são tão sensacionais como muita gente anda dizendo por aí. NOTA: 6,5.

1 - MOCIDADE - Diferente de muitos, achei bem interessante o início da faixa, com um arranjo acústico remetendo à música da Índia. Geralmente, essas introduções em sambas concorrentes são chatas e, por isso, os que acompanham carnaval o ano inteiro acabam não tendo muita paciência com elas. No entanto, achei uma maneira interessante, quase inédita dentro da discografia oficial, de iniciar o CD do ano, até porque ela entrou criando um clima, gerando uma emoção diferente, um sentimento de suspense para o ouvinte médio que não está acostumado com o expediente. Mas apesar de bacana, ressalto que não é preciso ter essa introdução em todo CD daqui pra frente. A experiência está de bom tamanho. Quanto ao samba, é um destaque na safra, principalmente a irrepreensível primeira parte, uma das combinações de letra e melodia mais felizes dos últimos anos, de beleza e força incontestáveis. No refrão do meio, há uma mudança de melodia no verso “Oh Madre de Luz”, que é excelente, mas sinto que poderia ter sido iniciada ainda antes, para valorizada a entrada do verso “Teresa de Calcutá”. Até mesmo uma terça ali poderia dar um molho especial ainda maior à repetição do refrão. O samba só não reproduz o extremo êxito do ano passado pela segunda parte, que não tem o mesmo brilho na melodia. A modificação do “Deite e Holi' para “Nesse Holi” não resolveu o problema do discurso do verso em relação ao todo da letra, e a saída do final da segunda para o refrão de cabeça, apesar de engenhosa, acaba sendo um pouco mais abrupta do que deveria. Porém, é um sambaço e dá seguimento ao grande momento da escola. A Mocidade encontrou sua cara. NOTA: 9,1.


2 - PORTELA Depois de dois sambas mornos, a Portela acertou em cheio com este, que é bem alegre, tem diversos momento de explosão e versos extremamente fortes. O clima de forró usado na melodia, apesar de não ter muita ligação com o enredo, situa a história do ponto de vista geográfico para o ouvinte que não leu a sinopse, dando molho à faixa. Sucedem versos fortíssimos para o canto como o “ê,ê, ê viola”, “oi, o mar, maré de saudade, oi o mar”, “Cada um em seu destino e a tristeza dá um nó”. O samba se sustenta em várias pequenas repetições de versos que vão arredondando a melodia, numa construção interessantíssima. O único trecho que poderia ter tido um pouco mais de cuidado é em “Vixi Maria lá no meio do caminho / Tem pirata no navio / O pagamento não foi ouro nem foi prata / Essa gente aperriada foi seguindo / Ô gira ciranda, vai a chuva vem o sol, deixa cirandar”. Aqui, parece que a entrada dos piratas no enredo dificultou os compositores. Os versos saíram mais truncados e a melodia segue meio sem rumo, apenas ligando as demais partes. Mas é um trecho rápido no samba, que, no todo, é empolgante e diferenciado. NOTA: 9,0.

3 - SALGUEIRO Um bom samba, que passa o enredo com clareza e sentimento. Começa um pouco burocrático, mas ganha muita força no seu primeiro momento de diferencial, que é o trecho “Bendita ela é… E traz no axé um canto de amor / Magia pra quem tem fé / Na gira que me criou” que engata no ótimo refrão de meio, o grande momento do samba. Depois de um pequeno bis, o samba muda de sentimento, fica mais leve, e isso valoriza os versos que tratam da tia que ensinou a comer doce na colher (bela imagem), as amas de leite, as mães baianas, aquela coisa mais familiar da criança. O refrão de cabeça fecha bem um samba que, dentro de sua proposta, conseguiu fugir daquilo que eu mais temia, que era ser um Candaces II, “a missão”. Não era o melhor da disputa, mas é um dos melhores do CD. NOTA: 8,5.

4 - MANGUEIRA Seguindo o nível dos últimos anos, a escola apresenta mais um bom samba, com melodia redonda, cara de Mangueira. A letra é clara, sem rebuscamentos desnecessários. Acredito que seja fruto da ótima sinopse, que passou a mensagem com precisão. Não temos aquela tradicional impressão de que os versos estão ali apenas enumerando os carros alegóricos do desfile. O único momento que poderia ter sido mais sutil é justamente no verso “Vem como pode no meio da multidão”, que apesar de desfarçar a citação à escola Vai Como Pode, soou levemente distante do resto do discurso poético do samba. É uma obra muito funcional e dificilmente perderá qualquer décimo na apuração, mas tenho a impressão de que os compositores optaram pelo caminho mais seguro, poderiam ter bolado um trecho de maior diferencial em algum momento. É um samba extremamente competente e profissional no bom sentido. O destaque é o bom refrão de cabeça, curto e empolgante, e o trecho: A minha escola de vida é um botequim /Com garfo e prato eu faço meu tamborim / Firmo na palma da mão, cantando laiálaiá / Sou mestre-sala na arte de improvisar. NOTA: 8,8

5 - GRANDE RIO Odiado nos fóruns de carnaval, o samba da escola de Duque de Caxias faz exatamente o que se propõe – é alegre, leve, divertido, simpático, combinando com a pegada que a escola vem imprimindo em seus últimos desfiles. A letra não quer rebuscar nada, não tem profundidade, não tem discurso definido... mas será que isso realmente é importante dentro no carnaval? Será que todos os sambas precisam ser teses de doutorado? O especialista pode reclamar, o intelectual espernear, mas é maravilhoso encontrar um samba diferente no meio de tantas letras metidas a Camões. Evidente que está longe de ser uma obra prima, a primeira é muito confusa melodicamente. Porém os excelentes refrões, a ótima sacada da citação do jingle do programa do Chacrinha e todo o sentimento da faixa fazem com que a gente esqueça aquele chato que vive na nossa cabeça e deixe a alegria tomar conta. NOTA: 8,0.

6 - BEIJA-FLOR A sinopse foi devidamente chutada de lado pelos compositores da escola, que se apegaram ao lado emocional do enredo. A metáfora confusa do Frankestein, os cavaleiros do Apocalipse, a Pietá, quase nada é sequer citado genericamente. E graças a Deus. O que fica é o sentimento de abandono, algo dificil de se traduzir em melodia, mas que acabou se tornando a força do samba, o seu grande diferencial. A crítica da letra é dura, talvez um pouco dificil de se entender plenamente, já que mais parece algo sobre crianças carentes, mas acredito que funcionará dentro do desfile, com as referências visuais explicando o tema. A melodia tem trechos bem baixos que podem atrapalhar um pouco o canto em determinadas partes, mas fazem um lindo contraste com a parte final, que é poderosíssima, a partir de “Mas o samba faz essa dor dentro do peito ir embora” indo até o marcante refrão de cabeça. É um samba de escola grande, que consegue superar alguns pequenos problemas técnicos valorizando o sentimento. É melhor isso do que perfeição asséptica. NOTA: 8,9.

7 - IMPERATRIZ Vem sendo muito elogiado no mundo do samba desde que saiu a versão concorrente. Talvez por isso, eu esperasse mais. Acho muito intelecto pra pouco coração. O concorrente não havia me encantado, mas eu ainda tinha a expectativa de que o samba explodisse na versão do CD. Não aconteceu. A letra é obviamente bastante trabalhada, tem bons momentos com um enredo bem difícil por ser muito descritivo. As soluções usadas pelos compositores são interessantes, mas com um pouco mais de atenção, você percebe pequenos deslizes como dinossauros bailando com meteoros, flautas soltando pela grimpa e outras forçações de barra. A melodia, sinceramente, não acontece e não chama a atenção. O refrão de cabeça é legal e o do meio tem uma repetição no verso “para o rei de Daomé” que é interessante. Porém, é um samba muito morno. NOTA: 7,3

8 - UNIÃO DA ILHA Esse tipo de enredo era bem comum na Ilha no Grupo de Acesso e produziu um samba do nível dos sambas que a escola apresentava na época. É simpático, sem grandes deslizes, passa bem o enredo, mas não tem nenhum diferencial. O destaque é o refrão do meio, mas nada que chegue a empolgar. A escola ficou devendo bastante este ano. NOTA: 6,9.

9 - SÃO CLEMENTE O enredo interessante não se transformou numa sinopse fácil para o compositor, e o samba aponta isso: é extremamente burocrático. A letra é descritiva, sem qualquer imagem poética, apenas contando os diversos momentos da história, não explicando muito bem o que é o enredo em si. Para o leigo, fica parecendo que é sobre a história da arte no Brasil, e não sobre a Escola de Belas Artes. A melodia não tem qualquer momento ousado, salvo a estranha entrada do refrão do meio, num tom muito mais alto que o resto do samba. O refrão de cabeça termina jogando o samba pra baixo, numa construção pouco usual e nada funcional. Para não dizer que o samba é todo fraco, gosto da entrada da primeira, acho bonitinha a divisão. O intérprete oficial deu uma levantada na obra em relação à versão concorrente, porém a faixa é, sem sombra se dúvidas, o momento mais frágil do CD justamente por ser o mais sem tempero. A aposta falha do ano passado fez com que a São Clemente voltasse a ter, este ano, um samba que não tem qualquer sentimento, quase sonolento. E o que mais impressiona é que vem, novamente, assinado por um compositor de nome, desta vez Gusttavo Clarão. A escola não consegue ter bons sambas nem com bons compositores, e isso é preocupante para sua permanência no Grupo Especial. Esperamos melhor sorte nos próximos anos. NOTA: 6,4.

10 - VILA ISABEL Quando o compositor mais vitorioso da escola assina um samba como “participação especial”, você já tem uma indicação do que vem por aí. O enredo, interessante do ponto de vista de possibilidade visual, é um desafio para qualquer compositor. A letra, então, resolveu passar as imagens poéticas sem muita conexão entre si, e a melodia foi sendo esticada para comportar os versos. No final, o todo não faz o menor sentido, a melodia tem poucos momentos inspirados, o refrão força a barra com o velho expediente de pegar sambas antigos da escola para criar alguma ligação emocional com o componente, sem muito sucesso. Enfim, é um trash sem ter versos trash, mas se você pega o samba como um todo, parece que é sobre o nada. E o que fica da audição é exatamente isso – a pura sensação de tempo perdido. NOTA: 6,7.

11 - UNIDOS DA TIJUCA A escola não vem sendo feliz em seus sambas nos últimos anos e mantém o nível com este. É uma obra de melodia genérica, tanto que o refrão de cabeça tem versos que lembram, em melodia, o refrão da São Clemente deste mesmo ano (!). Compare - “E fez de você um poema de amor ” com “Fiz da São Clemente o retrato fiel”. A letra é razoável, fugindo do trash o quanto é possível até entrar na parte da enumeração dos seriados em que o homenageado participou. Mas não tem nada que chame muito a atenção ou tenha diferencial. Mais um ano de dívida para a escola originária do morro do Borel. Nota: 6,8.

12 - TUIUTI Um samba bastante pretensioso, com letra rebuscadíssima decorrente do belo enredo, que tem um apelo emocional gigantesco e óbvio – fazer samba ruim sobre a luta contra a escravidão é quase impossível. E é visível o esmero dos compositores. Talvez seja a melhor letra do ano. A melodia, no entanto, não tem o mesmo peso. Não há a catarse, por exemplo, que encontramos no samba da Beija-Flor. A obra parece o tempo todo presa, mais preocupada em passar a mensagem do que o sentimento. É interessante ver uma escola menos poderosa fazendo um aposta dessas, mas é fundamental que o samba, além de agradar o cérebro, agrade o coração também. Veja a simplicidade do samba da Mangueira de 1988, sobre tema semelhante, e compare o sentimento. E com um enredo destes, a encomenda foi uma aposta covarde da escola, que não abriu a possibilidade para composições ainda melhores. Fica a sensação de que poderia ter saído coisa ainda melhor. NOTA: 8,3

13 - IMPÉRIO SERRANO Na volta ao Grupo Especial, o Império comete o erro de apostar num enredo árido e sem apelo emocional. Aliás, comete este erro novamente. Toda vez que a escola volta ao grupo é a mesma coisa. E aí, o compositor tem de buscar algum sentimento onde não existe: foge da sinopse, utiliza 'aspas' e expedientes outros para tentar encontrar alguma empatia. E o resultado quase sempre é fraco. Há exceções, como os dois últimos anos da Mocidade – o recurso utilizado pelos compositores da escola é ampliar o tema e aproximar o brasileiro de povos muito diferentes do nosso, mostrando que, de certa forma, eles são iguais a gente. No caso do Império, no entanto, o samba segue o caminho tradicional de passar os tópicos do enredo de forma genérica, sem muita ligação, sem citar palavras difíceis e dando apenas pequenas pinceladas nos temas dos carros, evitando a todo custo versos 'trash'. A tentativa de emoção fica por conta das citações a sambas antigos. O que aparece na faixa é uma obra profissional, que tem bom refrão, melodia correta, mas não deixa qualquer marca no coração do imperiano. O Império parece querer esquecer sua alma toda vez que volta ao Grupo Especial. É muito pouco. NOTA: 7,0.

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