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Os sambas de 2015 por João Marcos

Os sambas de 2015 por João Marcos

As avaliações e notas referidas apresentam critérios distintos dos utilizados pelo júri oficial, em nada relacionados aos referidos desempenhos que as obras virão a ter no desfile

A GRAVAÇÃO DO CDA safra de 2015 segue uma linha parecida com a dos anos anteriores, porém sem um samba que se sobressaia muito. Temos obras interessantes, como o contagiante samba da Portela e a homenagem guerreira da Imperatriz à Mandela, mas nenhum dos onze inéditos está preparado para o teste da eternidade. Uma tendência que vem surgindo é a volta do samba funcional mais simples, como o da Grande Rio e o da Mocidade, que sempre esteve presente no Grupo de Acesso, mas estava escasso no Especial. É um tipo de samba sem a intensidade dos sambas do André Diniz para a Vila Isabel, sem a dolência dos sambas do Arlindo e sem a melodia mais encorpada dos sambas da Beija-Flor – os estilos que dominaram a última década. Comum nos anos 90, os sambas mais leves estão ganhando uma dinâmica um pouco diferente, com viradas melódicas que privilegiam pontos de explosão. A presença de pelo menos cinco obras nesta linha é preocupante porque uma boa safra exige diversos estilos, sambas com sentimentos diferentes, e quando todas as escolas começam a seguir uma determinada fórmula, a tendência é os desfiles ficarem mais enfadonhos e nivelados por baixo. O segredo é fazer o diferente, como a Portela fez nos três anteriores. Os sambas que se sobressaem na safra são os que trazem um sentimento diferente. Fica a dica. Quanto à produção, repito as críticas dos anos anteriores. Da mesma forma que peço sambas com sentimentos diferentes, acho que a padronização da produção acaba não servindo todas as obras da mesma forma. O ideal era cada faixa ter um clima diferente, com recursos diferentes, valorizando as características de cada obra. Neste aspecto, cito o LP de 1971 como um exemplo de como tratar cada samba de forma diferente – em uma faixa, as pastoras cantam alto, em outra, valorizam-se mais as cordas, e por aí vai. Sei que isso geraria adicionais custos para a produção, mas o ganho artístico seria substancial e tiraria do ouvinte leigo a impressão de que todos os sambas são iguais. NOTA: 4.8.
 
UNIDOS DA TIJUCA – A Tijuca montou um enredo complicado para o compositor. A Suíça não é mostrada de forma histórica, mas como um gancho que envolve diversos temas sem muita ligação entre si. A letra acaba refletindo a falta de continuidade do que é contado. Com conhecimento geral, você entende o que está sendo abordado em cada ponto do samba, mas o todo pinta imagens desconexas. Neste aspecto, entendo a opção dos compositores – era o único caminho possível para a confecção da letra, e é impossível passar do cãozinho São Bernardo para o relógio suíço de forma muito diferente da que foi feita. Gosto da melodia da primeira parte, apesar de o estilo seguir uma linha muito comum no Grupo Especial. A segunda cai bastante, a letra começa a fazer jogos de palavras que não existiam até então, a melodia trava e a subida do final do samba não flui naturalmente – é apenas o obrigatório ponto de explosão que todos os sambas com esta fórmula tem. Os refrões são comuns e, no do meio, o verso “ 'o som da caixa', joia de valor” tem problema de métrica pela acentuação da palavra 'jóia', forçando o intérprete a dar uma atrasada que acaba deixando o verso ser cantado de forma meio trepada. NOTA: 7,1.

SALGUEIRO – Se o enredo da Tijuca era difícil para o compositor, o do Salgueiro era excelente. Por isso, o samba escolhido é decepcionante. Não é o desastre apregoado nos fóruns de carnaval, mas não traz qualquer sentimento para o ouvinte. A letra tem soluções preguiçosas como “culinária virou arte e tradição”. Os refrões são razoáveis. No do meio, acho que o segundo “ó sinhá” é desnecessário – a repetição de palavras é um recurso legal, mas a expressão não tem força e talvez uma esticada, um 'paladaaaaaar' ali desse mais efeito, podendo ser preenchida com cacos ou com uma entrada mais forte no verso seguinte. A versão oficial deixou o samba fluir um pouco melhor em relação ao concorrente original, apesar do final da segunda ainda ser meio travado e a esticada do “Nossa Senho-o-ra” me causar certo desconforto por não parecer natural. NOTA: 6,9

PORTELA – Usando uma versão mais simplificada do estilo dos sambas portelenses dos últimos anos, a obra portelense é inegavelmente contagiante, uma paulada de melodia agradável e forte, e é o samba mais pronto da safra para acontecer na avenida. Tem muitos pontos de explosão, alguns usados de maneira inteligente para sair de trechos que poderiam cair, como no “ôôôôô” que salva um momento em que a melodia foge do padrão do resto da obra. Minhas restrições maiores são com a letra, que não passa o enredo. Aqui, deixo claro que a questão não é que a letra seja um resumo da sinopse, mas o enredo é um Rio na ótica surrealista, e, sinceramente, se não fosse o jogo de palavras com o nome de Dali, a letra apenas exaltaria o Rio de forma simples. O enredo abria espaço para imagens poéticas mais bonitas e tive a sensação de que isso foi pouco utilizado pela parceria, resultando numa letra que é mais pobre do que deveria ser, muito calcada também na exaltação da própria Portela. Tecnicamente, o único problema do samba é a acentuação de Madureira e poeira (Madureirá e Poeirá) no refrão principal. O trecho do “Vem amor”, após o segundo refrão, tem tendência a cair, mas o seu efeito dependerá do que acontecer na avenida – pode ser salvo pela força do canto da escola e servir como alívio melódico para uma escola cantando a plenos pulmões... mas pode simplesmente cair mesmo. Veremos. NOTA: 8,9.

UNIÃO DA ILHA – É um samba estranho, porque é desconjuntado, mas é divertido e tem um sentimento bem definido. A primeira parte tem três variações de melodia que não se encaixam muito bem. A entrada, com o “Floresceu” é interessantíssima em termos melódicos, mas o verso do “beleza pura”, que prepara para uma primeira virada melódica, fica mal definido. A segunda variação, a partir no “Vai no tempo” é mais simples, estilo melodia dos anos 90, mas acontece muito rápida e destoa, apesar de ser legal se considerada isoladamente – no todo do samba, não funciona muito bem. A terceira variação, a partir de “Sou sambista”, é mais burocrática. O refrão do meio é muito bom, e o “fiu fiu” é usado de forma muito criativa. A melodia da segunda é mais linear e deságua num refrão de cabeça simples, com uma rima preguiçosa de “cidade” / “comunidade”, que pode funcionar mas me desagrada do ponto de vista artístico. A letra, num todo, é bem coloquial, o que é interessantíssimo e dá unidade ao enredo contado. Há soluções de gosto duvidoso aqui e ali, como no “esbanjando formosura, é beleza pura”, mas que acabam passando mais ou menos despercebidos. Cumpre bem o seu papel sem maiores pretensões e foi o samba que mais grudou no meu ouvido. NOTA: 7,9.

IMPERATRIZ – É o samba do ano por ser o que traz um sentimento diferenciado. É o que tem mais momentos de inspiração. Tem uma melodia arrojada, que compensa a falta do refrão do meio com variações bem fortes. A letra é poética e clara, com um discurso bem definido. A utilização do verso “uma 'banana' para o preconceito” é muito boa, o duplo sentido do 'banana' servindo para o entendimento do enredo (são as aspas bem feitas, diferentes do que a gente vê por aí). A melodia pesada tem momento espetaculares, como a maravilhosa virada no final da segunda, a partir do “vamos louvar o canto da massa”, e a entrada da primeira, até a parte do “nada é maior que o amor, entenda” é, de longe, uma das construções melódicas mais felizes em um samba enredo neste século. A composição tem momentos menos inspirados, como no “tristeza e dor” e versos seguintes, que pintam como pontos de explosão mas acabam perdendo força na comparação com o que veio antes. A parte do “faço brotar a força da esperança” até o verso seguinte também parece uma pequena “barriga” melódica. É um samba difícil mas é muito bonito, exige um trabalho extra da direção da escola, mas vale o investimento. É a aposta – um samba fácil rende, mas não faz diferença; um samba difícil e bonito como este, se bem cantado, pode levar uma escola a ser campeã. NOTA: 9,2.

GRANDE RIO – Samba com cara de anos 90, bem leve, mas com problemas sérios de construção. Começa bem, com um refrão, simples e grudento, e o início da primeira flui como consequência da melodia. A letra funciona na primeira parte, brincando com o jogo de forma romântica, recurso bastante interessante. O ponto de explosão no final da primeira, com uma esticada comum em sambas de São Paulo (no “minha linda floooor”) até está bem encaixado, mas achei uma solução preguiçosa porque o samba é muito simples e geralmente essa virada é usada para dar um alívio melódico. Usar este recurso no trecho era totalmente desnecessário. O refrão do meio me agrada, principalmente a forma como o “encontrei o amor” ficou bem encaixado por conta de uma antecipadinha da linha melódica, dando um diferencial. O problema é a segunda parte, que tem uma melodia batida que não se encaixa bem no todo e tira a fluidez do samba. O resultado é catastrófico. A melodia desaba de forma clamorosa. O samba se perde, a letra fica mais difícil de entender, os compositores tacam um verso com “jeito esperto” que praticamente se choca com o “jeito malandreado” do refrão e terminam o samba da maneira mais burocrática possível, apenas “cumprindo tabela”. O começo razoável dá um ar simpático ao samba, mas, tecnicamente, é o mais fraco da safra. NOTA: 6,7.

BEIJA-FLOR – Depois de uma classificação ruim para os padrões da escola, parece que a Beija-Flor tentou resgatar seu jeito de fazer carnaval, vindo com um samba denso como os que embalaram diversos títulos da escola. E aí temos um problema e uma vantagem ao mesmo tempo. O problema é a sensação de que já ouvimos o samba algumas vezes ao longo dos anos, com muitas soluções melódicas repetidas e o mesmo discurso poético de sempre. Só que, justamente porque os sambas estão se distanciando das fórmulas da última década, o da Beija-Flor acaba sendo um dos “diferentes”. Antigamente, encontraríamos um samba denso como este na Porto da Pedra, na Grande Rio e em mais algumas dependendo de quem vencesse o samba. A Beija-Flor tinha sido tricampeã e era o modelo a ser seguido. Como aquele modelo saiu de moda, quando a Beija-Flor o ressuscita, acaba tendo uma faixa com um clima único no CD. Mas a sensação de 'deja vu' é muito forte comparando com outros sambas da escola – a parte do “invasor sangrou o mar”, o refrão do meio (mesma fórmula do samba de Maranhão), a esticadinha do “dessa mistura eu faço carnaval”, e até mesmo a utilização da imagem do olhar marejado no fim da primeira, tudo pode ser achado em outros sambas escolas. Mas é um samba bonito, bem construído, destaque da safra. O único momento realmente incompreensível de sentido – os compositores certamente sabem explicar, mas não ficou claro para quem não ouviu a explicação – é qual o motivo da criança ir embora no final do samba. Aliás, ir para onde? NOTA: 8,5

MANGUEIRA – É um samba bonito, até porque dificilmente a Mangueira erraria com um enredo de cunho emocional, falando das mulheres do Brasil e focando nas grandes damas da escola. Mudanças sutis em relação ao concorrente melhoraram a fluidez do samba, principalmente na saída da segunda parte para a entrada do refrão do meio, que não encaixava bem de início. A primeira é muito boa, apesar de alguns deslizes de letra, como o “vovó guiava minha imaginação” que acho que não combina com o discurso poético da letra. O refrão do meio é sensacional e o melhor do ano de longe. Depois, o samba cai, talvez porque a segunda seja muito longa e calcada na mesma estrutura – Linda...(pausa) e etc, Brilha (pausa) e etc... Glória (pausa) e etc... Acaba perdendo um pouco de força, mas o resultado final do todo é muito bom. NOTA: 8,4.

MOCIDADE – A ideia do enredo da Mocidade é genial. Porém, para os compositores, um grande desafio se avizinhava – como não fazer algo 'trash' citando todas as loucuras do enredo? Mas eles conseguiram. Não havia como meios de criar um grande samba, como os quarenta e tantos concorrentes demonstraram, mas os compositores captaram que o negócio era assumir o lado marchinha e jogar para a galera. E nisso, pode se dizer, tiveram sucesso. É exatamente o que a escola queria, tanto que o carnavalesco se manifestou neste sentido em redes sociais. O samba, inclusive, tem coisas muito interessantes, como a variação no meio da primeira, no “Vem... é o juízo final” em diante. Claro que do ponto de vista artístico, não tem lá grande riqueza, com soluções batidas como o “É de enlouquecer, AMOR”, este 'amor' vindo dos anos 90 diretamente do túnel do tempo, e a letra é de uma pobreza franciscana. Também não é uma audição que desperte muito interesse, não tem muito sentimento, mas dentro do possível, salva-se, o que merece elogios por si só. Eu esperava algo muito pior. NOTA: 7,0.

VILA ISABEL – Confesso que o samba da terra de Noel me causou muita decepção na gravação oficial. Era um dos meus concorrentes preferidos nas eliminatórias de 2015. Porém, o refrão do meio inventado ficou muito feio porque tirou completamente o clima da obra. O legal da versão original era justamente a construção da melodia, como ela ia evoluindo, um tipo de trabalho que é raríssimo ver nos sambas atuais – o samba tinha uma cara autoral justamente porque você sentia que a melodia ia seguindo um caminho, uma lógica, que desembarcava no refrão apoteótico. Do jeito que ficou, é como se você estivesse fazendo amor e no meio interrompesse para beber água. Parece aquelas fusões malucas que pintaram em algumas escolas nos últimos anos. Odiei o refrão intensamente. Outra mudança que me incomodou demais foi a adição da palavra “então” no original “Solto a voz na canção”. Eu adorava a esticadinha do início do verso, achava inspiradíssima (além de ser o antigo alívio melódico, que atenuava brilhantemente a intensidade do samba). O único erro técnico do samba original, o problema de métrica por acentuação no verso “o CLÁSSICO na mais puro raiz” que era para ter sido mexido, continua intacto. Houve uma queda brusca de qualidade, mas a força do original era considerável e o que ficou, mesmo que o tempero tenha desandado um pouco, ainda é bastante bom. NOTA: 8,1.

SÃO CLEMENTE – É um samba agradável, que acaba sendo mais valorizado do que é justamente porque está no meio do caminho entre os sambas funcionais e aqueles que tem uma pretensão artística maior. O problema é que ele fica no meio da classificação, mas está bem mais próximo do fundo da tabela. O refrão é bom e forte, mas a entrada da primeira é muito burocrática – a sinopse genial de Rosa Magalhães dava tantos caminhos e tantos sentimentos diferentes para os compositores explorarem, e nada daquilo foi aproveitado. Aliás, acho que isso é o que mais me incomoda no samba – não tem cara de Fernando Pamplona em momento algum. O refrão do meio é pobre de letra, e o trecho “ZAMBI É ZUMBI, CHICA DA SILVA MANDOU... ÔÔÔÔ” é bem ruim, um dos piores momentos do CD. A segunda parte melhora bastante, e aí sim merece maiores elogios, apesar da citação a um girassol na letra que eu não achei na sinopse e não tem qualquer ligação com o discurso poético da composição. O final é bem bonito e encaixa de forma belíssima com o refrão de cabeça. Mas o enredo merecia muito mais, não só pelo homenageado, mas pela sinopse espetacular, uma das melhores que li nos últimos anos. Um samba sobre Pamplona ser pouca coisa melhor que um sobre a Suíça mostra que os compositores poderiam ter caprichado bem mais. NOTA: 7,3.

VIRADOURO – Confesso que pela primeira vez darei nota a um samba em protesto. As obras originais são clássicos da MPB, de qualidade indiscutível, mas a utilização delas como samba enredo é uma catástrofe para o gênero. Eu repudio de forma veemente a opção da escola, acho um absurdo e fico estupefato da liga e dos herdeiros do compositor não impedirem essa heresia. Abriu-se um precedente perigoso que pode ser a “pá de cal” num estilo que já vem afastando os compositores não ligados a escritórios e sem dinheiro para competir em disputas caríssimas. Agora, os “últimos moicanos” também vão ter de competir com monumentos consagrados pelo público e que não foram feitos para os desfiles. É uma covardia, uma apelação e acho bizarro que um presidente que também é compositor possa ter uma ideia como esta. Luiz Carlos da Vila, que foi um grande defensor das raízes do samba, que sempre se espelhou em Candeia, que disputou na Vila com sambas clássicos e bem trabalhados, não aceitaria facilmente que mutilassem suas obras e mudassem a dinâmica das mesmas para serem submetidas a um julgamento para o qual elas não foram feitas. O que falta agora? Músicas de Roberto Carlos tocadas em ritmo de samba para embalar os desfiles? Sem levar em consideração toda a minha revolta com os fatos acima expostos, o samba é muito bonito, apesar de exigir uma bateria mais pesada, com mais graves num andamento mais lento. Na versão do CD, a bateria está leve demais. A aceleração faz também com que o “ÔÔÔÔÔÔ” se atropele e seja difícil de cantar em coro (o que é óbvio, já que a obra não foi feita para os desfiles e andamentos atuais). A dinâmica da faixa não valoriza a composição de forma alguma. Mas, sinceramente, para que ouvir isso num CD de carnaval se você pode ter uma versão com arranjos bem trabalhados e a interpretação singular de Beth Carvalho? Enfim, ressalto que a minha nota não é para a qualidade do samba, mas para a opção da escola. NOTA: ZERO.